Nova proposta para fechar rua Sapucaí, aos domingos, divide opiniões

Renato Fonseca
rfonseca@hojeemdia.com.br
17/05/2016 às 18:57.
Atualizado em 16/11/2021 às 03:28
 (Flávio Tavares)

(Flávio Tavares)

Maio de 2012. Surge na capital proposta de transformar a rua Sapucaí, no bairro Floresta, região Leste, na Lapa de BH. No esboço, a criação de um polo cultural e gastronômico, com o fechamento da via, calçadão com mesas espalhadas e iluminação especial. A promessa, no entanto, ficou só no papel.

Ainda assim, o local ganhou status de point da noite, com bares, restaurantes e parklets. Agora, exatos quatro anos depois, novo projeto volta a ser debatido. A intenção é estabelecer um espaço permanente de encontros democráticos ligados à arte e ao lazer. O tráfego de carros novamente será proibido, porém, só aos domingos. 

Dentre as possibilidades, famílias poderão levar os filhos para brincar e artistas apresentar trabalhos. A princípio, nada de barraquinhas. Comidas e bebidas ficariam restritas aos estabelecimentos já instalados no trecho de 400 metros, entre as avenidas Assis Chateaubriand e Francisco Sales.

A proposta está na pauta do Conselho Consultivo da Zona Cultural Praça da Estação, órgão vinculado à Fundação Municipal de Cultura (FMC) que visa preservar e promover o conjunto arquitetônico e histórico da região. Um decreto, que autoriza a mudança, está em fase avançada de elaboração.

Divididos
O assunto divide opiniões. Frequentadores do espaço e proprietários dos bares são a favor, mesmo fazendo ressalvas. Já a maioria dos moradores reclama da falta de diálogo e teme por baderna e transtornos no trânsito. A FMC prometeu ouvir os interessados.Cristiano Machado/Hoje em Dia

Frequentadores da região, Paula e João destacam que BH carece de espaços com forte apelo cultural


A fotógrafa Paula Coraline, de 22 anos, e o namorado dela, João Tito, 24, vão com frequência à região. O casal vê com bons olhos a modificação. Para eles, BH carece de espaços com forte apelo cultural. “A vista aqui é incrível”, diz João. “Sou a favor, mas não podem esquecer da revitalização”, pondera Paula.

Um dos proprietários do Dorsé, bar inaugurado na rua em novembro de 2015, Elmo Barra conta que a intenção era se instalar na região Sul. Porém, um primo dele o incentivou a optar pela Sapucaí. Mesmo sem conhecer a nova proposta, ele comemora. “Tem tudo para dar certo. Esse é um espaço que respira cultura”, diz.Cristiano Machado/Hoje em Dia

Elmo Barra acredita que proposta de fechar a rua aos domingos dará certo


Ao lado do bar dele funciona o estabelecimento Gruê, instalado há quatro meses. O espaço aconchegante é das primas Cláudia Lopes e Laura Lopes. Recentemente, Laura conversou com um amigo arquiteto sobre o potencial da rua.

“Esse é um assunto que volta e meia é comentado. Nesta configuração é novidade, mas acho sensacional”, afirma Laura Lopes, que planeja ao lado da sócia uma festa junina na via. 

Parecer da BHTrans entregue ao Conselho da Zona Cultural mostra que o trânsito precisará ser fechado à 0h de domingo, quando a via está vazia para que as vagas de estacionamento não sejam ocupadas. Encerramento deve ocorrer às 17h, ou seja, nos mesmos moldes da Feira Hippie

Comerciante pioneiro na Sapucaí, responsável pelo badalado restaurante Salumeria, o italiano Massimo Battaglini é apaixonado pela região. Ele é a favor de mudanças no trânsito, como redução da velocidade permitida e instalação de quebra-molas. Porém, questiona a atual proposta. “Não conheço. Falta diálogo. É preciso, primeiro, escutar os envolvidos e depois formular um projeto. Mas não, estão fazendo o contrário”.



Morador critica mudança
A falta de diálogo também preocupa moradores. Presidente da associação do bairro Floresta (Floleste), Beth Sily avalia que todas as formas de cultura são “sempre bem-vindas”. Porém, ela destaca a necessidade de uma “boa convivência” entre as manifestações artísticas e as pessoas que residem no local.

“A rua Sapucaí não é meramente comercial. Muitos moradores são idosos”. Beth afirma que o projeto não pode sair do papel sem participação popular. “Falta respeito. Estou sabendo desta proposta apenas agora”. 

Já José Mariano Gonçalves Lana, síndico de um prédio na esquina da Sapucaí com Francisco Sales, tem um discurso ainda mais incisivo. Segundo ele, quando houve o projeto de transformar a via na Lapa de BH, muitos foram contrários e, na época, ficou definido que qualquer mudança seria debatida com as pessoas. “Sou contra. Alguns bebem e abusam. A via se transforma em um banheiro público a céu aberto e o som, na maioria das vezes, é muito alto, incomoda”.

Inicialmente, proposta do Zona Cultural Praça da Estação era fechar também a rua Aarão Reis e o viaduto Santa Tereza. Porém, parecer técnico da BHTrans mostrou que o impacto seria menor apenas na Sapucaí

A alteração no trânsito é uma das principais preocupações do síndico do edifício Barcelona, Ercides Alves de Souza. No prédio dele, há seis portões de garagem para 15 vagas. “Mesmo que o trânsito local seja liberado, com a possibilidade dos carros passarem pela contramão, haverá dor de cabeça”, afirma Ercides.


Diálogo garantido
Integrante do Conselho Consultivo da Zona Cultural Praça da Estação, Marco Aurélio Teixeira é publicitário e mora no Centro da cidade. Ele garante que o grupo tem “enorme” preocupação com a opinião dos moradores e promete diálogo. Segundo ele, os conselheiros farão uma “caminhada” na região para conversar com as pessoas. Há uma expectativa, diz Teixeira, de dois encontros – dias 21 e 24.

“Pretendemos observar tudo, transporte, comércio. Vamos conversar muito com os moradores”. Segundo ele, qualquer pessoa pode participar das reuniões do conselho, que acontecem todas as segundas quintas-feiras do mês, na Fundação Municipal de Cultura, no hipercentro. “É aberto a todos os interessados em dar sugestões”.Cristiano Machado/Hoje em Dia

Donas da Gruê, Cláudia Lopes e Laura Lopes planejam uma festa junina na via


Além disso
Importante via de ligação com a Praça da Estação e o metrô, a rua Sapucaí tem relevância histórica, arquitetônica, paisagística e cultural, destaca o arquiteto e urbanista Sergio Myssior. Ele lembra que é possível desfrutar de elementos remanescentes do início da ocupação, como os antigos postes de iluminação junto à balaustrada de pedra, o viaduto Santa Tereza e o Museu de Artes e Ofícios. “Recentemente estive lá e percebi um uso intenso. Há alternativas gastronômicas e de lazer. Existem escritórios, empresas de logística, telefonia, centros de formação e educação, comércio”, afirma ele, que também destacou a bela paisagem. 

Para Myssior, propostas que tenham o objetivo de valorizar o patrimônio, a cultura, a paisagem e o turismo são importantes. “A Sapucaí pode se tornar um verdadeiro ícone da capacidade de reinventar a cidade, conciliando a preservação com a intensidade de usos, multiplicidade e diversidade. Pode ter, inclusive, um trecho fechado para os automóveis, ampliando as áreas de convívio”. Porém, ele engrossa o coro de que as intervenções só serão reconhecidas pela comunidade por meio de uma gestão participativa durante o processo. Para ele, todos os envolvidos precisam ser ouvidos antes de qualquer alteração urbana.

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por