Artistas fazem das ruas um amplo picadeiro e mantêm viva cultura milenar

Elemara Duarte - Hoje em Dia
22/03/2015 às 13:20.
Atualizado em 18/11/2021 às 06:26
 (Samuel Costa/Hoje em Dia)

(Samuel Costa/Hoje em Dia)

O malabarista, a acrobata e o palhaço estão saindo debaixo da lona. E não é que o circo esteja acabando. É tudo uma questão de diversificação de palcos e de retorno às origens desta arte. A próxima sexta-feira é o Dia do Circo. Mas nas ruas de BH e de várias grandes cidades, o dia e a hora de colocar em prática esta manifestação artística é a todo momento. Seja no teatro, na praça, no sinal de trânsito e onde mais o artista escolher para trabalhar.

Na esquina da rua Curitiba com avenida do Contorno, Centro da capital, um rapaz de impactantes olhos azuis e tatuagem em homenagem à Argentina no braço faz malabarismo com desentupidor de pia, vassoura, bola e raquete.

“Às vezes me visto de noiva e venho trabalhar”, diz o portenho Tomas Taylor, de 32 anos – 14 deles em itinerância por mais de 30 países trabalhando como malabarista e palhaço, o “Cloony Clown”.

Contabilidade

“É como qualquer trabalho. Se quero dinheiro para viajar, tenho que ficar mais horas para ganhar mais”, diz ele. Em BH, ele mora de aluguel na periferia e já virou torcedor de um popular time da capital. “Não vai falar aí qual time é”, avisa.

Tomas deixou a Argentina, a família, o curso de Psicologia e o emprego em uma pizzaria para “cair no mundo”. O ofício aprendeu com os dois melhores amigos, que também são palhaços. Fora isso, em todo país que mora, procura escolas de circo para se aprimorar.

Na Argentina, eles se apresentavam nas “festas variette”, que Tomas chama de reduto “underground”, onde todo artista tem vez. “Na França, há muitas dessas festas. BH não tem. Minas Gerais é mesmo uma mina de ouro a ser explorada neste sentido. Não há muito artista solo de circo nas cidades”.

Para o artista, os circos conseguem sobreviver hoje somente com muita publicidade. “Soleil, Montreal. Fui ao circo de lona duas ou três vezes na vida, com meus pais”, lembra.

E lá vai ele para mais uma jornada no sinal. Pendura a mochila em um ganchinho improvisado no poste e a cada pausa de menos de um minuto, ele se apresenta ao “respeitável público”. Chegam moedas no boné – às vezes, sim, às vezes, não.

Só com contrato ou "Disque Palhaço"

A incerteza do cachê é um dos pontos que faz a rua deixar de ser a melhor opção para outros jovens artistas circenses. “Alguns marginalizam o que fazemos. Não entendem que as moedinhas que dão são para pagar os custos. Hoje, me apresento onde me contratam”, diz o acrobata e palhaço Thiago Jole. “Esta é a vida que eu elegi. Hoje falo cinco línguas”, orgulha-se Tomas. Além da rua, ele também se apresenta em aniversários e raves.

Para o antropólogo Thiago Araujo, o “Palhaço Pindaíba”, a onda do circo na rua faz parte de uma “efervescência na ocupação destes lugares e da celebração do direito à livre expressão”. Portanto, com ou sem salário, esse palco espontâneo, diz ele, “vai além do circo”. Araujo é autor das reflexões do blog www.palhacopindaiba.blogspot.com e do "Disque Palhaço", canal criado para quem precisar dos serviços artísticos dele, onde quer que seja.

‘Contribuição do chapéu’ rende pagamento de INSS e ‘salário’ que pode chegar a R$ 2 mil

Outro artista que usa e abusa do espaço aberto é Téo Nicácio, de 28 anos, seja com as esferas do “malabares de contato”, com música ou como o palhaço “Bico Seco”. O malabarista chega a tirar uma renda de R$ 2 mil por mês e paga o INSS, tudo com a chamada “contribuição do chapéu”.

Téo diz que está surgindo um “novo circo”. “É o circo sem lona. Não é apenas para ganhar um trocado. Estou comprometido em fazer um trabalho de qualidade”, avisa. “Percorro ‘Feira Hippie’, sinais, praças. Vivo disso há sete anos. Mais de 80% da renda vem das ruas”.

Mas fora da lona, não é só da sorte das ruas que vive o artista circense contemporâneo. Radicada em São Paulo há 13 anos, a trapezista belo-horizontina Luciana Menin integra o “Circo Amarillo” – circo sem lona, que já mostrou os quatro espetáculos da trupe em quadras, parques e até foyer de teatro. “A gente vive de vender esses espetáculos”, diz. Para atrair contratantes, eles apostam em figurino de primeira e aluguel de um galpão na capital paulista para ensaiar bastante e “criar”.

Alguns dos integrantes do “Amarillo” estão entre as centenas de artistas, do circo ou não, cadastrados no www.artistasnarua.com.br. O site foi lançado em 2012, em São Paulo, após a prefeitura da cidade fechar o cerco contra os artistas de rua. Agora, regulamentados por lei municipal e mapeados, eles mostram seus perfis no endereço para contratantes.

“Cerca de 15% dos artistas de rua de São Paulo são de circo. É uma das formas de fazer esta arte, cujas técnicas são milenares”, lembra o criador do endereço, Celso Reeks, que deseja ampliar o projeto para outras cidades, entre elas BH.

História mostra que arte circense é milenar

Pinturas rupestres já mostravam acrobacias. Ainda na história, estão o Circo Maximo de Roma (366 a.C) e o Coliseu (90 d.C).

No século 18, a criação do picadeiro em círculo foi de Philip Astley, provável idealizador do circo coberto e itinerante.

"Nos anos 70, temos uma grande virada. Com o surgimento das escolas de circo na Europa, as técnicas deixaram de ser apenas legado de pai para filho", lembra a diretora do Teatro Universitário, da UFMG, Maria Clara Lemos.

A diretora diz ainda que no circo contemporâneo, além das técnicas tradicionais, há mistura de dança e teatro.

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