Rodrigo Lasmar exalta a estrutura do Atlético e fala da trajetória na seleção

Henrique André - Hoje em Dia
Hoje em Dia - Belo Horizonte
25/10/2015 às 07:57.
Atualizado em 17/11/2021 às 02:12
 (Luiz Costa)

(Luiz Costa)

Antes mesmo de ser um dos profissionais da saúde mais respeitados no meio esportivo, Rodrigo Lasmar, de 43 anos, já conhecia de perto os meandros do futebol. Ainda criança, acompanhou o pai, Neylor, que chefiava o departamento médico da Seleção Brasileira, e conviveu com Zico, Careca, Sócrates &Cia., que disputavam a Copa do Mundo de 1986, no México. Hoje, referência na ortopedia e chefe dos departamentos médicos do Atlético e da Seleção Brasileira, Doutor Rodrigo coleciona títulos, decepções e muitas outras histórias no currículo. Em entrevista exclusiva ao Hoje em Dia, Lasmar conta como é suceder o pai na profissão, destrincha a medicina esportiva nos dias de hoje e fala sobre as experiências que viveu com a bola rolando. Campeão do mundo em 2002 com a Seleção, ele esteve presente também no fiasco verde-amarelo na Copa do Mundo do ano passado, no Brasil. Atleticano, ele fala como é trabalhar desde 1999 no clube do coração, e relembra as tragédias e as glórias que viu o alvinegro passar nos últimos anos.

Qual o peso de substituir o Doutor Neylor, seu pai, e carregar o sobrenome Lasmar no meio da ortopedia, principalmente no futebol?

É uma responsabilidade muito grande, pela trajetória na medicina e dentro do esporte que meu pai teve, conseguindo chegar na excelência dentro da medicina esportiva, mas eu acho que isso veio com naturalidade. Desde pequeno eu o acompanhava, em treinos, em jogos. Na Copa de 1986, eu fiquei dentro da concentração. Apesar da responsabilidade ser muito grande, aconteceu aos poucos, de forma natural.

Os médicos que trabalham na elite do futebol lidam com craques valiosos, verdadeiros patrimônios dos clubes e das torcidas. Como é a pressão?

A cobrança é muito grande. Procuramos, antes de tratar, prevenir. É muito mais barato e funciona muito melhor. Tudo que existe em termo de tecnologia e possibilidade de evitar que novas lesões aconteçam, a gente procura investir dentro do departamento médico. Essa profissão é o sonho do atleta, e ele tem que ser respeitado e sua integridade física também.

Muito se diz que jogador de futebol sem dor não é jogador de futebol. Isso é verdade? Eles jogam sempre com alguma dor?

A dor faz parte da rotina de qualquer atleta de alto rendimento, mas é claro que a queixa da dor tem que ser encarada de uma maneira muito consciente. Existem situações onde a dor faz parte da superação, do atleta conseguir ultrapassar um limite que ele tenha. Esta é rotineira e não pode ser confundida com a dor que é um indício que uma contusão pode estar acontecendo. Por isso, temos que valorizar muito a queixa do jogador, conhecer intensamente o histórico e a vida dele.

O senhor já testemunhou algum atleta pedir para jogar mesmo lesionado? Ou o contrário, fingir lesão para não ser usado?

Existe e faz parte. Tem atletas que você tem que segurá-lo. Ele tem uma fratura e quer jogar. Quer ir de qualquer jeito. Recentemente, teve o Léo Silva, que está com uma fratura na mão, e sempre quer ir. Mas temos que ter a consciência de liberá-lo o mais rápido possível, com a visão do médico, pois precipitar uma volta pode representar um tempo maior de afastamento. Existem atletas também que muitas vezes são mais queixosos e por algum motivo não querem ir para o jogo, mas cabe a nós respeitar esta vontade e resolver internamente com a comissão técnica. Este fato de o jogador não ter nada clinicamente acontecia antigamente, mas hoje em dia a conscientização do atleta é maior. No passado era mais frequente. A tecnologia com certeza favorece. O que não existia na época do meu pai, quando o atleta sentia uma dor e não tinha nenhum auxílio tecnológico.

Qual a principal mudança na medicina esportiva nesses 14 anos como chefe do departamento médico do Atlético?

A principal mudança aqui dentro do clube foi o investimento valorizando todo o departamento médico e a capacitação dos profissionais. Então, o Atlético passou a ser referência no Brasil neste setor. Na parte de cirurgias, as minimamente invasivas, como por exemplo as artroscopias, nos possibilitaram de tratar lesões que acabavam com a carreira dos jogadores, que hoje são perfeitamente tratáveis e recuperáveis.

Alguns clubes, como o próprio Cruzeiro, limitaram a função do departamento médico, terceirizando as cirurgias. É uma tendência? O Atlético pode fazer o mesmo?

Não acho que seja uma tendência e sim uma maneira de se trabalhar. Valorizo muito a maneira como trabalhamos no Atlético. Em Corinthians, Flamengo, Fluminense e em outros grandes clubes, o médico que é responsável pela equipe é também responsável pelos procedimentos cirúrgicos. Acho isso importante, porque quem mais conhece os pacientes (jogadores) somos nós que convivemos com eles no dia a dia. No consultório, você vai operá-lo após a primeira consulta. O médico de futebol não pode funcionar apenas como uma triagem; ele tem que resolver os problemas. Mas é claro que existem situações específicas, na qual eu não seja especialista, como a do Leonardo Silva, que precisamos recorrer a outro profissional.

Em 2002, o senhor viveu de perto a emoção de um título mundial. Qual é a história que mais marcou aquela conquista? Tem alguma lembrança curiosa do grupo e da campanha de 2002? Conte-nos algum caso.

A recuperação de Ronaldo e Rivaldo, que eram dúvidas até o início da Copa. Conseguimos levá-los, em boas condições. O clube do Rivaldo queria que ele operasse, mas fomos contra. Na parte do torcedor, do brasileiro e de um apaixonado por futebol, a conquista de uma Copa, logo na minha primeira oportunidade, foi realmente uma coisa que marcou minha vida e minha trajetória no esporte. Não quero que aquela imagem se apague.

Por outro lado, viveu de perto também o maior drama da Seleção, a derrota por 7 a 1, para Alemanha. Como foi aquele dia?

Essa é a que você quer esquecer. Até a hora do jogo ocorreu tudo normalmente. Não via nada errado no vestiário. O que houve durante o intervalo foi um abatimento de todos. Vários atletas chorando. Foi um sentimento de grande perda, de não acreditar que aquilo não era verdade, lembrando dos familiares e dos brasileiros. Foi realmente muito triste.

A dor dos 7 a 1 durou quanto tempo na sua vida?

Até hoje me dói. É difícil estar na Seleção hoje, ir para uma competição e lembrar daquela última recordação de uma Copa do Mundo. A pressão acontece, é normal, vai sempre existir. Temos uma cobrança em virtude daquele resultado, que não tem que ser esquecido.

O que acha desta atual geração nacional?

A geração é muito boa, tem muitos craques, tem potencial, está em formação e está se preparando para disputar uma nova oportunidade, em 2018. Só esse grupo tem condições de apagar, com uma vitória, pelo menos um pouco do que aconteceu em 2014. Os jogadores estão focados e o clima está bom e de confiança.

Marin está preso, e Del Nero nem sai do Brasil com receio de também ser detido. Até que ponto essa crise da CBF, sobretudo ética, afeta a Seleção?

O Gilmar (Rinaldi) faz um papel muito importante nesta função. A Seleção é muito voltada para o futebol. São duas coisas que se misturam mas que são independentes. A Seleção Brasileira é um braço da CBF. Mas o presidente Del Nero sempre nos apoiou em tudo que precisamos. Internamente ele funciona de uma forma primorosa para o grupo.

Na medicina esportiva, também perdemos de 7 a 1 para os europeus ou a realidade é outra?

Sem dúvida nenhuma que não, e a prova maior disso é a quantidade de atletas que jogam na Europa e, quando precisam operar, vem para o Brasil. Posso citar o Danilo (Real Madrid), Luiz Gustavo (Wolfsburg), Diego Alves (Valência) e vários outros.

A rivalidade entre Atlético e Cruzeiro impede o senhor de ter jogadores da Raposa como pacientes?

Já tive a oportunidade de ajudar alguns jogadores que precisaram da minha opinião. É feito com muita transparência e muito respeito ao departamento médico do Cruzeiro. O Doutor Sérgio é muito meu amigo. Mas é claro que a rivalidade entre as torcidas não permite um intercâmbio maior. Dentro do meu consultório não sou apenas médico do Atlético. É preciso respeito com os pacientes e com a profissão.

Assim como na Seleção, no Atlético o senhor viveu de perto momentos desastrosos e gloriosos. Como foi o ano de 2005, quando o clube acabou rebaixado para a segunda divisão? E os 6 a 1 para o Cruzeiro?

O rebaixamento foi uma situação que perdurou por pelo menos mais um ano. Foi um momento de aprendizagem. Não acho que é um orgulho dizer que estivemos na Série B e voltamos, mas tivemos muito mais momentos alegres. Isso nos fortaleceu. O 6 a 1 foi muito dolorido no dia, mas foi muito importante para o que estamos vivendo hoje.

De 2012 para cá, a vida do Atlético mudou. Vieram as boas campanhas no Brasileiro, os títulos da Libertadores, Recopa e Copa do Brasil. Esperava viver de perto este momento?

Estamos colhendo um investimento dos últimos dez anos. Houve uma mudança de filosofia e mentalidade no Atlético. Tudo de ruim que vivemos no passado serviu como degrau. Talvez os 6 a 1 tenham mexido com o brio de todos nós, e, a partir dali, o clube teve uma nova mentalidade para viver tudo isso. Serviu muito. Hoje o Atlético vive uma situação totalmente diferente, e nos próximos anos vamos continuar disputando títulos e brigando lá cima.
 

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