De que guerra estamos fugindo?

24/04/2016 às 15:20.
Atualizado em 16/11/2021 às 03:05

Maurício Lima, de 40 anos, pode ser considerado um fotógrafo de sorte. Ele trabalha no jornal The New York Times e ganhou o prêmio Pulitzer deste ano com imagens belas e tristes de refugiados da Síria, do Iraque e do Afeganistão. Já havia sido escolhido o melhor da fotografia ibero-americana com a cobertura das manifestações violentas em 2013, no Rio e em São Paulo, além de uma reportagem sobre a vida na Amazônia, em contraponto com a Copa do Mundo. A guerra na Ucrânia foi igualmente retratada com maestria pelas lentes de Maurício Lima.

Pensando melhor, Maurício Lima talvez não tenha tanta sorte assim. Ele é uma daquelas pessoas proibidas terminantemente de esquecer que o mundo está em guerra. A arte de captar desilusões no olhar de quem sobrevive e cheiro de injustiça em corpos entregues ao fim tem sua premiação, mas também tem seu preço.

A Unicef preferiu fugir da realidade nua e crua das fotos. Criou Sofia – que significa sabedoria e é o nome mais adotado para meninas em todo o mundo –, um rosto em 3D de uma garota que representa as crianças vítimas das fugas devastadoras das guerras. A entidade quis dar um rosto a todas as crianças invisíveis que fogem de homens armados que adentram suas casas, sentem medo dentro de barcos encharcados, morrem de fome e de frio. Os estúdios PixelGrinder criaram Sofia usando 500 fotos de crianças tiradas em zonas de conflito, como Sudão do Sul, Burundi, Ucrânia e Iêmen.

Maurício Lima não fotografará Sofia.

Sofia são muitas, essa é a sua maior verdade.

Maurício e Sofia são personagens de uma vida real, dividida entre o que se pode tocar, o que é de carne e osso, e o tecnológico, também capaz de nos remeter à dor dilacerante da guerra no mundo, que tortura e mata.

Se olhamos Sofia com a desculpa de que ela é apenas uma imagem, chegará o fotógrafo para nos mostrar o quão é real o rosto dessa criança, que grita pela vida. E quando nos recolhemos ao descanso das nossas casas, à noite, sabendo da disputa política a que o Brasil se submete, qual a guerra mais terrível para nossas consciências? São todas. Porque não fomos capazes de salvar o mundo do que há de pior em nós mesmos.

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