Na linha do “fazer amigos e influenciar pessoas”, celebridades lançam biografias

Elemara Duarte - Hoje em Dia
28/09/2015 às 08:31.
Atualizado em 17/11/2021 às 01:52
 ( Lucas Prates)

( Lucas Prates)

O brasileiro nunca viu tanta biografia disponível nas estantes das livrarias como agora. Parece que uma onda leva todo mundo a acreditar que precisa repassar a própria trajetória em páginas. Mas, a minha biografia, a sua, a do seu amigo, da atriz da TV, do blogueiro, do taxista ou do médico interessariam a quem? A resposta é: ao grupo de pessoas que cada um de nós é capaz de influenciar.

O peso deste grupo pode ser mensurado pelos milhares de seguidores em uma rede social, pela grande audiência de um programa de TV ou por cliques. Ou seja, se tudo o que o personagem faz na vida chama a atenção – de tirar os seios a superar um vício – então, há aí uma boa chance de aparecer um novo “biografado”.

Dr. Rey quer poder

“Vou levar o Brasil para o primeiro mundo”, anunciou o cirurgião plástico Dr. Rey, em noite de autógrafos realizada recentemente em um shopping em BH. Este é um dos mais recentes biografados do país. “Meu sonho é ser presidente da república”, anuncia ele. Para tal, o primeiro passo é a autobiografia “Dr. Rey – O Brasileiro que se Tornou o Dr. Hollywood” (Prata Editora).

O costume de se mostrar nas páginas do livro, segundo Rey, é comum entre políticos norte-americanos antes da campanha. No caso, a publicação foi baseada em dez diários escritos por Roberto Miguel Rey Júnior, o nome de batismo do cirurgião. Ele, que nasceu no Brasil, em uma “família desajustada”, foi morar com uma família cristã nos EUA e conseguiu se formar na Universidade de Harvard, uma das mais importantes do mundo.

No livro, o cirurgião conta desde os detalhes da vida ao lado de um pai violento até como conseguiu fama, aos 50 anos – hoje tem 53, mas com tudo em cima. Malhadaço e todo perfumado, Rey dedica elogios às fãs mineiras. “Quero um PHD caipira. A classe A é um pouquinho metida. A mulher do interior é mais bonita”. Ostentando um sapato de couro de mil dólares, ele diz que vai pisar no “muro do comunismo”.

A ampliação da fama, ainda que depois de meio século de vida e de trabalho junto aos bisturis, ele conquistou ao colocar no ar, nos Estados Unidos e no Brasil um reality show sobre cirurgia plástica. Na atração da TV, mostrava os processos de intervenções plásticas em ricos e famosos de Hollywood. “Tenho plena consciência de que sou um produto da mídia”, diz, no livro. E na palestra, ele ensina: “Fiz o jogo da mídia. É muito melhor para os negócios”.


Celebridade é...

Mas hoje a atenção do médico está na terra natal. “Escrevi o livro para compartilhar com os irmãos brasileiros. É um livro de superação”, explica Rey.

Biografias de celebridades enchem duas estantes da Fnac BH. A da ex-modelo Andressa Urach, “o” Thammy... Mas, para a escrivão de polícia Elisângela Graça, “celebridade” mesmo é o Dr. Rey, que chegou aonde chegou “com o esforço dele”.

E, independentemente de eleição, Elisângela diz que o médico tem uma boa história. “Celebridade é quem faz alguma coisa pelo outro”, define, lembrando os trabalhos filantrópicos aos quais Rey se dedica.

Para vender livro de Andressa, editora calcula exemplares baseada no número de evangélicos

“Não vejo ensinamento nestas outras biografias. É mais curiosidade para o povo. Fofoca”, observa a leitora Elisângela Graça, ao folhear um e outro livro de celebridades à venda.

Entre as biografias avaliadas pela escrivã estavam as confissões sobre obsessões pela beleza e pela fama de Andressa Urach, a segunda colocada no concurso “Miss Bumbum” de 2012, no livro “Morri Para Viver: Meu Submundo de Fama, Drogas e Prostituição”. Até o fechamento desta edição, o livro (lançado no final de agosto) ocupava o terceiro lugar entre os mais vendidos de setembro, segundo o site Publishnews.

Da grandiosa tiragem de um milhão de exemplares do livro de Urach, cerca de 25 mil foram vendidos. O departamento de comunicação da Editora Planeta informa que o cálculo de exemplares impressos “foi baseado no número de evangélicos do país, com especial atenção aos da Igreja Universal, denominação que Andressa passou a fazer parte”.

Porém, o “leitorado” esperado para o livro é maior. É direcionado também “aos interessados pelas engrenagens da fama, aos que querem saber como é o mundo da prostituição e aos que passaram por momentos terríveis de saúde”.


O polêmico Rafael Ilha

Leitores que enfrentam dramas pessoais também foram alvo da Editora Escrituras ao lançar, no início deste mês, a biografia “Rafael Ilha: As Pedras do Meu Caminho”, sobre a vida polêmica e cercada de vícios do ex-integrante do grupo Polegar. A biografia já vendeu 10 mil exemplares, de uma tiragem de 15 mil.

“Tínhamos em vista a grande a legião de seguidores das redes sociais que ele tem, além de famílias com histórico de dependência química”, diz o diretor da Escrituras, Raimundo Gadelha. Hoje, acrescenta, Ilha tem uma vida normal, com emprego fixo em uma produtora, se casou e tem uma filha. A empresa planeja outra biografia para os próximos meses, de uma celebridade da área da música. “Porém, não tão polêmico”, diz Gadelha.


A pergunta agora é: as pessoas realmente querem saber da vida dessas celebridades?

“A gente gosta de saber da vida dos outros” – isso é fato para o professor da pós-graduação em Comunicação na UFMG, Bruno Souza Leal. Daí um dos motivos para que o público das biografias das celebridades exista em peso.

Leal explica que uma das formas de aprender como viver é saber como os outros vivem. “Agora, a cultura da celebridade transforma isso em produto e estimula (essa cultura)”. Mas o que é “c>ultura da celebridade”? “É essa busca por fama por parte de alguns agentes, com a tematização da vida privada”, inicia o professor.
Ele acrescenta que este processo acontece por meio dos canais midiáticos e que é algo típico do nosso tempo. Entre estes canais, há blogs, programas de TV, redes sociais e... os livros! “Todos estes canais fazem isso de diferentes modos, mas sempre propagando e se integrando a esta cultura”.

A pergunta agora é: as pessoas realmente querem saber da vida de cada uma dessas celebridades? Leal considera que, hoje, há uma “oferta gigantesca” de histórias e citações “de vida alheia”. “E isso também é uma forma de os conglomerados de comunicação se promoverem”. Ou seja uma mão lava a outra. O professor diz que a tematização da vida da pessoa é feita “de modo estratégico” por parte destes conglomerados.

O público destes livros aumenta à medida que o leque de temas que abordam também varia. Leal diz que muitos destes produtos operam na lógica religiosa, mas, também, de autoajuda e narrativas de traumas, o que “ultrapassa o cerco”.

Depois da censura

Há um recente “boom” de narrativas não-ficcionais que falam de diferentes aspectos da vida cotidiana. Bruno Souza Leal cita biografias bem trabalhadas e de sucesso, como as do jogador de futebol Garrincha e do escritor e jornalista Nelson Rodrigues. “E é neste contexto que as biografias de celebridades pegam carona”, aponta.

Este movimento começou a partir da década de 1990. “E não é coincidência que tenha se firmado logo após a consolidação da redemocratização no Brasil”, analisa Leal. O fim da censura, no final da década de 1970, o fim da ditadura em 1985... “Não é gratuito ter um ‘boom’ de narrativas biográficas e não-ficcionais logo depois disso”, acredita o professor.

 

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