Esgoto industrial Inviabiliza despoluição da Lagoa da Pampulha

Ricardo Rodrigues - Hoje em Dia
02/04/2015 às 07:08.
Atualizado em 16/11/2021 às 23:28
 ( Carlos Henrique/Arquivo Hoje em Dia)

( Carlos Henrique/Arquivo Hoje em Dia)

A limpeza da Lagoa da Pampulha não esbarra somente no contínuo lançamento de esgoto doméstico no local, mas também nos efluentes industriais e do comércio, carregados por córregos que ali deságuam. Uma das con-sequências é o mau cheiro, em vários pontos da orla, fruto da reação química de metais pesados identificados na barragem.   A constatação está em estudo realizado entre agosto e dezembro do ano passado, encomendado pelo consórcio responsável por despoluir a lagoa. A limpeza, orçada em R$ 40 milhões, só irá começar quando todo o esgoto doméstico da bacia da Pampulha for interligado à rede coletora pela Copasa. É preciso também vencer as ações judiciais que impedem a empresa de atuar em 17 áreas de Contagem e de Belo Horizonte.   Enuxugar gelo   Porém, segundo o pesquisador responsável, Ricardo Motta Pinto Coelho, coordenador do Laboratório de Gestão de Reservatórios (LGAR) da UFMG, é preciso resolver também a questão dos resíduos de atividades produtivas. Se o descarte ilegal desse tipo de efluente não for interrompido, afirma, a água jamais será limpa.   Conforme Coelho, centenas de empreendimentos de porte se encontram nos 97 km da bacia hidrográfica. Na avaliação dele, a fiscalização dos processos de descarte não tem sido realizada devidamente.   Durante o estudo, o monitoramento da orla aconteceu a partir de 21 pontos da represa, onde foram feitas coletas de amostras da água e de peixes para análise.    Rota dos poluentes   Os resíduos chegam ao espelho d’água principalmente pelos córregos Água Funda (o pior deles), Mergulhão, Ressaca e Sarandi. “Por ali, entra a maior parte da poluição causada por efluentes industriais”, afirma Coelho. Oito mananciais despejam esgoto todos os dias no reservatório.   Ainda de acordo com Ricardo Coelho, a Pampulha é contaminada, inclusive, por empreendimentos de grande porte (indústrias de galvanoplastia e de plásticos, gráficas, hipermercados, shoppings centers, garagens de ônibus e oficinas mecânicas).    Alerta   A presença de lixos industrial e eletrônico seria a causa da contaminação persistente da represa por metais pesados (cádmio, zinco, chumbo), amônia, nitrito e nitrato, além de óleos e graxas. Por isso, reforça o pesquisador da UFMG, não adiantará à Copasa coletar somente o esgoto doméstico.    “As concentrações de sólidos em suspensão exibem valores muito elevados, incompatíveis com uma água de boa qualidade, para um reservatório que é visto como o principal cartão-postal da cidade”.    Um relatório com as constatações do estudo foi entregue, no mês passado, à Prefeitura de Belo Horizonte. A reportagem do Hoje em Dia solicitou um posicionamento da Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap) sobre o assunto, mas o órgão não se manifestou.    A Copasa, que alega bastar a retirada das ligações clandestinas de esgoto doméstico para dar início à limpeza da água, também não destacou ninguém, nesta quarta-feira (1º), para falar sobre os efluentes industriais.   Em toda a cidade, bueiros são usados indevidamente   A rede de escoamento da água da chuva é o principal caminho percorrido pelos efluentes industriais e de atividades comerciais. “A água de esgoto é jogada na rede pluvial (que coleta água de chuva) de forma clandestina, em bueiros, por exemplo. Belo Horizonte está cheio disso. É um problema crônico em toda a cidade”, disse o coordenador do Laboratório de Gestão de Reservatórios (LGAR), Ricardo Coelho.    Segundo ele, é preciso mais efetividade do Programa de Recebimento e Controle de Efluentes Para Usuários Não Domésticos (Precend), implantado pela Copasa em 2003 especificamente para combater o descarte ilegal de resíduos industriais e afins.   “Duas perguntas que não querem calar: será que todos os empreendimentos estão sendo fiscalizados quanto à destinação correta de seus efluentes? Será que todos os empreendimentos localizados na bacia da Pampulha estão dentro do Precend? A Copasa tem de analisar isso. Ela não pode simplesmente falar que o problema da bacia deve-se às ligações de esgoto que não foram feitas”, questiona o pesquisador.    Basta circular pela região para notar que muitos empreendimentos não implantaram sistema de reúso da água.   A situação da bacia da Pampulha foi relatada à Comissão de Meio Ambiente (CMA) da Assembleia Legislativa, ao presidente do Tribunal de Justiça e aos secretários de Meio Ambiente de Belo Horizonte e de Contagem.    Nem tilápia resiste à contaminação por metais pesados   A engenheira de pesca Fernanda de Freitas Andrade, doutoranda em ecologia de reservatórios e uma das pesquisadoras envolvidas no estudo, reitera que a qualidade da água na Pampulha piorou por conta da contaminação por metais pesados. “Em 2014, nos experimentos que fizemos, a maioria dos peixes morreu. E olha que tilápia (espécie usada na pesquisa) vive em qualquer lugar”, diz.    Segundo ela, foram detectados metais pesados em peixes mantidos nos três tanques-rede colocados na lagoa. “No dia 30 de setembro, por exemplo, foi observada a entrada de resíduos por meio de sondas”.   Apesar de a prefeitura ter retirado 800 mil metros cúbicos de sedimentos da lagoa e de a Copasa ter investido na despoluição, afirma Ricardo Coelho, a água da lagoa continua tão poluída quanto antes”, afirma o professor Ricardo Coelho, que faz pesquisas no local há 35 anos.    Causas   Para ele, as obras não surtiram o efeito esperado. Se a qualidade da água deixa a desejar e a situação só está piorando, assinala, é preciso descobrir por que isso está acontecendo.    A solução seria uma ação integrada para despoluir a bacia. “Antes de gastar mais R$ 40 milhões, a prefeitura precisa identificar onde está o problema e fazer um trabalho integrado para buscar a solução. Não dá para despoluir a Lagoa da Pampulha se não soubermos de onde vêm os efluentes. Feito isso, não será complicado despoluir”, destaca o pesquisador.    Segundo ele, as barreiras políticas são o maior entrave. Na Pampulha, continua, a governança das águas está emperrada em pelo menos três sistemas: saneamento público, gestão de águas (unidades de conservação da natureza) e licenciamento ambiental, que envolvem vários órgãos com atribuições diferentes e que agem de maneira contraditória. 

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