Releitura de livros clássicos para atrair jovens gera polêmica

Raquel Ramos - Hoje em Dia
12/05/2014 às 07:38.
Atualizado em 18/11/2021 às 02:32
 (Luiz Costa/Hoje em Dia)

(Luiz Costa/Hoje em Dia)

“Palavra puxa palavra, uma ideia traz outra, e assim se faz um livro, um governo ou uma revolução”. Utilizando o conceito criado por Machado de Assis, Patrícia Engel Secco se propõe a fazer uma verdadeira revolução por meio das palavras. A escritora paulistana faz a releitura do clássico “O Alienista”. A ideia é substituir expressões arcaicas e rebuscadas por termos mais simples, facilitando assim a compreensão do texto.

Um trabalho que vem gerando polêmica, sobretudo entre os estudiosos da obra de um dos principais nomes da literatura nacional.

Com 600 mil exemplares, a nova versão do romance já deve ser publicada no mês que vem. Seguindo a mesma linha, obras de José de Alencar também podem ser alteradas em breve. Com isso, afirma a escritora, espera-se popularizar os livros dos autores e, de quebra, estimular o hábito da leitura entre os brasileiros.

CRÍTICAS

As boas intenções, no entanto, não ficaram imunes a críticas. Bastou a iniciativa ser divulgada para que se iniciasse uma acalorada discussão sobre a legitimidade de se modificar um clássico de um dos principais nomes da literatura do país.

Professor da UFMG e estudioso de Machado de Assis, Eduardo Duarte reconhece que compreender os textos do escritor não é tarefa fácil. Da mesma forma que as pessoas são alfabetizadas para a leitura da linguagem cotidiana, avalia, é preciso ter formação específica para adquirir gosto pela literatura clássica.

Mas a mera simplificação das palavras não seria uma alternativa. Ao contrário, especialistas apontam que há graves riscos nessa prática.

“Para mim, seria a mutilação de uma obra-prima. A literatura é feita com palavras. Se elas são alteradas, o conteúdo também muda. Estarão interferindo no estilo machadiano, que até hoje é muito estudado por tamanha genialidade do autor”, defende Maria Antonieta Pereira, professora aposentada da Faculdade de Letras da UFMG.

Além disso, reforça Audemaro Taranto Goulart, doutor em Teoria Literária pela USP, o humor e a ironia de Machado de Assis são muito refinados e poderiam ser facilmente perdidos com qualquer alteração das palavras que, certamente, foram criteriosamente escolhidas por ele.

“Rebaixar o nível do texto para que ele seja compreendido não é o melhor caminho. Ao contrário, deveriam investir na educação para que as pessoas tenham maturidade intelectual para fazer esse tipo de leitura”, sugere ele, que trabalha como professor de Letras da PUC Minas.

Adaptação não pode substituir o original

Dentro das salas de aula, a repercussão da audaciosa escolha de Patrícia Secco ganha outros contornos. Para Geisa Mara Batista, professora de produção de texto do Colégio ICJ, de Belo Horizonte, iniciativas como essa podem contribuir para aproximar os alunos de obras clássicas.

“Ler Machado de Assis é extremamente difícil para um aluno do ensino fundamental. A simplificação da linguagem pode ajudar o adolescente a vencer uma barreira que o distancia do autor”, avalia.

Mas há ressalvas. Apresentar um Machado de Assis “descomplicado” para um estudante de 12 anos não pode, jamais, substituir o autêntico Machado de Assis. Quando o estudante tiver conhecimento suficiente, defende a professora, deverá ter contato com a obra original.

“Também acredito que os adultos, mesmo os que não tiveram chance de estudo, não devem optar por ler a obra alterada. As pessoas mais velhas podem encontrar outras formas de vencer o desafio linguístico que existe em uma obra de Machado”, diz Geisa.

Aluna do 1º ano do ensino médio, Heloísa Mara, de 15 anos, admite que nunca leu um clássico sequer de Machado de Assis. Ela defende que livro mais antigo seja reescrito com uma linguagem mais moderna, para ficar mais atraente aos jovens.

Compartilha o mesmo pensamento a colega dela, Vitória Caroline Almeida, da mesma idade. “Confesso que não conheço nenhuma obra dele, nem pelo nome. Só leio se o professor mandar”.

Já a estudante de Filosofia Ana Luísa Soares, de 21 anos, perdeu as contas de quantas obras de Assis já leu, desde a adolescência. “Dom Casmurro”, “Memórias Póstumas de Brás Cubas” e “O Alienista” integram a lista da jovem. Ela rejeita veementemente a ideia da escritora Patrícia Secco em reeditar as obras do escritor com uma linguagem mais fácil.

“Se modificarem o modo de escrever de Machado, modificarão o enredo das histórias. São textos que levamos para a vida”, afirma. Ana trabalha como estagiária na Biblioteca Pública Infantil e Juvenil, na capital, e conta que a sessão de Machado de Assis é uma das mais procuradas da unidade, e com a linguagem original do escritor.

“Mesmo assim, a maior busca ainda é de alunos motivados por pesquisas escolares”, salienta o técnico em literatura da biblioteca, Samuel Medina. 

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