Filme expõe âmago do pintor Van Gogh; um artista além do seu tempo

Paulo Henrique Silva
06/02/2019 às 07:00.
Atualizado em 05/09/2021 às 16:24
 (DIAMOND/DIVULGAÇÃO)

(DIAMOND/DIVULGAÇÃO)

Ingrediente comum a todos os filmes do diretor Julian Schnabel, “No Portal da Eternidade” também mira as agruras interiores de um artista famoso – no caso, o pintor holandês Vincent Van Gogh. A ligação mais forte é com “O Escafandro e a Borboleta” (2007), já que ambos têm formato narrativo muito particular, tentando reproduzir “de dentro” todas as emoções do protagonista.

A história verídica de “O Escafandro e a Borboleta”, sobre o jornalista e escritor Jean-Dominique Bauby, que sofria da Síndrome do Encarceramento, só movimentando o olho esquerdo, tem seu espelho no pintor que não conseguia se comunicar com a sociedade da época (segunda metade do século 19), vivendo um mundo completamente à parte em sua mente criativa, em meio aos seus próprios monstros.

Entre os recursos adotados para nos levar à compreensão dos personagens está o de suprimir certas partes pela visão parcial de Bauby sobre o que o rodeia e da câmera convulsiva que acompanha Van Gogh. No segundo, a experiência é ainda mais radical, com a “loucura” do pintor motivando uma edição mais livre, não-linear, que se satisfaz em mostrar pedaços de situações vividas pelo mestre das tintas.

Schnabel não está interessado no personagem, mas na mente dele, no que ela é capaz de produzir diante das dificuldades que se apresentam. Bauby ficou praticamente incomunicável, inerte, mas foi capaz de expressar o que sentia em sua autobiografia, produzida com muita paciência e persistência, já que o escritor francês só tinha o olho para dizer o que queria.

Orelha

Van Gogh (Willem Dafoe, em grande atuação) tem seu corpo em perfeito funcionamento, mas é como se ele estivesse em desacordo com o cérebro, sem poder controlá-lo, a ponto de cortar a própria orelha. 

Cenas como esta não são mostradas, evitando-se os instantes mais conhecidos da vida do pintor. Em seu lugar, entram sequên-cias desconexas e vozes e imagens duplicadas na tentativa de se aproximar à pulsão do artista.

Uma ânsia entendida como loucura, mas que o filme prefere enxergar, muitas vezes, como processo artístico. A impossibilidade de separá-las justifica o desfecho do artista: o reconhecimento pelo trabalho se dá apenas após a sua morte. Muito simbólica é a cena em que seu corpo é velado ao lado de dezenas de quadros, com a morte física se tornando uma espécie de renascimento.

Não muito diferente do que aconteceu com Bauby, que faleceu poucos dias após o lançamento da autobiografia. Neste conjunto, em que podemos adicionar o artista plástico Basquiat, também retratado por Schnabel, o título “No Portal da Eternidade” é muito expressivo para definir os propósitos do realizador, sobre a distância que um artista deve ter de seu tempo para chegar à imortalidade.

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