Reconhecido como um dos grandes celeiros de exímios violonistas no Brasil, Belo Horizonte recebe, a partir dessa sexta, dia 10, mais uma edição – a oitava – do “Festival Internacional de Violão”, com uma programação que inclui master classes, oficinas e, claro, apresentações, em locais como a Fundação de Educação Artística (FEA), o Sesc Palladium, o Grande Teatro do Palácio das Artes ou o Conservatório UFMG. Em cena, nomes para se bater continência, do naipe de Maurizio Gandinetti, Projeto Novas, com Elodie Bouny, Alexandre Gismonti, Carlos Walter e Guilherme Vincens, Aliéksey Vianna Trio, Yamandu Costa e o Duo Assad.

Aliás, a performance dos irmãos Sérgio e Odair está inserida na turnê alusiva aos seus 50 anos de carreira do Duo Assad, e tem como base o CD “O Clássico Violão Popular Brasileiro”. Esta é, vale dizer, a primeira vez que os dois participam deste evento específico, idealizado pelos violonistas (claro!) Aliéksey Vianna, Fernando Araújo e Juarez Moreira com o intuito de promover, aqui, um projeto dedicado a um instrumento.

“Nas nossas visitas irregulares ao Brasil (os dois paulistas residem no exterior desde os anos 1980 – Sergio em São Francisco, EUA, e Odair em Bruxelas, Bélgica), a gente até vai a BH com certa frequência, e temos um público que reage bem ao que fazemos. Claro, a gente sabia do evento, mas nunca tivemos a oportunidade de participar. Achamos uma feliz coincidência o festival ter mudado de época e, assim’ podermos marcar presença”, disseram os dois, que concederam, na última segunda, uma webcoletiva.

“Toda vez que passamos aí, visitamos o professor Lucena (José Lucena Vaz), que organiza uns bons momentos violonísticos em sua casa, com presenças como as do Aliéksey, do Juarez, do Toninho Horta e de outros grandes nomes do violão mineiro”, frisam. Em relação ao repertório do disco, os Assad frisam ter escolhido os “violonistas mais influentes do Brasil e do mundo”. Gente como Radamés Gnatalli, Egberto Gismonti, Garoto e Baden Powell.

Pipoca com música

Baden Powell também é uma das influências listadas por um nome que não tem, ao menos por hora, a pretensão de integrar a programação de um evento do porte do “Festival de Violões”. Mas que, quase anonimamente, vem chamando atenção para o mesmo instrumento, o violão.

“Pipoca saindo quentinha”, anuncia o rapaz, que se incumbe do carrinho de guloseimas em frente ao Cine Belas Artes. “É seu?”, pergunta a cliente, referindo-se a um segundo – e não menos saboroso – produto, mostrado discretamente na lateral do carrinho, e vendido ali a R$ 10. Thiago de Matos não titubeia.

“Isso mesmo, linda! Sou compositor também. E este é o meu trabalho autoral”, diz, apontando para “Canções dos Campos de Lá”, que mostra arranjos equilibrados e com um toque jazzístico – mas sem ser pretensioso e sem negar a raiz brasileira. Algumas faixas são interpretada por Milu Cox.

‘Sempre digo: é dedicação, dedicação e dedicação’

Thiago de Matos é apenas mais um exemplo a corroborar a tese de que o violão tem mesmo um poder de sedução especial por estas plagas. E sua história é daquelas que enternecem até os corações mais empedernidos. O carrinho de pipoca que pertence à mãe do rapaz está há 20 anos no ponto do cinema, na rua Gonçalves Dias, nas proximidades da Praça da Liberdade.

Ali também trabalha o segurança da sala – e violonista nas horas vagas – Antonio Roberto, o “Toninho”. Quando Thiago assumiu a frente do “empreendimento familiar”,e já escrevia poemas. E os mostrou ao violonista amador. Com a palavra, Toninho: “Vi que as letras tinham sonoridade e disse para ele estudar música”.

Enquanto o pupilo não aderia à ideia, o veterano segurança resolveu “aplicar” o vizinho com aquilo que considerava “música boa”. No caso, sambas de Cartola, a bossa nova de João Gilberto e a brasilidade de Dorival Caymmi.

“Na época, estava passando, aí dentro (no Belas Artes), aquele filme do Cartola. Então, falei com ele: ‘Vai ver’”. O filme ao qual se refere o mentor era o documentário “Cartola: Música para os Olhos” (2007). E, bem, Thiago foi. Gostou tanto do que viu que resolveu vender o videogame para comprar um instrumento – mas, por uma dessas armadilhas do destino, teve o dinheiro roubado. Para seu consolo, o avó sentiu pesar, tirou o valor exato do bolso e bancou o instrumento para o neto. “Então, chamei o Toninho e fomos à Serenata Musical”, lembra Thiago, referindo-se à conhecida loja de instrumentos da capital.

Daí, o jovem músico não parou mais com a pesquisa musical: Jacob do Bandolim (1918-1969), Guinga, o já citado Baden Powell... Hoje, Thiago estuda violão clássico na Escola de Cultura, do Sesi.

Histórias Comoventes

“Atualmente, não toco muito, mas sempre falo para o Thiago: ‘Violão é dedicação, dedicação e dedicação’”, repete Antonio Roberto. O segurança, por seu turno, diz ter aprendido violão de uma maneira bastante particular: vendo um motorista de ônibus “que tocava um banjo como ninguém, lá do Pindorama, onde eu morava”.

“Eu era menino”, lembra Antonio. Anos depois, com Thiago como o personagem mais recente desta trama, era como se a história se repetisse, mesmo Antonio estando afastado da na noite belo-horizontina, por causa de uma lesão no braço.

Agora, era o violonista que, tal e qual o inusitado motorista de ônibus que tocava banjo como ninguém, servia de inspiração. Aliás, ainda serve. Tanto que o pipoqueiro compositor vai logo contestando seu mestre. “Não toca muito? Modéstia toda à parte, hein, Toninho?"

* Colaborou Cássio Leonardo/ Especial para o Hoje em Dia

Serviço

“8º Festival Internacional de Violão de Belo Horizonte – FIV”– Site: festivaldeviolao.com.br

Facebook: facebook.com/FIVBH

Abertura: dia 10, às 20h, na Fundação de Educação Artística (rua Gonçalves Dias, 320, Funcionários – Informações: 3409-8300). Atração de abertura: Maurizio Grandinetti (Itália).

Projeto Novas – Elodie Bouny, Alexandre Gismonti, Carlos Walter, Guilherme Vincens (França/ RJ/MG). Ingressos: R$ 10.  

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