"Coração Satânico" volta à tela grande em BH e faz lembrar outro "coisa ruim"

Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia
08/07/2015 às 06:33.
Atualizado em 17/11/2021 às 00:48
 (Carlos Henrique)

(Carlos Henrique)

No final dos anos 80, ele parecia mesmo, marcar presença em todos os lugares. O Mal estava, por exemplo, à solta na telinha, quando um boato associou o boneco do apresentador Fofão a uma “coisa do demo”. Ou na música, com a ascensão do BRock e mesmo um disco de uma certa apresentadora infantil. Já no cinema, pelo lançamento de “Coração Satânico”, de Alan Parker. Um dos títulos da mostra “Anatomia do Medo: Terror Anos 80”, em cartaz no Cine Humberto Mauro, a produção foi um sucesso de público e crítica – muito por conta da performance de Robert De Niro como o diabo.

Curiosamente, foi na mesma época citada no título da mostra que o rabo-de-seta resolveu dar as caras em BH. Nos famosos bailes da Quadra do Vilarinho, em Venda Nova, o Satanás queria mostrar que também sabia dançar, dominando vários estilos. Certo, não tinha o rosto barbudo do camaleônico De Niro, mas era boa-pinta sim, a ponto de chamar a atenção das garotas. Até que seu chapéu caiu no chão – e deixou à mostra os temidos chifres.

Belzebu loiro

Vinte e sete anos após o frenesi, Francisco Filizzola ainda colhe os frutos da hoje lenda urbana – aliás, uma das mais famosas da capital, ao lado da Loira do Bonfim. Dono das quadras de futebol que servem de pista de dança nos finais de semana, ele não passa um mês sem ser inquirido sobre o personagem.

“À época, a gente viu a necessidade de ‘cair’ na mídia, para aumentar o público. E, como não tínhamos dinheiro, ela (a estratégia) tinha que ser espontânea. Criamos o Capeta e, o resto, deixamos para a imaginação popular”, recorda Francisco, que não esperava tamanha repercussão provocada pelo belzebu, que seria loiro e de olhos azuis.

Mas – ressalte-se – nem tudo foi invenção. A ideia nasceu de uma ligação, recebida de madrugada, do vigilante Barão, que jurava ter visto dois seres endiabrados nas quadras. “Ligamos para um programa de rádio (‘Polícia Notícia’) e a coisa se alastrou. Saiu até notinha no New York Times”.

Nas HQS

O herói Celton foi acionado pelo quadrinista mineiro Lacarmélio para proteger a cidade daquele “coisa ruim”, que passou a ter nome (Alex) e motivos de sobra para reaparecer. “O que cai na boca do povo sempre é bom”, salienta o artista, geralmente visto nos semáforos vendendo suas HQs com seu terno amarelo.

Lacarmélio, aliás, prepara a volta do Capeta. “Ainda preciso criar um motivo. Da última vez, ele foi a Venda Nova buscar o filho”, destaca o desenhista, que, antes, pretende investir em outra lenda: Maria Papuda, a mulher que amaldiçoou o Palácio da Liberdade, após ter seu casebre derrubado para dar lugar à sede do governo.

‘Até eu passei a acreditar nesta história’, brinca professor

“Personagem” involuntário da história do Capeta do Vilarinho, Ricardo Malta é até hoje solicitado a conceder entrevistas– tudo por conta da lenda de ter disputado com “o demo”, em 1989, um concurso de dança – e, no caso, levado o troféu para casa.

“Falam dessa história de tal forma que até eu passei a acreditar”, diverte-se Malta, conhecido como “Pato” e, na época, um dos reis dançantes das quadras de Venda Nova. Aos 50 anos, Pato ainda usa os sapatos coloridos e os suspensórios que o caracterizavam.

Não bastasse, voltará ao palco da lenda no próximo sábado, para comemorar seu aniversário. No repertório, muita música das décadas de 70 e 80. Mas ele garante: não haverá nenhuma aparição surpresa. Na verdade, Pato não foi “cúmplice” de Filizzola.

“Como diziam que eu frequentava muito a quadra, logo vincularam o dançarino à minha pessoa”, afirma Ricardo, que perdeu a visão seis anos após a fictícia disputa, mas devido a um glaucoma. “Falam que a raiva do Capeta foi tanta que ele me deixou assim”.

Professor da PUC, ele realiza apresentações de dança e palestras para enfatizar que há mercado de trabalho para os deficientes visuais. “Aonde quer que eu vá, o Capeta me segue até hoje. Nunca imaginei que faria parte de uma lenda urbana”.

Traumas

Não é a única história envolvendo seres do além. Algumas delas foram reunidas no livro “Guia do Morador Belo Horizonte”, num capítulo escrito por Heloísa Starling. “Nossos fantasmas são diferentes de outras cidades porque estão relacionados a traumas urbanísticos. O progresso aniquilou – e ainda aniquila – a memória de bairros inteiros”, registra o organizador Roberto Andrés. (PHS)

Em “Coração Satânico”, a besta contrata um detetive (Mickey Rourke) para encontrar um cantor, o que o leva a um mundo místico

1983 foi o ano no qual as quatro quadras de futebol do Vilarinho passaram a receber bailes funk


 

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