Vítimas de ‘tsunami’ de lama choram fim de comunidade típica do interior de Minas

Clarissa Carvalhaes, Renato Fonseca e Tatiana Moraes - Enviados especiais
07/11/2015 às 07:33.
Atualizado em 17/11/2021 às 02:22
 (Lucas Prates/Hoje em Dia)

(Lucas Prates/Hoje em Dia)

MARIANA – Com pouco mais de 600 habitantes, Bento Rodrigues era reconhecido pela maior parte dos seus moradores como um vilarejo familiar. Assim como toda pequena comunidade interiorana, havia a igreja perto da praça, que ficava perto do bar. Um cenário brutalmente devastado e que, durante toda o dia dessa sexta (6), a imprensa pôde ficar mais perto.

“Conhecíamos todo mundo, cada canto, cada lugar. É incrível como uma cidade que por tanto tempo foi a nossa casa simplesmente desapareceu no meio da lama”, lamentou Altieri Caetano, que, ao lado do irmão Roni Caetano, tentou reconhecer o que sobrou da comunidade.

“A gente era uma cidadezinha danada de bonita. Com direito a praça, igreja, escola. Namoro na rua, amigos no bar. Éramos uma família. Hoje somos luto, porque o que tínhamos aqui dinheiro do mundo nenhum vai nos dar de volta”, completou Roni.

À procura da filha

Quando chegou ao centro de apoio montado para receber as vítimas do soterramento, em Santa Rita, também distrito de Mariana, a estudante Pamella Raiane, de 21 anos, estava em choque. “Eu só ouvi o barulho e corri junto com todo mundo para o lugar mais alto que podíamos. Pensei nos meus filhos, na minha mãe, meu marido. Tudo se perdeu”, lamentou atônita.

A jovem teve notícias do filho (encaminhado para o HPS, em BH), do marido (levado para o hospital de Santa Bárbara) e da mãe (atendida em Mariana). “Mas a minha Emanuele, de 5 anos, eu não sei onde está. Meu marido não conseguiu puxá-la. Não teve forças para segurar os dois. Ela desapareceu”, diz Pamella.

O pedreiro Marcos Eufrásio Messias, 38 anos, estava trabalhando quando ouviu o estrondo. “Era um barulho que eu nunca tinha escutado antes. Por isso, pensei: ‘é a barragem’. Quando corri pra rua, tinha um monte de gente correndo também. Fui junto com eles. A gente olhava pra trás e a lama vinha com toda força. Eu não sei de onde tiramos tanta força. Idosos, crianças. Todo mundo correu para sobreviver. A gente saiu carregando um ao outro. Foi um milagre”.

Dono de um açougue, Agnaldo Pereira, de 42 anos, conseguiu tirar toda a família do local. “ Mas meus animais estavam lá. Gado, cachorro, gato. Tudo ficou para trás. Uma parte da minha vida morreu ali”.

 

Amparo

Por volta das 3h dessa sexta (6), os primeiros resgatados começaram a chegar ao poliesportivo de Mariana. Famílias que passaram horas em meio à mata e à escuridão no alto dos morros do distrito. Na cidade, receberam cuidado e a atenção de pessoas até então desconhecidas, moradores e estudantes de cidades vizinhas. Todos se amontoaram em colchões espalhados pelo chão.

Morador do distrito, Cleiton Joaquim da Silva, de 24 anos, não se conteve e voltou para a área afetada. Ele precisa encontrar a mulher e as duas filhas pequenas. Como conhecia a região, entrou na mata densa e dormiu por lá. Pela manhã, conseguiu chegar ao distrito e encontrou a família salva. “Foi uma cena de filme. Após o acidente, ela saiu de com as meninas e também dormiu na mata”.

 

 

Vistoria realizada minutos antes não detectou possíveis danos

Por volta das 14h de quinta-feira, funcionários da Samarco perceberam tremores na barragem de Fundão. Uma comissão da empresa foi convocada para avaliar possíveis danos, mas nada foi constatado. Porém, 50 minutos depois, tudo foi abaixo.

“Primeiro se rompeu a barragem de Fundão, que é de rejeitos de minério. Depois, a de Santarém, que é de água. Elas formaram uma onda que se propagou”, explicou o diretor-presidente da Samarco, Ricardo Vescovi. Uma terceira barragem, de Germano, está em constante vistoria pela equipe da Samarco. O gerente de projetos da companhia, Germano Silva Lopes, não descarta problemas na estrutura.

Para avisar à população, foram realizadas ligações telefônicas, ação bastante criticada. Defesa Civil, prefeituras e líderes comunitários foram acionados.

A barragem de Fundão era preparada para uma obra de ampliação. A Samarco descartou que a intervenção tenha tido alguma influência no acidente, mas informou que estudos técnicos serão realizados para apurar o caso.

Mais conforto

Segundo o governo do Estado, desabrigados provisoriamente levados para o ginásio poliesportivo serão acomodados em hotéis de Mariana e região. “Aqui (na arena), realmente não tem condições de abrigar durante muito tempo essa quantidade de pessoas. A própria empresa está fornecendo vagas”, disse o governador Fernando Pimentel.

Acompanhando do ministro da Integração Nacional, Gilberto Occhi, Pimentel sobrevoou as áreas atingidas. A Polícia Civil instaurou inquérito para apurar as causas dos acidente.

O promotor de Direitos Humanos Guilherme de Sá Meneghin instaurou procedimento para que as vítimas do rompimento das barragens da mineradora Samarco sejam indenizadas

 

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