João Batista de Andrade trocou o cinema pela literatura

Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia *
18/11/2014 às 08:22.
Atualizado em 18/11/2021 às 05:03
 (CineCeará/Divulgação)

(CineCeará/Divulgação)

FORTALEZA – Da década de 60 até os anos 80, o cineasta mineiro João Batista de Andrade sempre tinha um filme para responder prontamente aos grandes fatos políticos e sociais da época. Foi assim com “O Homem que Virou Suco” (1980), sobre o processo de anistia, e “O País dos Tenentes” (1987), que metaforiza a saída dos militares do poder.   Homenageado pelo 24º Cine Ceará – Festival Ibero-americano de Cinema, o diretor que completará 75 anos de vida no próximo dia 1º trocou os filmes pelos livros em seu questionamento da realidade brasileira. Ele acaba de ganhar o prêmio Juca Pato de Intelectual do Ano pela União Brasileira dos Escritores.   Com uma produção literária intensa, João Batista admite, em entrevista ao Hoje em Dia, que não conseguiria transformar em imagens em movimento, por exemplo, o que as eleições desse ano estamparam nas urnas. “Penso muito sobre isso mas confesso que não sei qual é o caminho, pela primeira vez na vida”.   Ligado ao PSDB, com mais dois anos de mandato para cumprir à frente do Memorial da América Latina, em São Paulo, onde reside, esse ituiutabano que se engajou na luta contra o regime militar diz que voltou a falar das “preocupações com as coisas que eu vivo” na literatura, sem o risco de ser tachado de realizador de “fracassos de bilheteria”.   Pelo menos foi assim que se sentiu ao ter o seu projeto de adaptação do livro “Vila dos Confins”, escrito pelo mineiro Mário Palmério, rejeitado pela comissão do Fundo Setorial. Apesar de ter sido bem recebido nas empresas do Estado onde buscou apoio, ele ainda não sabe explicar as razões do projeto não ter ido para frente.   Queda livre   O cineasta sofreu um forte baque durante o governo Collor, no início dos anos 90, quando houve o confisco da poupança e a produção cinematográfica foi a zero com o fechamento da Embrafilme. “Todos os veteranos se ferraram e eu posso dizer que me ferrei de forma pesada, porque internacionalmente eu estava sendo reconhecido”.   Os muitos prêmios recebidos por “O Homem que Virou Suco” abriram portas, caindo nas graças da crítica europeia. Ele estava prestes a começar a rodar um filme (“Vlado”) em coprodução com a Espanha. “Veio o Plano Collor e caí do alto em queda livre, não conseguindo fazer sequer um curta-metragem”, recorda.   No processo de Retomada, João Batista se viu transformado num veterano, sem aquele “impulso” que o levou a abraçar o cinema como “um projeto de reflexão política, criando formas para expressar o sentimento sobre aquele momento”. Conclusão: “a partir daí funciona só o amor à minha profissão e a necessidade de trabalhar”.   Dirigiu “O Cego que Gritava Luz”, “O Tronco” e “Rua 6 Sem Número”, entre outros, mas já estava, como ele mesmo define, numa carreira errática, perdendo o rumo do que tinha traçado como grande propósito de sua obra. “Com essa dificuldade, voltei a escrever, pois, no início dos anos 60, eu também fazia parte do grupo literário. Mas o cinema acabou me tomando”.   Presente   Ainda inédito, “O Manuscrito do Jovem Gabriel” tem, segundo João Batista, “muito a ver com o que estamos passando agora”, resumido pelo autor como o tempo do não diálogo. “Há 50 anos, tínhamos os amigos da ditadura e os inimigos da ditadura. Hoje essa violência está dentro da sociedade, entre amigos e pessoas de mesma tradição política”.   Um reflexo disso está nas redes sociais, em que não escapou de ser chamado de “fascista” por amigos que lutaram ao seu lado pela redemocratização. “O grande erro da esquerda quando foi ao poder é a sua visão antiga de tomada do Estado, levando as lideranças sociais para dentro dela e esvaziando o movimento. Ao mesmo tempo deixou a sociedade submetida ao grande capital”.   (*) Viajou a convite do Cine Ceará   Do cinema à literatura   Homenageado no 24º Cine Ceará, o diretor acaba de ganhar o Prêmio Juca Pato de Intelectual do Ano, concedido pela União Brasileira dos Escritores. Entre seus vencedores estão nomes como JK, Carlos Drummond de Andrade, Érico Veríssimo, Cora Coralina, Rachel de Queiroz, entre outros.   A entrega será dia 1º de dezembro

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