'Dheepan' - Ganhador do Festival de Cannes estreia no cinema

Paulo Henrique Silva* - Hoje em Dia
05/11/2015 às 07:23.
Atualizado em 17/11/2021 às 02:21
 (Califórnia)

(Califórnia)

SÃO PAULO – Faltam confiança e sensibilidade em Jacques Audiard para desenvolver a história de “Dheepan – O Refúgio” apenas com a inusitada “família” formada por intenções que nada têm de amorosas: da garota ao suposto casal de imigrantes do Sri Lanka, o que todos querem é sair do país, em guerra civil, para a Europa.

Um dos destaques da programação da 39ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e em circuito comercial a partir desta quinta, o filme se constrói em sua primeira parte em torno da dessa farsa: em troca do sossego e da felicidade num país desenvolvido como a França, esse trio precisa se portar como uma família tradicional, criando falsas afetividades.

O homem é um ex-combatente do grupo separatista Tamil Tigers. A mulher só pensa em si, rejeitando ser a mãe postiça de uma garota de oito anos. Essa sim, talvez a mais carente de seus pais postiços. Mas aos poucos cada um vai desempenhando seu papel mesmo longe dos olhares curiosos, talvez por simplesmente se verem como iguais numa terra estrangeira.

Audiard, que ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes com “Dheepan”, sempre que possível se debruça sobre a questão dos imigrantes na França, em especial os muçulmanos. Foi assim em “O Profeta” e “Ferrugem e Osso”. No novo filme, porém, ele não se satisfaz com esse olhar carinhoso em torno da luta dos imigrantes para não perderem a sua identidade.

Quer mostrar também que seus anfitriões não têm nada de caridosos e virtuosos. Os cingaleses vão morar num conjunto de prédios de subúrbio dominados por gangues de traficantes. E não deixa de ser curioso que Dheepan seja o zelador, responsável por “consertar” aquela comunidade que vive com medo e sem nenhuma autoridade legal para protege-la.

As atrocidades que Dheepan vivenciou no Sri Lanka surgem como “flashes”, vindos de um passado (que não existe mais?), enquanto a realidade francesa se torna cada vez mais opressiva. A mulher se torna momentaneamente a protagonista, ao se aproximar do chefe da gangue, que é gentil com ela, como se Audiard buscasse pontos comuns entre esses párias da sociedade.

Mas essa proposta se perde completamente quando o filme volta a se concentrar no personagem masculino, que nos remete a um transtornado Michael Douglas em “Um Dia de Fúria” (1993), depositando anos de frustrações numa vingança que fecha mal a trama, deixando várias pontas soltas e apostando numa solução simplista.

- A história de Dheepan é uma adaptação livre de “Cartas Persas”, do filósofo francês Montesquieu, publicado anonimamente em 1721.

 

Outras estreias

Filmes nacionais ganham destaque na programação

Uma atriz italiana no banheiro, à espera do resultado do teste de gravidez. A cena chamou a atenção do produtor executivo de “Olmo e a Gaivota”: ninguém menos que o ator americano Tim Robbins. A diretora Petra Costa lembra, com humor, da constatação de Robbins, ao dizer que se tratava do primeiro filme a exibir, de maneira explícita, uma mulher urinando. “O engraçado é que essa cena motivou uma polêmica com o montador, que queria cortá-la, devido aos pêlos. A discussão era mostrar ou não os pêlos”, ri.

A última palavra acabou sendo da mineira, que travou o que define como uma “guerra” na pós-produção do longa, que chega nesta quinta (5) aos cinemas. Ela defende a sequência como o “registro de um momento de criação do ser humano” e a “descoberta do que está dentro de si”.

Na verdade, a ideia inicial de Petra e da codiretora dinamarquesa, Lea Glob, era mostrar um dia na vida de uma mulher. “Quando começamos o filme, a Olivia Corsini (atriz) não estava grávida. Com a novidade, vimos que o foco poderia ser a mudança que a gravidez gera no corpo e na mente”, assinala Petra.

A notícia da gravidez se dá em meio à preparação da turnê da peça “A Gaivota”, de Tchekhov. Além dos limites profissionais, a gestação gera mudanças de humor e medos, muitas vezes confundindo realidade e ficção, entre Olivia e as personagens da peça.

Drummond

Também estreia nesta quinta (5) “O Último Poema”, de Mirela Kruel. Trata-se de um documentário poético sobre a história de Helena Maria Balbinot, professora do interior, que se correspondeu, por 24 anos, com o poeta Carlos Drummond de Andrade. O longa-metragem revela parte de um acervo de cartas inéditas, mas traz também cenas poéticas de uma amizade reinventada.

*O repórter viajou a convite da organização da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por