Projeto resgata histórias de quem vive nas cidades

Thais Oliveira - Hoje em Dia
02/07/2015 às 06:32.
Atualizado em 17/11/2021 às 00:43
 (Divulgação)

(Divulgação)

No início dos anos 60, uma família de 18 filhos saía da interiorana Bom Despacho, no Centro-Oeste de Minas, para fazer a vida na capital das Gerais. Dificuldades não faltaram. A comida era posta à mesa depois de muita água – proveniente da única bica do bairro Santa Tereza – enxaguar as roupas da “freguesia” de “Dona Maria Guerreira”, conta Elder Pacheco, 58 anos, um dos herdeiros desta “grande mulher”. “Tenho saudades daquela BH antiga, dos bondes, das carroças, do subúrbio, das brincadeiras com bolinhas de gude, do cinema na praça de graça todo sábado”, recorda ele, que é consultor de políticas públicas.

A história de Elder é filmada e fotografada pelas lentes do projeto “Moradores – A Humanidade do Patrimônio Histórico”, dentro de uma tenda branca, montada em plena a Praça 7 – um dos pontos mais democráticos de BH, onde passam pessoas de diferentes ideologias e classes sociais.

O privilégio de resgatar as lembranças remanescentes, no entanto, não será apenas do Elder. Desde esta quarta-feira (1), até o próximo dia 8, todos os moradores de Belo Horizonte estão convidados a revelar as suas recordações. Posteriormente, este memorial vai alimentar uma exposição multimídia, formada por 14 grandes painéis, a serem exibidos na Praça da Liberdade, no dia 21 deste mês.

A Proposta

O jornalista Gustavo Nolasco, do coletivo NITRO + Alicate e um dos idealizadores do projeto, esclarece que trata-se de uma ação de educação patrimonial e manifesto de ocupação urbana pela valorização das identidades culturais e da memória das pessoas como patrimônio imaterial singular.

“A ideia nasceu em 2012, em Tiradentes, durante um festival de fotografia em que nós estávamos participando. Percebemos que faltava memória ali, porque as pessoas foram ‘meio’ que expulsas para o subúrbio, para dar lugar a uma cidade turística”, explica.

A proposta deu tão certo, que acabou percorrendo outras noves cidades: Paraty (RJ), Campinas (SP), Petrolina (PE), Juazeiro (BA) e as mineiras São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana, Juiz de Fora e Diamantina. Depois de BH, o projeto irá estender as suas tendas em Ipatinga e Itatiaiuçu.

“Acho que estamos conseguindo atingir o objetivo de criar uma marca nos moradores e nesses locais, onde a própria identidade está se perdendo. E acreditamos que o conceito de defender a memória das pessoas se aplica a qualquer cidade do Brasil, porque todo lugar tem o seu povo e a sua história para contar”, destaca.

Todo mundo tem uma história para contar...

 

 

Roberto Amaral: tempos em que estádios eram da paz; Walter Pinheiro: reflexões sobre a crise   Devagarinho, apoiado em sua bengala, Roberto Amaral se junta à fila de moradores que têm algo a lembrar. No alto dos seus 73 anos de idade, todos eles vividos na capital, o professor de sociologia aposentado olha para a câmera como se já a conhecesse e conta sobre uma Belo Horizonte bem diferente da atual. “Tenho saudades do futebol, de quando íamos para o (estádio) Independência e não tinha briga, nem divisão de torcidas. A gente podia frequentar aquele lugar com tranquilidade. E nada disso existe mais”, lamenta.   Juventude com história   A estudante Sarah Salvado, 17 anos, foi outra a parar na manhã desta quarta-feira para falar de um “tempo bom”. Moradora do bairro Goiânia, localizado na região Nordeste, ela aponta também para as mudanças que já consegue reconhecer nestas menos de duas décadas de vida. “Peguei uma época em que as crianças brincavam na rua, corriam, pulavam. Eu, por exemplo, ia muito para um sítio brincar, perto de casa, que foi derrubado recentemente para virar um condomínio. Hoje, as crianças não têm mais isso. As ruas estão perigosas e elas só ficam jogando no tablet. É uma pena”, queixa-se.   Apesar de jovem, a fala da moça mostra a maturidade de tantos outros brasileiros que atravessam um momento crítico da história. “Acho que o projeto vem resgatar a nossa autoestima, que anda abalada com essa crise econômica do país”, afirma.   Consciência cultural   Fundador do movimento “Soul BH”, Walter Pinheiro da Silva, 52 anos, também aproveitou o espaço para refletir sobre a crise do país. “O projeto é uma maneira de criar nas pessoas, até mesmo, uma consciência cultural, econômica e política, pois nos força a pensar sobre a nossa situação de desigualdade”, diz.   O movimento do qual faz parte foi outro ponto abordado por ele. “Esse projeto (o “Soul BH”) já tem nove anos e veio para resgatar uma época boa, dos anos 70. A importância dele está no fato de conseguir trazer as pessoas para a rua, para dançar, esquecer dos problemas, onde todos são iguais e podem compartilhar do mesmo sentimento trazido pela música”, aponta.   SERVIÇO   Tenda fotográfica - Praça Sete  Datas: 2/7 (quinta-feira) Horário: 9h às 17h   Tenda fotográfica – Praça da Savassi Datas: 3 e 4/7 (sexta e sábado) Horário: 9h às 17h   Tenda fotográfica – Praça da Liberdade Datas: 7 e 8/7 (terça e quarta-feira) Horário: 9h às 17h   Abertura da exposição Local: Alameda central da Praça da Liberdade Data: 21/7 (terça-feira) Horário: 19h   Roda de Conversas e lançamento do catálogo da exposição Local: Memorial Minas Gerais Vale – Circuito Cultural Praça da Liberdade Data: 25/7 (sábado) Horário: 11h

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por