Catulo, um presente do passado

06/06/2016 às 18:03.
Atualizado em 16/11/2021 às 03:46

Poeta e músico, Catulo da Paixão Cearense tem seu setuagésimo aniversário de falecimento ora registrado. Aliás, ele é quase um desconhecido no Brasil, que preferiria talvez o que escreveu outro Catulo – o poeta Valério Catulo, considerado o maior dos líricos romanos, nascido cerca do ano 84 da era cristã, em Verona. 

O Catulo veronês privou com César e Cícero e se apaixonou por Lésbia, por ele celebrada em versos. À sua amada, opondo-se aos que considerava passageiro o sentimento elevado ao máximo, advertiu ele: “O sol pode ocultar-se e logo brilhar outra vez”. 

É, mutatis mutandis, o que acontece com Catulo da Paixão Cearense, que não era do Ceará, mas do Maranhão, estado natal do Sarney, do Waldir – que preside a Câmara dos Deputados .Lá também se localiza o famoso presídio de Pedrinhas, palco de sucessivas e violentas rebeliões dos criminosos.

Popularizada na primeira metade do século XX por “Luar do Sertão”, a composição comoveu uma geração inteira, gravada e cantada em serestas pelo Brasil afora. Catulo, que foi ou seria autor único da música e da letra, enfrentou uma ruidosa disputa com João Pernambuco, que se dizia coautor. Com ou sem razão, João ligou seu nome à modinha, até hoje interpretada por quem pouco se interessa pela querela.

Há poucos dias, Thaís Oliveira contou aqui, em reportagem, esta história, ao ensejo de uma série de apresentações musicais no Centro Cultural Banco do Brasil, na Praça da Liberdade. O espetáculo, idealizado por Mário Seve, exige oito cantores no palco (um homem e uma mulher de cada vez), e tem o expressivo nome de “A Paixão Segundo Catulo: Um olhar sobre a modinha e a canção brasileira”. 

Nestes tempos de agora, movidos frequentemente por letras agressivas e até degradantes, lembrar Catulo, que viveu a partir de 17 anos no Rio de Janeiro (tampouco o mesmo), é um justo preito a quem tanto fez pela arte genuína do povo. Parceiro de personagens celebrados em nossa música, como Villa Lobos, Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga, Irineu de Almeida e Pedro Alcântara, este nordestino não chegou à Academia Brasileira de Letras, nem à presidência da República como Sarney, mas ostenta méritos suficientes para conquistar o coração da gente de sua terra, de nossa terra.

Sua obra traz sentimento e evoca tempos mais tranquilos, simples e felizes, em que se podia apreciar a quietude, o silêncio de povoações adormecidas do sertão, sob a luz da lua, como comentou Nélson Vianna, um engenheiro que conheceu a intimidade daquelas eras. Chegavam-lhe, frequentemente, aos ouvidos os distantes e harmoniosos sons de flautas e violões.

Na singeleza dos grotões, observou ele certa vez, debaixo de uma árvore, meia dúzia de seresteiros absorvidos na afinação de seus instrumentos. Contemplou-os com ternura – afinal, são almas sonhadoras. E mais adiante, comoveu-se com a voz bonita e quente de um inveterado boêmio, quebrando o silêncio da noite enluarada, gemendo as suas dores, cantando velhas e ternas modinhas que tantos olhos formosos umedeceu e fez palpitar o coração de jovens apaixonados. Entre elas, “ Luar do Sertão”.

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