Longa é a primeira ficção assinada pela diretora Maria Clara Escobar (Embaúba Filmes/Divulgação)
“Desterro” é um filme denso, ousado no sentido de abraçar vários temas postos em discussão no cinema atualmente, como a falência da família tradicional, a fuga para um lugar desconhecido em busca de um recomeço e a reflexão sobre como nossos vínculos passaram a ser regidos de uma maneira nada funcional pelo Estado.
Amarrar tantas temáticas relevantes, que poderiam resultar em filmes independentes, foi o grande desafio da diretora Maria Clara Escobar, ganhadora da Mostra de Tiradentes com o documentário "Os Dias com Ele", em 2013. E “Desterro”, em cartaz nos cinemas, parece querer funcionar assim, dando contornos autônomos na abordagem dessas questões.
Elas surgem divididas em três capítulos, a partir de uma narrativa não-linear, como se fossem curtas-metragens reunidos num longa. A primeira parte lembra "O Eclipse", de Michelangelo Antonioni, com um casal ocupando lugares diferentes num mesmo cômodo da casa, incapaz de se olharem de frente, apontando para uma relação falida.
No segundo momento, uma perda familiar na Argentina nos faz adentrar num kafkiano universo da morte, em que o personagem parece arrastar um corpo insepulcro enquanto tenta resolver todas as questões legais do traslado e entender as razões que levaram a esse término sem aviso prévio no país vizinho.
Já no terceiro estamos num ônibus que carrega um outro significado, reunindo mulheres que relatam histórias de violência doméstica e relações abusivas com o sexo masculino. Todas elas estão num estado de fuga e abandono e, embora separadas por poucas poltronas, enfrentam uma viagem solitária.
A linguagem do filme é rebuscada, exacerbada, com planos e ângulos que provocam estranheza e, não raro, nos tiram da imersão. É um filme, de certa forma, propositadamente "quebrado", com a sensação de perecimento recheando cada episódio, nos fazendo compartilhar um vazio que ultrapassa os personagens.
Palavras e corpo, enfim, parecem não ter um vínculo, demonstrado nas duas cenas em que os protagonistas dançam de maneira desassociada à música, mais como um impulso vital, uma resposta animal ou uma manifestação que as palavras jamais trarão significado, como revelam as silenciosas cenas finais de "Desterro".
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