Patrick Salgado: ‘O eleitor é o ator principal dessa peça que é o processo eleitoral’

Hoje em Dia
Hoje em Dia - Belo Horizonte
18/08/2014 às 07:41.
Atualizado em 18/11/2021 às 03:50
 (Wesley Rodrigues)

(Wesley Rodrigues)

O procurador Regional Eleitoral do Ministério Público Federal, Patrick Salgado, é o responsável por coordenar, em Minas Gerais, uma equipe com 351 juízes e igual número de procuradores que têm a incumbência de zelar pela lisura do processo eleitoral. Coibir a propaganda irregular e o abuso do poder econômico, por exemplo, esão entre as missões desse grupo. Também passaram pelas mãos de Salgado as impugnações de candidatos enquadrados na Lei da Ficha Limpa, considerada por ele um dos principais instrumentos para proteger o eleitor ao retirar do processo eleitoral os postulantes que tenham condenações judiciais. Apesar da estrutura da Justiça Eleitoral, que inclui ainda os profissionais lotados nos tribunais regionais, Patrick Salgado aponta que o papel principal no pleito é do eleitor. É ele quem, com seu voto, pode determinar o futuro do país e ajudar a “limpar” a política brasileira. Para o procurador, a democracia brasileira só atingirá sua plenitude no dia em que o eleitor assumir seu papel como protagonista do processo político.   Quais são os critérios básicos que um eleitor deve considerar para escolher em quem votar, tanto nas eleições proporcionais quanto majoritárias?   Hoje, o eleitor tem um instrumento com o qual ele não contava nas eleições gerais de 2010. O principal instrumento que o eleitor tem hoje é a lei da Ficha Limpa, que retira do processo eleitoral candidatos que já tenham sido condenados pelos mais diversos fatos ilícitos. Pode ser condenação criminal, atos de improbidade administrativa, má gestão das verbas enquanto agente público e outros fatores. Essa lei está sendo aplicada pela primeira vez nestas eleições de 2014. O primeiro instrumento, a principal arma que o eleitor tem é o seu voto, mas, para exercer o voto com segurança, ele deve estar atento à vida pregressa desse candidato em quem ele pretende depositar sua confiança, verificar se já foi prefeito, vereador, deputado, como foi a vida dele antes de se lançar candidato. O Ministério Público Eleitoral (MPE) tenta impedir que esses candidatos barrados pela Lei da Ficha Limpa participem do pleito, mas, muitas vezes, a participação do cidadão é muito mais relevante e mais importante que o próprio MPE. A dica que eu dou ao eleitor, hoje, com as redes sociais e várias ferramentas de busca, a partir do momento em que ele decidiu votar em alguém, que ele procure informações sobre a vida pregressa desse candidato. Quem foi ele, porque ele está querendo se candidatar e qual a proposta dele para o futuro. Então, o eleitor tem que ter esse juízo crítico. Quando ele vai contratar alguém para trabalhar para ele, para ser professor particular de seus filhos, para trabalhar em sua casa ou escolher um patrão para ser empregado, ele com certeza tem esse cuidado. Se ele vai trabalhar naquela loja, conversa com quem já trabalhou ali, como aquele patrão lida com os empregados. E, na condição de patrão, ele não vai contratar um empregado sem saber de onde ele veio, o que ele já fez? O eleitor brasileiro tem que adquirir esse mesmo raciocínio para escolher o seu representante. Então, para fazer com que a Lei da Ficha Limpa seja aplicada, eu preciso da participação do eleitor. Nós fazemos a nossa parte, mas o principal guerreiro dessa batalha é o eleitor.    A Lei da Ficha Limpa só retira condenados do processo eleitoral? E qual é o papel do Tribunal Regional Eleitoral (TRE)?   Não, a lei estabelece hipóteses de inelegibilidade. Todo cidadão brasileiro, por regra, tem condições de ser eleito. A lei estabelece que essas pessoas que perderam esse direito perdem essa condição de ser eleito por um determinado período de tempo, porque não há pena perpétua no nosso país. A lei estabelece os requisitos para que a pessoa perca a sua elegibilidade. O Ministério Público apresenta para o eleitor os que se encaixam nos requisitos que tiraram a sua elegibilidade. Como nós vivemos num Estado democrático de direito, todo mundo tem direito de ampla defesa, a se defender. E quem vai julgar é o TRE. Se o TRE concordar com o MP, esse cidadão não poderá se candidatar, mas ele tem direito ao recurso, recorrer ao TSE. E qual que é a estratégia de atuação do MPE junto ao TSE? É juntar esforços para que o TSE julgue da forma mais breve possível os recursos que porventura chegarem lá.   Passadas as eleições, ainda continuam as análises dos casos?   Hoje, não. É a 1a eleição geral em que a Lei da Ficha Limpa está sendo aplicada. Antigamente, era questionada, se era constitucional, se não era. Não tem mais questionamento. A lei está aí, ela vai ser aplicada. E eu posso confirmar: os Tribunais Regionais, no geral, vão aplicar essa lei da forma que ela deve ser feita. Não tem mais nenhuma dúvida sobre essa lei. Claro, o candidato tem direito a recurso, a se defender, a dizer que tudo que eu juntei contra ele não vale. Mas, na experiência que eu tenho de trabalhar como promotor eleitoral desde 2006, as portas para essa turma que tenta afastar a aplicação dessa lei estão muito bem fechadas. Claro, pode mudar, no direito tudo é possível, mas o espaço para discussão da Lei da Ficha Limpá é muito pequena.  Os candidatos costumam dizer que começam a pensar em uma candidatura futura quando termina uma eleição... É, o problema é que nós temos políticos de carreira. São aqueles que usam a vida política como profissão. Não é a regra, mas nós temos pessoas assim. Existe a convenção, onde ele é escolhido candidato. Antes de 5 de julho, o que acontece de propaganda é ilegal. Temos três promotores auxiliares e três juízes auxiliares no TRE que trabalham, exclusivamente, a questão das propagandas irregulares, em qualquer meio, desde o início do ano, quando eles foram designados. Eles têm atribuição sobre todo o Estado e apresentam as representações ao TRE para retirar a propaganda, para que o candidato pague uma multa, alguma coisa assim.    Qual é a estrutura do MPE para a eleição?   Eu sou chefe da Procuradoria Regional Eleitoral em toda Minas Gerais e tenho três promotores auxiliares. Eu atuo no TRE, que é a instância maior em Minas. No TRE, são setes juízes e, lá, eu tenho três juízes auxiliares que cuidam especificamente de propaganda. Esse é o grupo que trabalha no Tribunal. No Estado todo eu tenho 351 promotores eleitorais e 351 juízes, um por zona eleitoral. Essa turma pode prender, dar voz de prisão. Esses 700 agentes devem notificar para retirada de propaganda irregular, por exemplo, mas não pode aplicar sanção. Eles podem fazer com que essa irregularidade pare. Se o promotor eleitoral em Nanuque, que é a minha cidade, está andando na cidade, ouvindo o rádio, e vê alguma coisa errada, na mesma hora ele vai acionar o juiz da comarca para, exercendo o poder de polícia, notificar o candidato que está fazendo coisa errada para que ele pare imediatamente. Feito isso, ele manda para nós, os procuradores eleitorais, ou para mim para que eu possa atuar junto ao TRE e esse candidato seja sancionado.    A operação do MPE tem algum custo adicional ou está previsto no orçamento?   Já está previsto. Todos que trabalham com o direito eleitoral, a Justiça Eleitoral, tem orçamento próprio. Eu recebo a mais por ser procurador eleitoral, recebo as gratificações pelas sessões que eu participo. O juiz do Tribunal, o promotor e o juiz eleitoral recebem uma gratificação mensal para poder trabalhar com dedicação ao direito eleitoral. Todo mundo está sendo pago para trabalhar nisso. Existe uma estrutura de custo. E existe uma escola para trabalhar no TRE, um centro de apoio dentro do Ministério Público de Minas Gerais, que é coordenado pelo Dr. Edson Resende. Esse centro dá orientações ao promotores. Se eu precisar de alguma coisa, encaminho para ele também.    Tem algum esquema especial de segurança para essa equipe?   Não, a segurança orgânica só é acionada quando há a suspeita de risco à nossa integridade ou à nossa família. Enquanto isso, a gente é treinado. No meu caso, quando eu estava no curso de formação para os promotores, recebi dicas de conduta para prevenir eventuais situações de risco. O crime dos nossos impugnados, não vou dizer clientes, são crimes que não mancham as mãos deles de sangue, mas causam danos sociais graves, com desvios de verba e corrupção. Não estou afirmando que todos sejam assim, mas aqueles que cometem improbidade administrativa causam danos que destroem a vida de milhares de pessoas. São os crimes de colarinho branco. Eu só fui ameaçado uma vez, mas na época eu trabalhava com o crime, não como procurador eleitoral. Eu espero que não vá ter. Eles têm que saber que meu papel é este, fazer cumprir a lei. Eu assumi o compromisso de defender a ordem jurídica e vou defender. Se eu não o fizer, vou mudar de profissão, fazer outra coisa.    Como o eleitor pode ajudar a fiscalizar, se ele perceber alguma irregularidade?    Pode enviar uma carta pelos Correios ou trazê-la pessoalmente, mas no site do TRE tem um sistema muito bem estruturado de denúncias online. Basta informar o título de eleitor, e o TRE garante o sigilo da fonte. O TRE registra que vai ser de uma fonte confiável, do eleitor, mas não vai informar paro seguimento da investigação que partiu daquele eleitor aquela notícia. No nosso site, nós informamos nosso email e um telefone. Nós temos um núcleo de atendimento ao eleitor quer pode receber tanto por telefone, email e pessoalmente qualquer cidadão que tenha um questionamento, seja da atuação no MPE, funcionamento da Justiça, condutas ou como ele deve votar. Ele pode relatar, pode simplesmente tirar uma dúvida se ele deve relatar ou não. Ele pode ter presenciado um fato que acha que é errado, mas não tem certeza se é. O ideal é que tenha provas, que ele, pelo menos, aponte quais indícios o levaram a deduzir que aquele candidato fez uma coisa errada. Se não tiver indícios ou provas, nós vamos estar deixando de dedicar tempo e energia para o que é relevante. E, claro, nem tudo que chega aqui vai virar uma representação, ação ou investigação. Nós temos um filtro extremamente rigoroso, de conformidade com a lei. Eu tenho que tomar muito cuidado para não virar também marionete de adversários políticos. Se eu informei o nome dos candidatos impugnados, é porque nós fizemos uma revisão muito criteriosa dos processos, das provas. Temos plena convicção de que são candidatos barrados pela Lei da Ficha Limpa. Eu acionei os 351 promotores para que eles me trouxessem informações de todos os candidatos das suas comarcas. Recebi alguns e mais da metade eu não impugnei. Às vezes, o grande volume de impugnações pode sugerir que eu não tive um critério, mas é o contrário. Você pode ter certeza que, desses que eu impugnei pela Lei da Ficha Limpa, eu tenho plena convicção de que não estão aptos a serem candidatos.    Quais recomendações o senhor faria ao eleitor?   O que fica claro é que o processo eleitoral é o processo do direito mais dinâmico que existe. Existem datas fixas e prazos para que tudo seja decidido, porque nós temos uma data para a eleição e as coisas têm que estar resolvidas até essa data. Só que, por mais que esse processo seja muito bem estruturado, que seja um sistema de Justiça dos que mais funcionam, a nossa democracia só estará definitivamente amadurecida e bem estruturada quando o cidadão se perceber instrumento desse sistema de Justiça. O cidadão olha para mim, procurador eleitoral, como se só eu fosse o responsável por combater essas impropriedades. Ele olha para o TSE, para o TRE, e acha que é responsabilidade deles. Só que o cidadão é o principal agente de transformação da democracia. O meu pedido principal é o seguinte: nós estamos fazendo a nossa parte, mas ela não é suficiente. O principal ator dessa peça que é o processo eleitoral é o eleitor. Ele tem que participar e, no mínimo, se informar.

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