Mary del Priore, da ficção à história do impeachment

Leida Reis
lreis@hojeemdia.com.br
20/04/2016 às 21:46.
Atualizado em 16/11/2021 às 03:03
 (Arquivo pessoal)

(Arquivo pessoal)

Conhecida e reconhecida pelos livros em que resgata ricos personagens da história, Mary del Priore experimenta a boa aceitação de seu primeiro romance, "Beija-me Onde o Sol não Alcança", lançado no ano passado. O casamento da ficção com a história era o que faltava no seu trabalho de escritora, pois a forma de narrativa que adota é sempre a busca do texto leve, capaz de promover prazer na leitura. Professora de História da USP e PUC-RJ, a autora de “Do Outro Lado, a História do Sobrenatural e do Espiritismo” e “Histórias e Conversas de Mulher”, dentre outros, está hoje na Bienal do Livro de Minas, às 18h30h, na mesa “De Volta ao Passado”. A mediação é do escritor e jornalista mineiro José Eduardo Gonçalves.

A ficção ajuda a contar uma história quando a documentação não é suficiente para se narrar a história real?

É preciso pesquisar, com a mesma seriedade e paixão, documentos correlatos. E há milhares: a literatura, a fotografia, a pintura e a correspondência, sobretudo para o século XIX, estão cheios de informações complementares. O enredo em si, apoiado em documentos, é o detalhe no quadro. Detalhe que conduz o passeio pelo cenário mais amplo e que deve ser descrito fielmente. É preciso ter olhos para fugir a verticalidade das descrições, ampliando o que os especialistas chamam de "motivo do quadro": o fundo, o cenário. Personagens interessantes associados a uma boa descrição de época, são ótima fórmula para um bom romance histórico.

Concorda que a ficção aliada à não ficção torna mais saboroso o texto? O leitor é diferente?

O que venho tentando fazer, desde que lancei "O Príncipe Maldito" é dar à narrativa histórica a mesma qualidade da boa literatura. Ter atenção com os títulos e subtítulos, pesquisar com carinho palavras e vocabulário, não ter medo de usar a imaginação e a criatividade, todos esses são princípios para se ter prazer na leitura. Quero que o meu leitor goste tanto de ler história, ou seja, tenha tanto prazer, que se veja na situação descrita por Roland Barthes: "de ficar à deriva". Como uma rolha na água, como um corpo boiando ao sol...esse prazer, quase físico, que desejo que ele encontre nos livros de história.

A hipocrisia na sociedade do fim do império, presente em "Beija-me Onde o Sol não Alcança", encontra ressonância hoje? Alguma coisa na votação do impeachment na Câmara dos Deputados a fez se lembrar desse tema do livro?

Para contar a história do Brasil poderíamos falar em história da hipocrisia, do clientelismo, da corrupção, do "toma lá, da cá". Tem exemplo melhor do que o atestado de nascimento do país, "a carta de Pero Vaz de Caminha"? Nela, o escrivão dá boas notícias ao rei, D. Manoel (a terra é boa e dá para plantar) e ao mesmo tempo pede um favor: transferir o genro, que trabalhava na África, para Portugal! Vamos lembrar disso no dia 22 de abril!

Em que novo projeto está trabalhando? Conta sempre com seu Anjo de Vanguarda?

Sim, sempre. Vou acabar os quatro volumes de “Histórias da Gente Brasileira”, sendo que o último volume será escrito a partir de depoimentos da nossa "gente", sobre os anos 1950 a 2000. Tal como fez Gilberto Freyre em "Ordem e Progresso", pedirei a diferentes atores históricos que respondam a um questionário sobre os grandes eventos, mas também o cotidiano nesta última década do século 20.

O foco da Bienal do Livro de Minas está nos jovens. Hoje eles leem mais, apesar da duvidosa qualidade do que estão consumindo, não é?

O foco nos jovens faz pensar que a literatura para "young adults" tem excelentes autoras mineiras, que há o desenvolvimento editorial do setor e a difusão de ótimos livros. Não se deve ter preconceito sobre o que eles leem, nem desejar que eles leiam apenas livros específicos para jovens. Penso, apenas, que são necessários mais e mais professores apaixonados, capazes de transmitir o amor pelo livro e a leitura para as gerações futuras. É preciso estimular a curiosidade do jovem para que ele se pergunte enquanto lê: "- e se fosse eu, esse personagem?"?

Como vê o momento político do país, com a abertura do processo de impeachment? De que forma a História contará esse capítulo?

Como bem dizem os jornalistas, todos os grupos de poder e contrapoder estão "fabricando suas narrativas". E tudo para ficar bem na foto. Mas, convido sempre a pensar o que não é visível, no cotidiano. No caso, a voz de nossos congressistas. Como foram eleitos? A quem representam? Como entendem "fazer política"? Com eles, será possível mudar o país? Não seria melhor falar em Brasis, do que em Brasil, uma vez que tais grupos representam, em seu despreparo, agendas tão diversas e interesses tão conflitantes? Na terrível fotografia que nos foi exibida no domingo, conseguimos enxergar novas formas de democracia. Formas que misturam agentes políticos sem ética, e sobretudo, sem preparo para gerir a coisa pública com grupos da sociedadeque desejam e acreditam num caminho melhor para o Brasil. Se teremos a tão desejada "ordem e progresso", só nosso netos dirão!

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