Mineiro, novo presidente da Sociedade de Cardiologia espera redução da mortalidade

Raquel Ramos - Hoje em Dia
18/01/2016 às 06:44.
Atualizado em 16/11/2021 às 01:03
 (Frederico Haikal)

(Frederico Haikal)

O doutor Marcus Vinícius Bolívar Malachias, de 55 anos, acaba de assumir a presidência de uma das principais entidades médicas do país: a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). É a primeira vez, em 36 anos, que um mineiro ocupa o cargo.

Natural de Araguari, no Triângulo, Malachias graduou-se pela Faculdade de Medicina de Barbacena em 1983 e fez residência em cardiologia na Santa Casa. Ele também tem doutorado pela Universidade de São Paulo e dá aulas na Ciências Médicas de Belo Horizonte.

Agora, como presidente da SBC, tem expectativas altas para os próximos dois anos, quando estará à frente de cerca de 14 mil cardiologistas. Dentre as várias atividades que o órgão já desempenha, pretende dar atenção especial à melhoria da saúde cardiovascular da população. “As doenças do coração são as que mais matam no Brasil. A cada ano, registramos cerca de 350 mil óbitos”, alerta o especialista

No primeiro dia de seu mandato, foi inaugurado um cardiômetro. Do que se trata?

Criamos uma página na internet (cardiometro.com.br) onde há um instrumento que traz, em tempo real, o número de mortes por doenças cardiovasculares no Brasil. É uma forma de alertar a população sobre esse problema. O cálculo foi feito por um grupo da Universidade Federal do Rio, que avaliou a mortalidade dos últimos dez anos e fez uma regressão logística considerando o aumento da população. Hoje, estimamos que 350 mil óbitos por doenças do coração sejam registrados em 2015. Ainda demora para termos certeza de que o dado está correto porque o balanço do Ministério da Saúde é divulgado com dois anos de atraso. Torcemos por mudanças nesse tempo, implementação de políticas que mudem a realidade. Se nada for feito, os dados do cardiôme-tro ficarão bem próximos do real.

Quais são as principais causas das mortes cardiovasculares no Brasil?

Hoje, dois terços das mortes se devem ao infarto e ao derrame. Incluímos no um terço restante todas as outras doenças, com prevalência da insuficiência cardíaca. Metade das mortes poderiam ser evitadas se tratássemos os principais fatores de risco: pressão alta, hipertensão, colesterol alto, diabetes e tabagismo. Acredito que já tivemos grande vitória no combate ao tabagismo. Há dez anos, fumávamos três vezes mais. Se tivéssemos esse mesmo sucesso no controle da hipertensão, colesterol e diabetes, muitas vidas seriam preservadas.

Dos fatores citados, qual traz mais preocupações?

A hipertensão arterial é o fator de risco mais prevalente. Acomete 30% da população adulta e se torna mais comum com o envelhecimento. Aos 70 anos, é quase uma sorte não ter hipertensão porque 70% terão de conviver com isso. Ainda assim, o problema é negligenciado. Entre os quase 40 milhões de brasileiros que têm a doença, 80% a mantém fora de controle. Não tomam remédio, interrompem o tratamento. Tem gente que alega não conseguir fazer dieta ou perder peso. Mas se ao menos tomassem os medicamentos prescritos, viveriam mais. O hipertenso não tratado tem a expectativa de vida reduzida em 16 anos. É muita vida jogada fora.

A situação é semelhante em outros países?

Os Estados Unidos fazem um grande movimento para controlar a hipertensão arterial. Eles acham que têm sido fracassados, mas cerca de 50% dos hipertensos estão sob controle. É um grande avanço se comparado ao Brasil. No Canadá, 65% dos hipertensos estão controlados. Isso é resultado de uma massiva intervenção do governo. Eles medem a pressão do cidadão, fornecem medicamento e acompanham o tratamento. Com essas medidas, economizaram muito dinheiro porque tratar a hipertensão é barato. Basta tomar um ou dois comprimidos por dia. Assim, deixa-se de fazer ponte de safena, transplante cardíaco ou implante de marca-passo.

E o que o governo brasileiro deveria fazer para conseguir resultados melhores?

O caminho é a conscientização da população, começando na escola. As políticas de governo precisam incentivar mais a prevenção. Hoje, até desestimulam que você vá ao médico sem estar doente. Consideram que é uma consulta sem objetivo. O ideal seria uma busca ativa pelas pessoas que têm fatores de risco, antes que desenvolvam problemas mais graves.

O melhor é a prevenção. Mas depois que a pessoa já está doente, que tipo de tratamento ela encontrará?

Na maioria das vezes, o cidadão com problema encontra uma rede pública superlotada. Se tem convênio de saúde, provavelmente vai se deparar com uma unidade sucateada. Há quanto tempo não ouvimos falar de inauguração de hospitais? Em BH, tivemos agora a abertura do Hospital do Barreiro, mas com atraso e capacidade de atendimento aquém da idealizada. Até na rede privada, poucos hospitais surgiram recentemente. Então, o indivíduo doente que procura assistência pode ter dificuldade para ganhar até um leito no CTI, mesmo com plano de saúde.

E no interior?

A situação fica ainda mais preocupante. Temos de fazer uma melhor distribuição da assistência. As cidades pequenas podem criar postos de saúde, construir hospitais de referência por meio de consórcios com outros municípios. Mas preferem comprar ambulância, mandar o paciente para a capital, que já está sobrecarregada. Com frequência, ouvimos falar sobre doação de ambulâncias. Ou seja, pegam o problema de um lugar e jogam para o outro, sem resolvê-lo.

Enquanto essa situação não é resolvida, há pesquisas de destaque na área da cardiologia que podem trazer bons resultados aos pacientes?

Talvez a cardiologia seja uma das áreas da medicina que mais tenha avançado. Antes, tínhamos dois ou três remédios para hipertensão. Hoje, são mais de 600. E já se estuda até mesmo vacina para essa doença. Para o colesterol, está chegando uma leva de medicamentos revolucionários, produzidos a partir da biologia molecular, para pessoas intolerantes às estatinas. Outra novidade é a possibilidade de consertar doenças genéticas. São coisas fantásticas que estão aparecendo. E a boa notícia é que o Brasil tem participado disso. Temos cientistas em destaque em algumas áreas de ultratecnologia. Somos reconhecido como um país que tem produzido conhecimento, que tem produzido tecnologia e, acima de tudo, patentes para o Brasil.

O número de mortes por doenças cardiovasculares continua aumentando, mas, agora, o ritmo de crescimento tem sido um pouco menor

As pessoas costumam ver a saúde como despesa; na verdade, essa é uma forma de investimento e de poupar recursos

Achamos que o Brasil tem um protagonismo na América Latina, mas não em saúde. A maioria dos países está bem à nossa frente em termos de prevenção. Chile, Peru, Colômbia e até a Argentina, que tem passado por crises, têm dados de mortalidade cardiovascular muito melhores que o Brasil

No Brasil, apenas de 15 a 20% dos remédios de uso contínuo são consumidos por mais de um ano. Pacientes param por conta própria ou porque cansaram ou porque não estão sentindo nada

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