Por devoção à mãe, Lucas Pratto pensou até em trocar de sobrenome no futebol

Frederico Ribeiro
fmachado@hojeemdia.com.br
08/05/2016 às 02:54.
Atualizado em 16/11/2021 às 03:19
 (Bruno Cantini/Atlético)

(Bruno Cantini/Atlético)

Jogo do Atlético. Nos morros do Independência ou na esplanada do Mineirão, um banco de camisas preto e brancas, a maioria com o número 9 às costas. Abaixo, o sobrenome "Sivetti". Por amor à quem lhe deu a luz, Lucas Pratto quase fez a cena acima se concretizar.

Aos 24 anos, em La Plata, Daniela Sivetti foi mãe pela segunda vez em 1988. Um ano e meio depois, o pai de Lucas abandonou o lar e criou outra família. Daí em diante, Daniela se virou para alimentar três bocas na humilde casa no Bairro Los Hornos. Virou faxineira e professora de ginástica. Mais do que isso, o porto seguro do atacante atleticano. No braço direito, Lucas eternizou o nome da mãe com uma tatuagem. Mas pensou em ir além. O desejo era utilizar na carreira profissional o sobrenome da mãe - Lucas Sivetti. A tatuagem Daniela não teve como evitar, mas acabou demovendo o filho da ideia de abdicar o nome do pai.

"O pai de Lucas se foi quando ele tinha um ano e meio de idade e o irmão mais velho (Leandro), cinco anos. Eu não estava trabalhando na época. Assim, de repente, começamos uma vida diferente. Eu sai de casa para trabalhar todo dia. Lucas cresceu junto com o seu irmão mais velho (Leandro), ao qual ele tanto ama. Não fiz nada que uma mãe não faria pelos seus filhos. Ele quis fazer isso (trocar o sobrenome) há um tempo. Mas eu não deixei. Porque não é importante para mim isso. Ele é 'Pratto' e assim está muito bem. Seu pai fez o que podia para ele", disse Daniela, em entrevista ao Hoje em Dia.

Daniela com os filhos Leandro e Lucas Pratto e a neta Pía (Foto: Reprodução/Facebook)

Na Argentina, a data que celebra a existência da figura materna é comemorado apenas em outubro. Mas na casa de Pratto em La Plata, as atenções estarão todas voltadas para este domingo de Dia das Mães no Brasil. Afinal, também é dia de ligar a internet e observar o filho em campo, na final do Campeonato Mineiro de 2016, contra o América. A casa estará colorida de alvinegro. Menos Daniela, porém, que prefere não se uniformizar. Questão de superstição, tão incomum para uma mulher que jamais pisou no mundo da fantasia e teve que encarar sem medo a vida de mãe solteira com somente 24 anos.

"(Como irá assistir a final do Estadual?) Estou em La Plata. Assisto todos os jogos de Lucas pela internet. A família se reúne para ver ele em ação. Tenho a superstição de nunca usar camisas dos times. Sempre que as ponho, o time perde. Depois que o jogo acaba, aí sim eu visto a camisa do Atlético. Então vem tudo: camisa, travesseiros do Atlético e o boneco do Galo", acrescentou Daniela, que é chamada pelos filhos de Dady.

Da criança que começou como goleiro ("imitando o irmão, mas ele não era bom não ") e 'se matava' nos campos dos pequenos Gimnasia de Los Hornos e Defensores Cambaceres ao goleador de quase 1,90m, maior artilheiro estrangeiro do Atlético. Daniela acompanhou cada passo do filho no futebol. Por exemplo, deixava La Plata de ônibus até Buenos Aires e seguia de trem até Tigre, quando Pratto defendeu o time homônimo, por empréstimo.

Se não tinha condições para bancar materiais esportivos para o filho, lhe deu o gratuito e inestimável incentivo materno. O choro de felicidade em vê-lo estrear pelo time principal do Boca Juniors na Bombonera (jogou 15 minutos diante do Independiente, em 2009) continua o mesmo. Para soltá-lo, basta a torcida do Galo levar o estádio a baixo com um gol de Pratto.

"Olha, me emociona muitíssimo o carinho dessa torcida com ele. Para um jogador estrangeiro, não é algo fácil (de conseguir). Eu choro muito cada vez que vou ao estádio no Brasil e vejo a torcida gritando o nome dele. Igual também é quando vejo pela TV", completa Dani, que leva a seguinte frase como imagem de perfil no Twitter:

"Exitosa é aquela mulher que construiu castelos com as pedras que lhe lançaram para vê-la cair"

Confira o bate-papo com a 'mamá' de Lucas Pratto:

Daniela, como foi a infância de Lucas Pratto em La Plata? Li em alguns sites que Lucas teve uma vida de sacrifícios e a figura materna foi fundamental para ele...
Sim, é verdade. O pai de Lucas se foi quando ele tinha um ano e maio de idade e o irmão mais velho (Leandro), cinco anos. Eu não estava trabalhando na época. Assim, de repente, começamos uma vida diferente. Eu sai de casa para trabalhar todo dia. Lucas cresceu junto com o seu irmão mais velho, ao qual ele tanto ama. Não fiz nada que uma mãe não faria pelos seus filhos.

E qual foi a sua ocupação neste período?
Eu limpava casas duas vezes ao dia e no período noturno dava aulas de ginástica. Foi 20 anos trabalhando dessa forma.

Quando você percebeu que Lucas iria tentar ser jogador profissional?
Na verdade, eu não tive nenhum momento de percepção. Ele chegou à adolescência e me disse que queria tentar a sorte em peneiras, influenciado por seu irmão, que foi um bom goleiro, mas não quis seguir carreira. Mas eu apoiei sempre a Lucas e, inclusive, o levei a todos os testes. O que ele sonhava, eu fazia o possível para ajudar a realizar.

E quando foi a sua primeira vez em um jogo para acompanhar Lucas?
Ah, ele tinha cinco anos (risos). Estava no futebol infantil ainda. Era magrinho e jogava bem.

Já era atacante?
Não! Começou como goleiro, imitando o irmão. Mas ele não era bom não (risos). Nessa idade, só jogava por diversão. Depois, com o tempo, lhe puseram de camisa 5 e depois de 8. Só depois que estava maior é que passou a jogar de atacante. Era veloz e tinha a mesma raça que tem hoje. Foi e ainda é muito inteligente para jogar. Acredito que essa é a sua maior qualidade no futebol, além da garra.Reprodução/Instagram

Lucas Pratto como garoto, no Gimnasia de Los Hornos e com o primeiro troféu

Quando Lucas se tornou profissional, você também continuou a acompanhá-lo?
Óbvio! Sempre estive presentes nos jogos em casa quando ele começou. Eu e a minha mãe (Dona Olga Borgo). Também estava no campo do Boca quando ele estreou pela equipe na Primeira Divisão, atuando nos minutos finais diante do Independiente. Quando entrou, eu sofri, gritei e chorei muito. Isso foi na Primeira Divisão. Porque nas divisões inferiores (nas categorias de base), eu fui em todos os jogos, incluindo à época inicial que ele defendia o Cambaceres (Defensores de Cambaceres, equipe de Ensenada, cidade da região metropolitana de La Plata).

E quando ele foi jogar mais longe?
Quando ele foi para o Tigre (2007), saímos de La Plata de ônibus e baixávamos em Buenos Aires e depois pegávamos um trem até Tigre (província ao norte do centro de Buenos Aires). Eram quase duas horas de viagem, na ida. Lucas também viajava de ônibus e viva em pensões em Buenos Aires. Só foi ter o primeiro carro depois que voltou da Noruega. Lucas lutou muito para estar onde está hoje, sacrificou muitas coisas, mas faz o que ama.

Que tipo de dificuldades foram essas? De dinheiro, logicamente...
Sim, financeiras. Lucas e Leo (Leandro) iam de bicicleta para a escola. Ele estudava de manhã, ia treinar à tarde e só voltava tarde da noite. Quando começou a treinar no Boca (inferiores), eu dava a ele 30 pesos por mês, o que seria 500 pesos hoje (R$ 125). Nada! Ele teve que trabalhar como tajetero (jovem que checa convites para casas de show). Teve a ajuda de Martin Palermo para chegar ao Boca. Ele lhe dava uma ajuda de custo. Martin e seu irmão, Gabriel e Marcelo Panella (preparador físico do Cambaceres) são os padrinhos de Lucas no futebol. Lucas, em forma de doação, usava materiais usados por Martin, camisas e chuteiras. Eles viram o sacrifício do meu filho e da família. Eu jamais lhes pedi nada e segui com o meu trabalho, como é ainda hoje. O irmão de Lucas também trabalha como carteiro e na casa de festas infantis montadas por Lucas e amigos.

Você está em La Plata, certo? Como irá ver a final do Campeonato Mineiro neste domingo?
Sim, estou em La Plata. Assisto todos os jogos de Lucas pela internet. A família se reúne para ver junta ele em ação.

Todos uniformizados com a camisa 9 do Atlético?
Eu não! Tenho a superstição de nunca usar camisas dos times. Sempre que as ponho, o time perde. Depois que o jogo acaba, aí sim eu visto a camisa do Atlético. Então vem tudo: camisa, travesseiros do Atlético e o boneco do Galo.

Por tudo que me disse, não seria estranho que Pratto tivesse escolhido o seu sobrenome para usar...
Bem, ele quis fazer isso há um tempo. Mas eu não deixei. Porque não é importante para mim isso. Ele é 'Pratto' e assim está muito bem. Seu pai fez o que podia para ele.

E como é para uma mãe ter o filho tão querido por uma torcida como a do Atlético?
Olha, me emociona muitíssimo o carinho dessa torcida com ele. Para um jogador estrangeiro, não é algo fácil (de conseguir). Eu choro muito cada vez que vou ao estádio no Brasil e vejo a torcida gritando o nome dele. Igual também é quando vejo pela TV.

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