Em Nova Lima, barragem de maior risco em Minas está abandonada

Da Redação
31/01/2019 às 08:39.
Atualizado em 05/09/2021 às 16:19
 (Facebook)

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A menos de dez minutos do centro da pequena Rio Acima, cidade de 10 mil habitantes na Grande Belo Horizonte, a barragem Mina Engenho foi dominada pelo mato e está abandonada. Inativa há sete anos, a mina de ouro - que pertencia à Mundo Mineração, do grupo australiano Mundo Minerals, hoje em estado falimentar - não emprega ninguém nem produz um real em royalties para o município. Deixou para trás, porém, uma herança perigosa: as barragens de maior risco de Minas Gerais, segundo avaliação da Agência Nacional de Mineração (ANM), órgão regulador do setor.

Conforme o relatório mais recente da ANM, de janeiro, a barragem Mina Engenho foi a única do Estado a ser considerada de "alto risco" de vazamento. Para se ter ideia, as barragens da mineradora Vale em Brumadinho - na unidade onde houve o rompimento - eram consideradas de baixo risco. Outras foram classificadas de "risco médio" - uma delas está em Itabirito, perto de Rio Acima.

A reportagem ouviu moradores de Rio Acima que relatam abandono total e que as duas barragens da mina de ouro - uma com a superfície sedimentada e outra cheia de água - não recebem manutenção desde que as atividades foram encerradas, de um dia para outro, no fim de 2011. A interrupção foi tão abrupta que a fábrica, caminhões e carros usados no transporte de funcionários foram deixados para trás. A maioria dos trabalhadores não recebeu seus direitos, diz o Sindicato dos Trabalhadores de Extração de Ouro de Nova Lima e região.

Muito do que ficou para trás foi depredado ou furtado. Caminhonetes acabaram "depenadas" - pneus, motores e peças foram carregados e os vidros, quebrados. A estrutura de escritórios e refeitório está destruída - a privada do banheiro só não foi levada porque a louça quebrou no momento da retirada. Até hoje, "visitantes" da área abandonada aproveitam para achar canos, pedaços de ferro e mais itens que possam ser usados em construções.

O material depositado nas barragens é altamente tóxico - placas alertam para risco de contaminação, mas ninguém controla o fluxo de pessoas. Tampouco há cerca ou portão. Fontes do setor de mineração dizem que o potencial de contaminação da exploração do ouro é superior ao do trabalho com minério de ferro - sedimentos acumulados nas montanhas de Rio Acima teriam arsênico e mercúrio, entre outros metais.

Perigo

Além de Rio Acima, a Mina Engenho também tem o potencial de afetar um município bem maior, de quase 90 mil habitantes: Nova Lima. A prefeitura da cidade diz já ter acionado o Ministério Público para cobrar providências sobre a área. A administração ressalva, porém, que a obrigação da fiscalização é de órgãos estaduais e federais. Outro ponto que preocupa moradores é que, diferentemente da Vale, a Mundo Mineração não tem dinheiro para pagar eventuais indenizações.

O presidente do sindicato do setor de exploração de ouro em Nova Lima, Marcelino Antônio Edwirges, diz que houve tentativa de buscar o ressarcimento dos funcionários. Mas ao pedir o arresto de máquinas e equipamentos, descobriram que a maioria deles era alugada. "Só conseguimos captar recursos para pagar dois trabalhadores."

A Mundo Mineração atuava em atividade de risco. A empresa australiana comprou uma mina cujo potencial primário de exploração já havia sido exaurido por outra empresa. Segundo Edwirges, a empresa comprou a área por preço baixo, em busca de ouro na "sucata", pelo reprocessamento dos sedimentos acumulados nas barragens. É uma aposta difícil, já que o potencial de mineração é de, no máximo, 10% do total original.

Além do potencial de dano humano, Edwirges e os moradores veem potencial de contaminação do Rio das Velhas, afluente do São Francisco, e responsável por boa parte do abastecimento da Grande BH. Após as tragédias de Mariana e Brumadinho, a população de Rio Acima pensa cada vez mais nas barragens ao redor. "Não dá para confiar", afirma Rayane Luana Marques, de 26 anos. Já Ivone Rebuitti, de 64 anos, diz que "se a gente parar para pensar, não consegue dormir". "Depois de Brumadinho, ficamos com medo, diante de tanta tragédia, sofrimento. É ganância. Estamos nas mãos podres dos homens."

Na Justiça

A Secretaria Estadual de Meio Ambiente informou que o "empreendedor é responsável pela segurança da barragem". Disse ainda que o Estado obteve na Justiça decisão contra a empresa, que não foi cumprida. Em 2017 e 2018, segundo a pasta, foram tomadas medidas emergenciais cabíveis. Uma licitação será contratada para fazer o descomissionamento da estrutura, o que inclui a retirada dos rejeitos. A reportagem não localizou representantes da Mundo Mineração e procurou a advogada da empresa por telefone, mas não teve sucesso. A ANM também não foi encontrada pela reportagem. 

Fiscalização imediata

Cinco barragens de Minas Gerais deverão ser fiscalizadas imediatamente, devido ao alto risco de rompimento, segundo relatório divulgado nesta quarta-feira (30) pelo Conselho Ministerial de Supervisão de Respostas a Desastres do Governo Federal. A lista com orientação de pente-fino em caráter de urgência conta com 3.386 estruturas de contenção ao todo. 

No Estado, as barragens que apresentam risco são a Bananal, em Riacho dos Machados, no Norte de Minas; Dique 2, em Itabirito, na região Central, barragens I e II da Mina do Engenho, em Rio Acima, na Grande BH, e a Água Fria, em Ouro Preto, Central do Estado. 

Entre as estruturas, apenas a de Riacho dos Machados, que é de irrigação, deverá ser fiscalizada pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). As outras quatro barreiras, usadas para contenção de rejeitos de minério - como as de Brumadinho e Bento Rodrigues -, serão inspecionadas pela Agência Nacional de Mineração.

O levantamento feito pelo governo federal ainda apontou que em 11 locais do Estado o risco de rompimento das barragens é médio. Seis dessas estruturas são usadas por hidrelétricas, em Taquaraçu de Minas, Rio Pomba, Carmo do Cajuru , Três Marias e Curvelo. A barragem Mangabeiras Dique 1, usada para contenção de rejeitos em Belo Horizonte, também está listada com risco médio. 

Conforme o governo federal, “no total, o Brasil possui 43 agentes fiscalizadores”, para executar as ações.  A reportagem procurou as empresas responsáveis pelas estruturas e aguarda retorno. 

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