Daniel de Oliveira revela nuances do personagem que criou e que, diz, virou um vício

Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia
30/07/2014 às 07:45.
Atualizado em 18/11/2021 às 03:34
 (Rodrigo Valenca)

(Rodrigo Valenca)

PAULÍNIA – “Adoro ir à Amazônia. É bom ‘pra’ c... Você já esteve lá?”, indaga o ator mineiro Daniel de Oliveira, sentado num banco a poucos metros da namorada – e par romântico na novela “O Rebu”, atualmente ocupando o horário das 23h na grade da Rede Globo – Sophie Charlotte, que o aguarda para um almoço tardio, após a coletiva do filme “Sangue Azul”, de Lírio Ferreira, exibido no recém-encerrado 6º Paulínia Film Festival.   O silêncio local – interrompido pelo espirro de uma criança (ante o qual o ator mineiro fez questão de aumentar o tom de voz para emitir um “saúde!”) –, parece estimular Daniel a compartilhar inusitados detalhes do que ele acredita ser o grande projeto de sua vida, ainda que o nome – “Homem Lama” – provoque uma certa estranheza.   Dito assim, pode soar como uma brincadeira ou mesmo uma forma de o ator descarregar a tensão após encarar personagens que exigem muita entrega – caso do artista circense Zolan, do citado “Sangue Azul”, uma história de amor incestuoso que tem como pano de fundo um cenário paradisíaco. Mas Daniel prefere definir essa experiência como “autopsicanálise”, voltada não só ao aprimoramento de sua atividade de intérprete, mas também do ser humano.   “(O ritual do ‘Homem Lama’) foi criado como um exercício de improvisação na época das filmagens de ‘A Festa da Menina Morta’ (filme de Matheus Nachtergaele), quando usei a lama do Rio Negro, na Amazônia, e fiz uma mise-en-scène com a dança de butô. Virou quase um vício. Ponho uma saia de plástico com cordéis amarrados e fico rezando enquanto passo lama”, detalha. Sim, lama mesmo.   Nesse processo, o ator busca a conexão com a natureza, meditando por tempo indeterminado. “Quando estou apto a sair da meditação, abro os olhos para desbravar, realizando uma improvisação que pode demorar até 2h30. Faço o que o coração mandar. Se der vontade, choro, rio, corro, fico poderoso ou me recolho à minha insignificância”, filosofa.   A “performance” vem sendo registrada através de câmeras digitais, uma fazendo um plano mais aberto e outra, mais fechado. “Não sei o que vou fazer com isso. Não tenho pressa, é algo para toda a vida. Acredito que, quando tiver 80 anos, ainda estarei fazendo o ‘Homem Lama’. As possibilidades são muitas, como um filme sem narrativa”, cogita.     ‘São coisas que acrescentam’   PAULÍNIA – A primeira aparição da persona “Homem de Lama” criada por Daniel de Oliveira na telona será em “Órfãos do Eldorado”, de Guilherme Coelho, sobre Arminto Cordovil, herdeiro de antigos barões da borracha na região Norte. “É um ‘Lama’ diferente, com outra lama, de cor cinza e barba”, adianta ele.   Mas o ator, de 37 anos, diz que uma performance nunca é igual a outra. “Varia de acordo com a lama local. É sempre ritualístico, peço proteção e saúde. Tem críticas sociais e questões relacionadas à natureza e ao homem”. Daniel salienta que já viu experiências semelhantes, porém voltadas a um contexto mais “festivo”, em, por exemplo, Paraty (RJ) e Olinda (PE). “No meu caso, é algo mais solitário e musical. O contato com a natureza é sempre musical, por causa dos bichos e do vento nas plantas. E tem o meu próprio som”, registra.     Espírito Viajante   Cada vez mais interessado no personagem que para muitos vai soar bem estranho, ele já viajou de carro ao Amazonas, parando em Pedra Furada (Jalapão, Tocantins) para uma performance de madrugada, ante as câmeras de dois amigos americanos.   Quando estavam numa lanchonete, a 25 quilômetros do local, perceberam que haviam perdido os cartões de memórias com as imagens. “Mas para quem tinha que viajar 3 mil quilômetros, 25km não era nada. Hoje saio do Rio para BH para rodar cerca de 400km e passa rápido”.   Ele lembra que chegou a se assustar com uma placa que sinalizava 1.750km para Belém, no Pará, após terem “rodado pra caramba”. O espírito viajante e desbravador, no entanto, falou mais forte. “Viajar é muito bom. Fazendo cinema, melhor ainda”.     Marimbondos   No filme “Romance Policial”, de Jorge Durán, o ator foi ao deserto de Atacama, no Chile. “O que me motivou não foi só trabalhar com o Durán, mas a possibilidade de subir num vulcão. Espero que, daqui a 20 anos, a experiência influencie meus filhos em algum tipo de olhar”.   O ataque de um maribondo acaba sendo uma experiência válida. Foi assim em “Sangue Azul”, ao subir numa plataforma de madeira por curiosidade, em Fernando de Noronha.   “Mergulhei muito nesse filme, literalmente também. Nadamos à noite e fizemos curso de localização por bússola. São coisas que acrescentam à vida”. Daniel destaca que a paixão por ambientes que o desafiam é herança da avó: “Um dia escutei ela dizer que, se tivesse nascido homem, seria caminhoneiro”. Mas o espírito on the road pode estar relacionado ainda à vontade de encher a mãe, Aurora, de orgulho. Aliás, a caminho da Amazônia, ele batizou uma castanheira gigante com o nome de dela. “Por sinal, não há melhor nome para uma mãe do que Aurora”.     ‘O cinema que me interessa’   Daniel de Oliveira ganhou projeção ao viver Cazuza em “O Tempo Não Para”, de Sandra Werneck e Walter Carvalho. Atuou em várias novelas, mas dedica especial atenção ao cinema – com “Festa da Menina Morta”, ganhou o Kikito de Melhor Ator do Festival de Gramado, em 2008.   “Pinta muito convite, mas tenho que dizer não a papéis interessantes porque não dá tempo. Mas no caso do Lírio (Ferreira, diretor pernambucano de “Sangue Azul”), se me chamar, tenho que ir. Sei que ele irá embarcar num cinema que me interessa. Ver ‘Sangue Azul’ foi tão divertido quanto fazer o filme”.   Daniel rodará dois filmes ainda este ano, “Em Nome da Morte”, de Henrique Goldman, e “Tudo Bom, Tudo Bem”. No primeiro, baseado no livro de Klester Cavalcanti, vive o matador (como em “400 Contra 1 – Uma História do Crime Organizado” e “Boca”) que contabiliza quase 500 vítimas registradas num caderninho com a capa do Pato Donald.

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