Transporte coletivo sob ameaça de colapso

Renata Galdino - Hoje em Dia
21/09/2014 às 08:52.
Atualizado em 18/11/2021 às 04:17
 (Eugênio Moraes/Hoje em Dia)

(Eugênio Moraes/Hoje em Dia)

Se apenas os motoristas dos 91 mil automóveis que passam diariamente pela Praça 7, no Centro BH, aderissem ao apelo do Dia Mundial Sem Carro, celebrado segunda, a chance de haver um colapso no sistema público de transporte seria grande.    Apesar das inúmeras campanhas de conscientização do uso racional do carro, elas só terão efeito com investimento pesado em transporte de massa, com mais opções de modais de qualidade. Caso contrário, as grandes cidades continuarão com aumento na frota de veículos, congestionamentos nas vias e muita reclamação.    Ônibus lotados e metrô com capacidade saturada são entraves para o aumento de passageiros nos dois modais. Esses, inclusive, são alguns dos argumentos que, somados à facilidade de adquirir um carro, tiraram usuários do coletivo nos últimos anos. Pesquisa de opinião feita pela BHTrans com passageiros aponta que, a cada ano, seis em cada dez deles trocam o modal pelo carro. Atualmente, as linhas municipais transportam 1,5 milhão de pessoas em dias úteis.   “Se todos resolverem usar carro, a cidade para. Por outro lado, o transporte coletivo de BH não aguentaria aumento da demanda, como em qualquer cidade do mundo”, frisa Guilherme Tampieri, pesquisador do Instituto de Política de Transporte e Desenvolvimento (ITDP) Brasil e integrante do movimento BH em Ciclo.    Para ele, soluções integradas entre os modais – metrô, ônibus, bicicleta – são urgentes. “Principalmente para a região central, onde há muito deslocamento”. Conforme o Plano de Mobilidade Urbana de Belo Horizonte (PlanMob-BH), a área, com apenas 2,7% do território, atrai 27,5% dos deslocamentos totais, sendo 31% deles feitos por carros.   Passando diariamente pela região, o contador Wilian Sol, de 33 anos, pretende engrossar a estatística de carros nas ruas. Usuário do transporte coletivo, hoje ele leva duas horas para ir de casa, em Venda Nova, até o trabalho no Belvedere (Sul), mesmo usando o Move – sistema que promete agilidade no trajeto, mas que, segundo especialistas, tem prazo de validade. Assim que comprar o carro, o jovem avisa: vai trocar o modal. “Não dá mais pegar ônibus lotado, demorado”, diz.   O coordenador de políticas de sustentabilidade da BHTrans, Marcelo Cintra, enfatiza que o novo sistema está em fase de adaptação. “Quem anda de ônibus avalia melhor: gosta, diz que não tem estresse, vê pessoas, vive a sociedade”, diz. O estudante Bruno Reis, de 27 anos, concorda. Ele escolheu o Move por ter facilitado o deslocamento entre casa, trabalho e faculdade. “Hoje, deixo o carro e a moto na garagem, só uso para distâncias maiores”.   A engenheira de transportes Sabina Kauart Leite afirma que há necessidade de se investir em uma rede de transporte de alta capacidade, constituída por sistemas que se complementem, como linhas de metrô e corredores exclusivos de ônibus. “Além de melhoria das condições de regularidade da oferta, de conforto dos locais de acesso e dos serviços de transporte público”.   Sobre um possível colapso no sistema se houver aumento de passageiros, Cintra garante ser possível atender a demanda. “Temos condições contratuais para absorver, em um tempo rápido, usuários que venham do automóvel. Exige um ajuste, mas os contratos são feitos em cima do conforto do usuário, não sobre atendimento a um número específico de passageiros”, explicou.   Hoje, esse ideal ainda não é alcançado porque os ônibus competem com carros nas vias, e os congestionamentos são frequentes. “Com menos automóveis, os coletivos fariam mais viagens e em um tempo menor”, diz Cintra.   Bairro autossuficiente pode ser alternativa para a redução de carros   Uma das alternativas para reduzir a quantidade de carro particular nas vias das grandes cidades é repensar o modo de distribuição de emprego e moradia por toda a metrópole, transformando-a em uma cidade equilibrada e sustentável. A saída, de acordo com especialistas, é criar condições para que os bairros distantes da área central sejam autossuficientes.    Referência mundial em planejamento urbano, o arquiteto Jaime Lerner, ex-prefeito de Curitiba, afirma que as metrópoles não suportam mais todo o contingente das periferias indo para o centro de manhã e voltando no final do dia, principalmente nos horários de pico. “O planejamento urbano, junto com a sociedade, pode e deve induzir a mistura de vida e trabalho ”, diz.   Esse cenário já está mudando na capital, segundo o coordenador de políticas de sustentabilidade da BHTrans, Marcelo Cintra. “Uma boa parcela da cidade vive sua vida próximo de casa. De acordo com a Pesquisa Origem Destino 2012, 38% das pessoas se deslocam a pé. Muitos não veem, mas há gente escolhendo morar perto do trabalho”.   É o caso do personal trainer Renato Lúcio da Silva, de 33 anos. Cansado de ficar uma hora preso nos congestionamentos no deslocamento de carro entre a casa dos pais no bairro Glória (Noroeste) e o trabalho na Savassi (Sul), ele constatou que ficava muito mais em conta morar ao lado da academia onde é professor. Hoje, o jovem vive a poucos metros do local de trabalho. “Posso caminhar, almoçar em casa. O tempo que ganhei melhorou muito a minha qualidade de vida”, conta.   O conceito de comunidade sustentável começou a ganhar corpo na Grande BH. A exemplo de cidades americanas, o projeto CSul, chancelado por Jaime Lerner, está sendo desenvolvido na Lagoa dos Ingleses para agregar habitação e trabalho no mesmo lugar. Trata-se de um projeto urbanístico que permitirá, segundo Lerner, materializar boa parte dos conceitos de mobilidade urbana sustentável. “Onde a oferta de emprego seja tão grande quanto a moradia e que boa parte das atividades seja feita a pé ou de bicicleta, conectada a Belo Horizonte por meio de um transporte eficiente”, explicou.   Medidas restritivas serão discutidas nos próximos dois anos na cidade   Exemplos de ações que resultaram em melhorias na mobilidade urbana da região central de grandes metrópoles não faltam mundo afora. Muitas das soluções exigiram mudanças radicais, como cobrança de pedágio e restrições de trânsito no perímetro mais movimentado. Em Belo Horizonte, o prefeito Marcio Lacerda anunciou que nenhuma ação extrema será adotada na gestão dele.    Porém, o assunto começou a ser debatido na Conferência Municipal de Política Urbana, realizada entre os meses de março e agosto na capital. Uma das medidas aprovadas é a análise do tema pela sociedade nos próximos dois anos. “São ideias tecnicamente viáveis. O que se discutirá é se a cidade quer isso, não é decisão apenas da prefeitura. Se for definido pela implantação de alguma delas, já haverá estudos sobre os seus impactos”, afirma o coordenador de políticas de sustentabilidade da BHTrans, Marcelo Cintra.   Por enquanto, o gestor diz que a orientação é apostar nas melhorias do transporte coletivo e no incentivo ao uso da bicicleta e andar a pé.    Na avaliação do arquiteto Jaime Lerner, pedágio urbano e rodízio de carros podem amenizar o trânsito, mas devem fazer parte de um conjunto de políticas, intervenções e medidas, além da boa oferta de transporte público.   RESULTADOS   Londres reduziu em 21% o fluxo de automóveis no centro após adotar o pedágio urbano, em 2003. Hoje, quem circula pelo perímetro arca com algo em torno de R$ 42. Quem for pego transitando sem efetuar o pagamento, o bolso vai sentir mais: a multa é de cerca de R$ 140.   Com a mesma ideia, Estocolmo (Suécia) conseguiu diminuir os congestionamentos na área central em 50%, com 20% menos carros transitando pela área. Pedágios mais caros nos horários de pico também acabam desestimulando o uso de carro no centro da cidade.

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