Em crise, times tradicionais do interior paulista relutam em fechar as portas

Estadão Conteúdo
28/06/2015 às 16:51.
Atualizado em 17/11/2021 às 00:40

Quando parte do toldo do estádio Zezinho Magalhães desabou neste ano, o presidente do XV de Jaú, Laércio Carneiro, ouviu um comentário desaforado do prestador de serviços que faria o reparo: "trocar pra quê? Não tem ninguém jogando lá". Não que ele fosse antipático ao time quase centenário. "Ele e muitos outros empresários têm medo que a gente não pague. O time caiu em descrédito", explicou Carneiro. Com dívida estimada em R$ 5 milhões, pela primeira vez em 40 anos o XV não disputa o Campeonato Paulista.

Com pequenas variações, a história se repete nos 11 times de futebol visitados pela reportagem no interior paulista. Marília, Comercial, Francana, Mirassol, Internacional (Limeira), Rio Branco, Guarani, Paulista, Grêmio Sãocarlense, XV de Jaú e União São João, apesar da história, hoje amargam dificuldades para seguir em frente. Só não fecham as portas por bravura, por se recusar a enrolar a bandeira e desaparecer de vez do mapa e dos campos. A vida tem sido dura para os clubes do Interior, todos sem dinheiro, com gestões atrapalhadas e sem crédito na praça.

Em campo, a situação é precária da mesma forma. Os talentos sumiram e os clubes grandes não bebem mais dessa fonte, de modo a retratar um cenário de penúria. Em Araras, por exemplo, o União São João só falta bater as portas. O time que revelou o lateral-esquerdo Roberto Carlos paralisou as atividades para, quem sabe, retomar em 2016. A dívida chega a R$ 15 milhões e só aumenta. "O time não tem receitas, mas as contas continuam chegando", disse o vice-presidente Antonio Beloto.

Ele trabalha no estádio Dr. Hermínio Ometto com um punhado de funcionários para fazer a manutenção básica de tudo, que custa R$ 50 mil por mês. As histórias são semelhantes, os clubes beiram a falência, sem futuro claro. O chaveiro Paulo César Xavier viu de perto o time minguar. "Era mais fácil eu estar no estádio do que em casa". Em 2012, quando o União amargava a Segunda Divisão, ele criou a Associação dos Amigos do União e até conheceu Roberto Carlos. Virou o chaveiro oficial da família do ex-jogador.

TORCIDA - No Comercial, em Ribeirão Preto, os adesivos espalhados pela Praça dos Leões, em frente ao estádio Palma Travassos, refletem a guerra entre o ex-presidente Nelson Lacerda e a torcida. O desgaste foi tamanho que Lacerda renunciou ao cargo, por carta, mas permaneceu no controle da gestora do clube, a Lacerda Sports. Segundo o vice-presidente, Rogério Vieira, ele não aparece no Comercial desde 7 de março.

Finanças e futebol vão mal. O Comercial, rebaixado para a Série A3, depende do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) tirar pontos do Atlético Sorocaba pela escalação irregular de um jogador para não cair. No campo financeiro, acumulou dívida de R$ 3 milhões espalhada por 40 ações trabalhistas e viu sócios-torcedores passarem de 5 mil para apenas 400, em dois anos.

Com a corda no pescoço, a torcida do Guarani também cansou. Não terá mais a parte social e o Brinco de Ouro foi a leilão. Um empresário promete ajudar pagando os salários e até conta de luz. O bugrino fanático Maique de Lima, que se acidentou em 2011 e não deixou o paramédico do resgate cortar a camisa alviverde, é taxativo. "O Guarani é um time grande que se apequenou".

No Brinco, o sentimento é o mesmo. "Nós fizemos um gráfico do panorama financeiro quando assumimos. Até o fim de 2017, o Guarani não teria mais patrimônio", disse o presidente do clube, Horley Senna. De acordo com ele, o clube deve R$ 240 milhões. Esse valor só aumenta, com despesas superiores às receitas. Para completar, o time está às voltas com duas arrematações do complexo do Brinco de Ouro. Pior. Vê a Ponte Preta bem no Campeonato Brasileiro.

Em março, uma decisão da Justiça do Trabalho afastou de vez os patrocinadores: valores pagos ao Guarani deveriam ser repassados à justiça. Entretanto, a questão pode ter um desfecho em breve, já que há duas empresas interessadas em tratar do patrimônio: a Maxion, antiga patrocinadora, e a Magnum, produtora de relógios. O poder judiciário deve escolher qual proposta é melhor. "Mas se a decisão demorar, corre-se o risco de o Guarani fechar as portas antes", disse Horley.

LUZ NO FIM DO TÚNEL - Outras equipes buscam novas saídas para não morrer, como o Paulista, de Jundiaí. "O objetivo é aproximar o time das pessoas da cidade e do pequeno comerciante", explicou o coordenador técnico Armando Bracali. O modelo de gestão, testado e aprovado no PSV Eindhoven, da Holanda, é a última tacada. Precisa dar certo.

O movimento foi chamado de "Novo Paulista". No que depender do gerente de marketing do Paulista, Jurandir Segli Júnior, a ambição ultrapassará os muros do estádio Jayme Cintra. "Queremos sacudir o futebol. O Novo Paulista é um modelo diferente de tudo o que a gente vê por aí. Isso aqui ia fechar as portas". A dívida do clube oscila entre R$ 20 e 25 milhões, e a média de público não passou de 600 no Estadual. Nem partidas noturnas o clube realiza para evitar gastos.

Na penúltima semana de maio, torcedores se juntaram em um mutirão para pintar o estádio. No começo de junho, um evento gastronômico com shows de bandas locais atraiu mais de 10 mil pessoas ao local para comemorar os 106 anos do clube.

Se o Paulista enfrenta dívidas e briga para ter credibilidade, o mesmo não se pode dizer do Mirassol, encampado por nove empresas. Isso fornece estrutura para tocar o time. "A gente planeja e busca no mercado o que se enquadra", disse o presidente Edson Ermenegildo. O problema do Mirassol é que, pelo segundo ano, o time terminou a Série A2 do Estadual em quinto, sem subir.

Mesmo com o insucesso em campo, os contratos de publicidade dão estabilidade ao Mirassol. Tal precisão com o equilíbrio das contas vem lá de trás, desde quando o treinador Ivan Baitello jogou pelo time, entre 1996 e 1997. "Muita gente preferia ficar aqui no Mirassol do que arriscar em um clube com mais estrutura, mas que não paga em dia", explicou. "Hoje, os clubes têm de se ligar e trabalhar para fazer receita".

O historiador Vitor Saques Júnior, que se debruça em um livro sobre a história do Mirassol, guarda com carinho a ascensão do time. Encurvado em seus 83 anos, mostra sua coleção com as primeiras conquistas da equipe, relíquias emboladas no fundo de um armário. "Nós já fomos bem mais torcedores do que somos hoje".

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