Vacinas contra doenças capazes de matar não alcançam meta de cobertura em Minas

Raul Mariano e Bruno Inácio
horizontes@hojeemdia.com.br
14/09/2018 às 21:05.
Atualizado em 10/11/2021 às 02:28
 (Carlos Bassan/Fotos Públicas)

(Carlos Bassan/Fotos Públicas)

Tuberculose, rubéola, coqueluche, sarampo, hepatite, meningite. Doenças que, no passado, assolaram o país e, com a queda dos índices de imunização, podem voltar a fazer muitas vítimas. A baixa cobertura vacinal é uma realidade que preocupa especialistas e é visível nos centros de saúde de Belo Horizonte. Nenhuma das sete principais vacinas disponíveis para crianças abaixo de 1 ano na capital atingiu a meta esperada, segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde referentes à abril.

Nessa sexta-feira, a campanha de vacinação contra pólio e sarampo terminou e não alcançou 95% das mais 109 mil crianças menores de 5 anos que deveriam receber as doses na metrópole. Até a última quarta-feira, apenas 89,5% do público-alvo tinha sido protegido contra o sarampo e 89,8% contra a pólio, conforme a prefeitura.

O resultado segue na contramão dos esforços dos órgãos de saúde. A campanha foi prorrogada duas vezes, com a abertura de postos extras de vacinação, incluindo mobilização em dois sábados, ampliação de horários e aplicação das doses em escolas da rede municipal.

Diversos motivos são apontados por especialistas como justificativa para índices tão baixos de proteção. Presidente da Sociedade Brasileira de Imunização (SBim) – Regional Minas Gerais, Marilene Lucinda Silva explica que, com o tempo, as pessoas esqueceram do quanto as vacinas são essenciais para a saúde pública.

“As doenças comuns no passado já não são mais tão visíveis. Então, a população tende a pensar que as vacinas não são mais necessárias e que os surtos só ocorrem em regiões distantes”, afirma.

“A proteção mudou o quadro da saúde no país. Lembro que víamos hospitais cheios de crianças com meningite, coqueluche, morrendo por varicela. Hoje, isso não acontece mais por questões sanitárias, mas principalmente pela vacina” (Andrea Lucchesi, infectologista)

Mitos

Outro problema apontado por infectologistas é a disseminação de informações falsas sobre supostos males causados pelos imunizantes à saúde. Dentre as histórias equivocadas há boatos de que as doses poderiam causar até autismo em crianças. 

A infectologista Andrea Lucchesi, que trabalha no Hospital Infantil João Paulo II há 20 anos, vê a atitude das famílias que não aderem à vacinação como um risco à coletividade. “A proteção mudou o quadro da saúde no país. Lembro que víamos hospitais cheios de crianças com meningite, coqueluche, morrendo por varicela. Hoje, isso não acontece mais por questões sanitárias, mas principalmente pela vacina”, explica.

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A médica critica os grupos anti-vacina que difundem informações sem comprovação científica, sobretudo na internet. “Você pode, por exemplo, tomar uma dipirona, ter uma reação alérgica e falecer, mas nem por isso, vamos abolir o analgésico. Acontece que o risco da imunização é infinitamente menor que os benefícios, e a saúde é baseada nisso, não em dados isolados”, garante.

Mortalidade infantil

A queda das coberturas vacinais não é um fenômeno isolado da capital mineira. Em todo país, o problema se intensifica, preocupando as autoridades. Em 2017, a proteção de crianças menores de 1 ano teve o menor índice de cobertura em 16 anos, segundo dados do Programa Nacional de Imunizações (PNI). Nos últimos dois anos, a meta de ter 95% do público-alvo vacinado não foi alcançada.

A queda pode estar diretamente ligada ao aumento dos casos de mortalidade infantil. Pela primeira vez desde 1990, em 2016 o país apresentou alta na taxa. Foram 14 óbitos a cada mil nascidos: um aumento de 5% em relação a 2015, quando foram registrados 13,3 a cada mil, conforme o governo federal.

Perigo

Médico da família e secretário do Conselho Municipal de Saúde de Belo Horizonte, Bruno Abreu Gomes entende que a postura da não imunização é uma atitude perigosa tomada pelos pais e que compromete até mesmo a saúde nacional. 

“Desde 1990 vinha tendo uma queda, ano a ano, da mortalidade infantil, e em 2016 houve um aumento do índice. É uma situação de alerta geral, já que mais crianças estão morrendo e a vacinação impacta diretamente nisso”, diz. 

O especialista acredita ser necessário maior investimento em saúde da família. Para ele, os agentes que têm a função de visitar as casas mensalmente podem influenciar as pessoas a mudar de opinião. “Houve uma diminuição dos investimentos em saúde e, com menos profissionais, é mais difícil eles acompanharem os moradores de perto e convencê-los”. Até o fechamento desta edição, o Ministério da Saúde não havia respondido os questionamentos do Hoje em Dia sobre o tema.

Caxumba

Em Minas, a reincidência de caxumba, doença combatida pela vacina tríplice viral, tem chamado a atenção. Em 2013 foram notificados 554 casos, já no ano passado foram 3.729. De janeiro a julho de 2018 já são 1.369 pessoas com a doença.

História

A resistência à imunização já marcou a história do país em outros momentos. Em novembro de 1904, um motim popular conhecido como “Revolta da Vacina” aconteceu no Rio de Janeiro, então capital do Brasil. O movimento foi motivado por uma lei que obrigava os moradores da cidade a tomar as doses contra a varíola, doença que à época matava centenas de pessoas na cidade. Além disso, outras epidemias como peste bubônica e febre amarela assolavam o território e preocupavam as autoridades.

Diretor-geral de Saúde Pública do Rio, o médico Oswaldo Cruz criou a campanha de saneamento em busca de erradicar as enfermidades. As ações, somadas às reformas urbanas que estavam sendo realizadas, inflamaram os ânimos dos habitantes. Os confrontos começaram a partir do momento em que foram exigidos da população comprovantes de vacinação para a realização de matrículas nas escolas, admissão em empregos, viagens, hospedagens e casamentos. Quem resistisse à imunização tinha que pagar multas.

Quando a notícia se espalhou, o povo revoltado iniciou uma série de manifestações que durou uma semana. Na repressão aos protestos, a polícia agiu de forma truculenta. O resultado foi a prisão de 945 pessoas, 30 mortos, 110 feridos e 461 deportados para o Acre.Editoria de Arte

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