Cartas escritas a mão sobrevivem à era digital

Thais Oliveira - Hoje em Dia
14/07/2015 às 06:21.
Atualizado em 17/11/2021 às 00:53
 (Ricardo Bastos)

(Ricardo Bastos)

Para a aposentada e escritora Maria Antônia Coelho Moreira, 58 anos, ir à papelaria é um programa para ser feito com calma. “Às vezes, não acho um papel tão bonito quanto gostaria. É uma verdadeira busca”, diz ela, ao contar sobre um hábito – quase – esquecido pelas pessoas. “Além do papel, também me preocupo em escolher a caneta que vou usar. Escrever cartas tem todo um ritual para mim”, completa.

Em tempos de globalização e processos cada vez mais rápidos de compartilhamento de informações, fica difícil imaginar alguém dedicando o seu precioso tempo a contar notícias para outrem num pedaço de papel. Para as gerações mais novas, parece mentira o fato de este costume já ter sido, num tempo nem tão distante assim, a forma mais eficiente de se comunicar à distância. Mas, pasmem: há remanescentes desta cultura que ainda anseiam pela chegada do carteiro.

“É bom saber que aquela pessoa, que está tão longe, pegou naquele mesmo papel. Também acho que a palavra manuscrita leva muito da gente, já que cada um tem uma caligrafia. Parece que a história contada ali é mais íntima da gente”, afirma a escritora.

De família

Colecionadora de selos, Maria Antônia conta que escreve cartas desde a adolescência e, até hoje, mantém contato com os amigos que adquiriu na faculdade de Letras. “Na década de 80, a gente combinava de trocar cartas e falávamos sobre toda a nossa vida. Foi uma época ótima; pena não ter todas as cartas mais, pois perdi numa mudança”, lamenta.

Nos últimos tempos, uma das pessoas mais agraciadas com os seus relatos é a filha Ana Luísa, residente em Brasília. “Também trocava cartas com a minha filha Isabela, no período em que ela fez intercâmbio em Portugal. Mesmo com todos os recursos do Skype – que usávamos também –, ela amava isso”, conta.

Além das filhas, a mãe da escritora é outra adepta do costume. “Minha mãe já tem 86 anos, mas ainda costuma escrever para os seus netos e bisnetos. Eles acham super bacana ganhar uma cartinha da vovó”, comenta.

Romântica

Para quem considera o ato um tanto ultrapassado, saiba que há jovens por aí que o fazem com todo o apreço, como a cabeleireira Júlia Barbosa Lago, 25 anos. “As pessoas parecem que se esqueceram desta cultura, pois só se lembram da internet, mas elas não imaginam o prazer que é escrever para alguém. Esta é uma forma de nos expressar. É quase uma terapia”, destaca a moça.

Hábito adquirido ainda criança, na vida adulta se tornou mais forte para Júlia. Isso porque, nos últimos dois anos, ela ganhou mais uma inspiração para escrever. “Conheci o meu marido em 2013, pela internet. Então, a gente escrevia muito por meio da web. Mas foi quando nos casamos, no ano passado, que passei a fazer cartas para ele, sempre de surpresa. Ele adora e tem todas guardadas a ‘sete chaves’”, diverte-se.

Mensageiro lamenta tão poucas cartas manuscritas

Quando colocou os pés na capital de Minas, no ano de 1995, José Luiz Teixeira Alves, 50 anos, lembra que a carta ainda era uma forma eficiente de receber informações sobre alguém. “Fazer ligação era uma coisa muito difícil, porque nem todo mundo tinha telefone. Então, escrevia muito para a minha mãe, que ainda era viva na época e morava em Rubi, no Vale do Jequitinhonha”, relata.

Quatro anos depois, de remetente e destinatário, Alves passou a entregador de notícias. “Sou carteiro há 16 anos. Sou de um tempo em que o volume de cartas era grande. Hoje, as correspondências comerciais são maioria”, garante.

“BACANA E BARATO”

Para Alves, é uma pena que o hábito de escrever cartas tenha ficado no esquecimento da maioria da população. “Acho um meio bacana e barato e bem melhor do que o telefone, por exemplo, porque, com a carta, aquilo que você falou fica guardado para sempre. Por telefone se perde e quando é pela internet se esquece mais rápido ainda”, avalia.

O carteiro conta que já precisou ler muita carta no ano de 1999 e no início dos anos 2000 e que passou por alguns apertos. “Era comum informar falecimento por meio de carta, coisa que hoje já não se faz mais. O pior era quando a pessoa era analfabeta, pedia para a gente ler e entrava em desespero. Depois, a gente ficava lá, tentando consolar a pessoa. Era uma situação difícil”, lembra.

Do presídio

Alves conta que quando pega uma carta manuscrita é quase sempre proveniente de presídios e, muitas vezes, com um pedido especial. “Eles (os presidiários) escrevem na correspondência para entregar com urgência. Provavelmente, porque precisam de algo lá na cadeia. O problema é que muitos não colocam o endereço direito, vem faltando o número ou a rua. Às vezes, colocam só o bairro e uma referência, tipo ‘fica ao lado da casa verde’. Apesar da urgência, por causa destas coisas, demoramos semanas para encontrar o destinatário correto”, lamenta o mensageiro.

Belo-horizontino distribui envelopes em nome da boa tradição

Há três anos e meio, o publicitário e ator Ramon Brant, 24 anos, recebeu uma carta de uma amiga que há tempos não via. “Aquilo mexeu comigo e eu precisava compartilhar aquele sentimento”, diz. A forma que encontrou foi fazendo um post no Facebook. “Postei alguma assim: ‘escrevendo cartas para o inverno passar depressa. Quem curtir vai receber uma carta minha. Mais de 80 pessoas deram likes”, recorda.

Brant acabou tomando gosto pelo negócio e resolveu transformá-lo em Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). O que ele não esperava é que o projeto, agora conhecido pelo nome de “Chá com Cartas”, iria romper as barreiras da faculdade e se expandiria para todo o Brasil. “Hoje participo de festivais em vários lugares do país e levo algumas intervenções urbanas feitas com cartas. Numa delas, me caracterizo como carteiro antigo e ando de bicicleta por bairros de BH, distribuindo envelopes e bilhetes pedindo que as pessoas escrevam uma carta. Um dia depois, passo recolhendo as correspondências e as entrego, mesmo que seja para outras cidades”, conta. (TO)

3,4 milhões de cartas simples e comerciais foram entregues, por dia, pelos Correios, em Minas, em 2014. Equivale a 33% dos objetos postais
  Ato romântico, as cartas também aparecem no universo da sétima arte. Confira abaixo alguns filmes em que as correspondências têm papel de destaque na trama:
Cartas para Julieta (2010)

No filme, Sophia (Amanda Seyfried ) e o seu noivo (Gael García Bernal) estão de férias e vão para Verona, na Itália, onde se passou a história de Romeu e Julieta. No meio da viagem, a jovem encontra uma parede de cartas e resolve ver do que se trata. Ela descobre que aquelas cartas foram escritas por mulheres apaixonadas e recolhidas e respondidas por um grupo de voluntárias. Sophia se junta ao grupo e encontra uma correspondência escrita há 50 anos. A cartas é da inglesa Claire Smith (Vanessa Redgrave), que conta que deixou escapar um verdadeiro amor – o italiano Lorenzo Bartolini – na sua mocidade. Sophia responde Claire dizendo para ela ir em busca deste amor. As duas acabam se conhecendo e iniciam uma verdadeira saga atrás do tal Lorenzo, na companhia do neto de Claire, Charlie (Christopher Egan). Assim, uma história de amor antiga se consolida e uma nova se inicia.



P.S. Eu Te Amo (2007)

Logo no início do filme, Holly (Hilary Swank) fica viúva, mas, dias depois - mais exatamente em seu aniversário de 30 anos - uma carta do seu falecido marido Gerry (Gerard Butler) chega até as mãos dela. A correspondência, no entanto, é a primeira de muitas enviadas por Gerry, que já sabia que iria morrer e planejou tudo com muito cuidado. Os bilhetes, que começam a chegar de diversos meios, são para ajudar Holly a se recuperar da perda e prosseguir a vida. Sabendo da dificuldade que a sua esposa teria para começar tudo de novo, Gerry pede, em sua última carta, que Holly se abra para um novo amor.

  Diário de uma Paixão (2004)

Allie Hamilton (Rachel McAdams) e Noah Calhoun (Ryan Gosling), se conheceram em 1940, num parque de diversões. Os dois se amavam, mas foram separados pelos pais de Allie, porque Noah era de origem humilde e um trabalhador braçal. Mesmo separados, Noah escreveu cartas por um ano, todos os dias para Allie, mas nunca teve resposta, pois as interceptava. Como nunca teve notícias de Noah, Allie resolveu se casar, sete anos mais tarde, com o oficial Lon Hammond Jr. (James Marsden). No entanto, o destino ainda reservava surpresas e Allie e Noah se encontram novamente e têm de decidir se querem ficar juntos de vez

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