Saneamento e fiscalização falha resultam em contaminação de represa Vargem das Flores

Ricardo Rodrigues – Hoje em Dia
06/07/2015 às 17:18.
Atualizado em 17/11/2021 às 00:47
 (Marcelo Prates/Hoje em Dia/Arquivo)

(Marcelo Prates/Hoje em Dia/Arquivo)

Por falta de saneamento e de fiscalização dos órgãos ambientais, o principal manancial da bacia de Vargem das Flores - o córrego Maracanã, na região de Nova Contagem - está contaminado por esgoto doméstico e industrial, inclusive do complexo penitenciário de segurança máxima Nelson Hungria. Nascentes do Maracanã e de seus principais afluentes, responsáveis por contribuir com o maior volume de água para o reservatório, estão poluídas e degradadas. A poucos metros da lagoa, propriedades foram muradas e córregos foram represados por particulares.    Este foi um dos relatos feitos pelo torneiro mecânico Geraldo Ferreira Pinto, o Índio, aos deputados da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa (ALMG), durante visita ao manancial que abastece 10% da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) e faz parte do sistema Paraopeba, da Copasa, ao lado dos reservatórios de Rio Manso e Serra Azul. Índio e outros voluntários do grupo Fé e Política, de Betim e Contagem, fizeram o mapeamento de 62 nascentes na APA Vargem das Flores, e todas estão assoreadas.    "Não basta tratar o esgoto, tem de preservar as nascentes, hoje pisoteadas pelo gado. Todas estão sem proteção e com animais tomando conta. Com o represamento da água, para dar de beber ao gado e para a criação de peixes, os córregos estão secando", lamentou o Índio, que foi uma espécie de guia dos parlamentares aos pontos mais degradados da represa. O voluntário afirmou também que o governo do Estado não tem política de preservação da APA Vargem das Flores, responsável pelo abastecimento de água de meio milhão de habitantes da RMBH.     Em resposta, o diretor de Operação Metropolitana da Copasa, Rômulo Perilli, adiantou que o programa Cultivando Água Boa será implantado na Área de Proteção Ambiental (APA) Vargem das Flores, para convencer os proprietários de terrenos a recompor a mata ciliar e melhorar as estradas para evitar o assoreamento. Ele também afirmou que as ações de fiscalização cabem à Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), como prevê o artigo 199 da Lei Delegada 180, de 20 de janeiro de 2011, que retirou o "poder de polícia ambiental" do Instituto Estadual de Florestas (IEF).     A ocupação irregular do solo e a degradação ambiental na represa da Vargem das Flores foram os principais problemas verificados pelos parlamentares durante a visita, que foi acompanhada por moradores, representantes da Copasa, do Instituto Estadual de Florestas (IEF) e das prefeituras de Betim e Contagem.    A ocupação ilegal das margens da lagoa é tolerada há pelo menos dez anos, quando foi criada por lei estadual a APA Vargem das Flores, com área de 12.269 hectares. Cercas se espalham em torno de casas de veraneio e a área verde do entorno cede terreno em ritmo acelerado até aos conjuntos de apartamentos. Muitas chácaras exibem o "pier" com lagoa no quintal. Com a seca tudo fica à mostra.     O diretor da Copasa disse ainda que o plano de manejo da APA Vargem das Flores, ao custo de R$ 2 milhões, vai demorar 18 meses para ser concluído e definirá as normas e restrições para o uso da APA, ou seja, o tipo de ocupação que poderá ser feita em seus 12,6 mil hectares. "Qualquer empreendimento precisará ter a anuência do conselho consultivo da APA Vargem das Flores", afirmou.    Isso vale, inclusive, para os projetos imobiliários que aguardam aprovação pela Prefeitura de Contagem, hoje alvo do Ministério Público, que abriu inquéritos civis para apurar possíveis irregularidades ambientais e urbanísticas na construção de 1.344 unidades habitacionais no Residencial Jardim Icaivera (APA Vargem das Flores) e 1.104 moradias no Residencial Veredas Pedra Azul, localizado na Bacia do córrego Bom Jesus.   A represa foi criada em 1972 para abastecimento público de água, tendo área de aproximadamente 5,5km2 e profundidade máxima de 21m, abrangendo os municípios de Contagem e Betim. A área de domínio da Copasa é definida pelo espelho d'água até a cota 842. Acima dessa cota, os terrenos são de propriedade particular. Apesar de sua importância para o abastecimento público de água, a represa de Vargem das Flores vem sendo seriamente degradada ao longo do tempo, devido ao uso e à ocupação inadequados do solo no entorno da lagoa, bem como ao lançamento de esgoto e lixo.    JOGO DE EMPURRRA   Também foram mencionados pelos parlamentares problemas relativos à fiscalização da área, que não vem sendo feita de forma efetiva.   "Existe um 'jogo de empurra' entre o governo do Estado e as prefeituras de Betim e Contagem em relação ao manancial de Vargem das Flores, que não fizeram a desapropriação da área de preservação ambiental, ao contrário do que ocorreu nos reservatórios de Rio Manso e Serra Azul que estão mais protegidos", afirmou o deputado Ivair Nogueira (PMDB). "Também falta fiscalização dos poderes constituídos: o IEF e a Semad", acrescentou.   Para o parlamentar, o ideal seria que o Estado e os municípios se reunissem para exercer um controle de fiscalização muito rígido na APA Vargem das Flores. "Todos os bares da orla da lagoa foram construídos clandestinamente. Ninguém fiscaliza, ninguém", asseverou Nogueira. Ele sugeriu que a Copása desaproprie terrenos para que a APA seja efetivamente criada, porque, segundo ele, ainda não saiu do papel. "A Copasa é muito omissa, tira a água e vende, mas não fez nenhum investimento na APA Vargem das Flores. A empresa tinha de dar alguma contrapartida pela exploração da água da represa", cobrou Nogueira.      O diretor de fiscalização de recursos hídricos, atmosféricos e solo da Semad, Gerson Araujo Filho, nega que o Estado seja omisso em relação à APA Vargem das Flores. Ele adiantou que está programada para os próximos dias a segunda operação de fiscalização do órgão para verificar outras intervenções levantadas durante a última operação, feita em junho.    "Vamos intensificar as ações de fiscalização no local. O IEF é o órgão que faz a gestao da APA Vargem das Flores, mas as prefeituras de Betim e Contagem têm convênio com o Estado que dá a elas a prerrogativa de autuar quem pratica ireegularidades no local. "As secretarias de meio ambiente dos dois municípios também têm essa competencia, são os primeiros agentes a fazer essa fiscalização, junto com a Polícia Militar Ambientalm ambiental, que tem batalhões nas duas cidades", explicou Araújo.   O diretor de fiscalização da Semad destaca que várias entidades são responsáveis, junto com a Copasa, por fazerem as denúncias aos órgãos ambientais. "Falta diálogo entre esses entes, cada um fala uma língua. Fica difícil lidar com essa situação. Será preciso articular todos os órgãos estaduais e municipais envovidos e definir as ações de cada um". Araújo não compareceu à visita dos parlamentares à Vargem das Flores.    A APA Vargem das Flores foi instituída pela Lei 16.197, de 2006, e tem por objetivo proteger e conservar os recursos ambientais, em especial os recursos hídricos. Entretanto, conforme foi relatado durante a visita, ela ainda não conta com os instrumentos necessários para o seu efetivo funcionamento, como a edição de regulamento dispondo sobre a constituição e a competência do seu sistema de gestão e do seu zoneamento ecológico-econômico. A criação do conselho consultivo da APA Vargem das Flores, formado em 2014 por representantes de órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e da população, pode ser o primeiro passo para debater e resolver os problemas. 

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