Marcelo Blade vem transformando sucatas de bicicleta em arte interativa

Vanessa Perroni - Hoje em Dia
12/04/2015 às 09:16.
Atualizado em 16/11/2021 às 23:36
 (Frederico Haikal/Hoje em Dia)

(Frederico Haikal/Hoje em Dia)

Quem já passou pela rua Fernandes Tourinho, na Savassi, para comprar um livro ou apenas tomar um café na livraria Quixote certamente reparou na roda amarela fixada em um cone. A curiosa peça, que chama atenção dos clientes, está no estabelecimento há três anos. “Muitas pessoas perguntam o que é. Crianças gostam de brincar com ela”, comenta o livreiro Alencar Perdigão.   Na mesma rua, mas um pouco mais à frente, outra roda amarela pode ser vista, desta vez diante de uma loja de calçados. Detalhe: o objeto funciona também como uma “roda da sorte”, que, ao girar, para em um ponto que indica uma mensagem como “Ligar para sua mãe”, entre outros dizeres.   Quem se lembrou da “Roda de Bicicleta” (1913), do escultor e poeta Marcel Duchamp (1887-1968) não está enganado. As peças espalhadas por estabelecimentos de diferentes naturezas em BH são uma releitura interativa da obra do vanguardista e provocador francês.   Quem está por trás da iniciativa é o alfaiate mineiro Marcelo Blade, conhecido por muitos chefs de cozinha da cidade pelos dólmãs (vestimentas especiais para os experts da cozinha) que cria. Há mais de 21 anos na profissão que herdou do pai, Hermano, Blade foi além dos botões e agulhas e dá asas à criatividade para divulgar seu trabalho por meio de intervenções artísticas.   REIVENTANDO A RODA   A primeira roda criada por ele foi há mais de 13 anos, quando utilizou um banco alto de bar. “O banco tinha 45 anos e o transformei na ‘roda da vida’, como chamo as peças”, rememora Blade, que, em primeira instância, não lembrou da obra de Duchamp. “Só depois me dei conta que parecia. Reutilizei a roda do Duchamp e virou algo que se comunica com as pessoas. Deu vida a ela”, constata.   Aos 54 anos, ele segue produzindo suas peças tanto para a capital quanto para outras cidades. “Mudou minha noção das coisas que faço. De reutilizar objetos”, afirma o espirituoso Blade.   Mas, verdade seja dita: a roda já está na vida do alfaiate bem antes dessas peças específicas. “Tenho uma bicicleta com uma arara e saio pela cidade mostrando meu trabalho, além de fazer performances em eventos”, revela. Para confeccionar as obras alvo desta matéria, o criador utiliza materiais descartáveis de peças de bicicletas e objetos cujo destino seria o lixo. “Não perco nada. Sou apegado e acho que tudo tem serventia uma hora”, conta.   Ele, que circula muito pela cidade, além dos chefs de cozinha, é figura conhecida por muitos donos de livrarias, salões de beleza e outros estabelecimentos. “Por essa relação, sempre deixo minhas peças nesses lugares, sem cobrar nada, e troco de tempos em tempos”, diz.   Obras acabam dialogando com os frequentadores dos espaços   Na livraria e café Quixote, na Savassi, a roda faz sucesso entre as crianças (Foto: Eugênio Moraes / Hoje em Dia)   Que ninguém duvide: bar também é lugar para a arte. Tanto que o movimentado Jângal, no Cruzeiro, é endereço de uma das rodas de Blade, e logo na entrada. “O Blade é um grande parceiro nosso. Temos três rodas dele, aqui. O público vê como peça de arte contemporânea”, conta o sócio-proprietário do estabelecimento, André Panerai.   A peça chama a atenção dos frequentadores, na faixa dos 25 a 40 anos. A estudante de moda, Fabiana Santiago, 27, é frequentadora assídua do local, e diz que a primeira vez que viu a roda se encantou. “Fiquei curiosa e realmente girei para saber que mensagem ia sair”, revela a moça, que teve como “conselho” “Beijar muito”, rememora.   E, claro, não deixou de registrar o momento. “Tirei uma foto e postei no Instagram pois é algo diferente e curioso”, considera.   Fabiana não é a única a interagir com a peça e fazer uma “selfie” garante Panerai. “Eu mesmo já postei foto com a roda nas redes sociais. E muita gente antes de entrar no bar garante o clique da obra”, afirma.   As frases são diferentes em cada estabelecimento. “Ele faz isso justamente para a peça dialogar com o espaço”, explica o sócio-proprietário do Jângal.   Considerado um espaço “cult” de Belo Horizonte, o Cine Belas Artes, na rua Gonçalves Dias, recebe o público com a interativa roda amarela logo na entrada. Sob a guarda dos livreiros Tarcísio Costa, de 35 anos, e Ingrid Mello, 32, que estão à frente “da livraria do Belas”, a peça já está no local há mais de três anos. “O público comunga com essa escultura, que tem um visual marcante e impõe uma presença”, relata Tarcísio.   Para ele, o alfaiate Blade e sua roda são dois grandes personagens dentro da cena cultural da cidade.   Duchamp, um dos mais influentes artistas dos séculos 19 e 20   O escultor francês Marcel Duchamp é considerado um dos mais importantes e influentes artistas dos séculos 19 e 20. É considerado um dos precursores da arte conceitual nos anos 60.   A obra “Roda de bicicleta”, que inspirou o mineiro Marcelo Blade é considerada uma das mais representativas do dadaísmo – movimento artístico da chamada vanguarda moderna. “O Duchamp permeou um novo conceito sobre a arte, que foi levá-la para dentro da galeria. Ele quebrou conceitos e foi fundamental para a arte contemporânea”, analisa o livreiro Tarcísio Costa.   Com a roda aparafusada em um banco, ele inaugurou o conceito de “ready made”, que consiste no uso de objetos do cotidiano, fabricados em série, no âmbito da arte. Duchamp iniciou sua carreira como pintor com obras de características impressionistas e cubistas. “Ele era questionador e insatisfeito com os padrões”, comenta o livreiro.   Em seu conceito de questionar a arte, Duchamp chegou a ironizar a mais famosa obra de Leonardo Da Vinci. Intitulada “L.H.O.O.Q.” ele acrescentou bigode e cavanhaque em “Monalisa”. “Ele queria inventar e não ser um mero intérprete de uma teoria”, acredita Tarcísio.

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