Filme sobre o cineasta russo Eisenstein acompanha a afirmação de sua sexualidade

Paulo Henrique Silva
03/11/2015 às 10:07.
Atualizado em 17/11/2021 às 02:19
 (MSP/DIVULGAÇÃO)

(MSP/DIVULGAÇÃO)

SÃO PAULO – Em filmes como “O Cozinheiro, o Ladrão, sua Mulher e o Amante” (1989) e “O Livro de Cabeceira” (1996), o diretor inglês Peter Greenaway sempre imprimiu um peso maior às imagens em relação aos diálogos, com o elenco se tornando, muitas vezes, um elemento mais pictórico do que dramatúrgico.


Em “Que Viva, Eisenstein! Dez Dias que Abalaram o México”, exibido na 39ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, ele realiza o seu filme mais equilibrado. Cinebiografia sobre a passagem do diretor russo Sergei Eisenstein (de “Encouraçado Potemkin”) pelo México, na década de 30, há pelo menos duas cenas potentes, que fundem perfeitamente imagem e texto.


A primeira é quando o Eisenstein assume plenamente a sua homossexualidade na quente e folclórica Guanajuato, com um belo amante latino. Longe de reforçar o clichê, Greenaway apenas flerta com ele, de maneira satírica, para estabelecer outra via de dominação, percebido no discurso de Palomino enquanto penetra num confuso diretor de 33 anos.


Interpretado por Luis Alberti, o amante, mais do que um corpo bem torneado e bronzeado, destila sua sagacidade e poder de convencimento, sussurrando ao ouvido do branquelo e gordo Eisenstein (na pele do finlandês Elmer Bäck) a ideia de um Novo Mundo originário dos seres primitivos que atravessaram o estreito de Behring, saídos de territórios russos.


A ideia da cena é mostrar esses “povos” se reencontrando, de uma maneira invertida, sobre a cama, a partir de um mexicano sedutor, libertário e sabedor de suas escolhas, que faz o caminho de volta pelo “estreito”, com todas as conotações sexuais que isso pode gerar, refletindo-se numa experiência transformadora para o realizador.


Eisenstein vê seu mundo posto de cabeça para baixo - o que explica o subtítulo, uma referência ao filme “Outubro”, também conhecido como “Os 10 Dias que Abalaram o Mundo”.  Na ótica de Greenaway, ele fazia o tipo intelectual abafado em sua sexualidade e medroso, simbolizado na mosca que várias vezes o acompanha, suspeita de ser uma espiã russa.


O diretor é ininterruptamente “violentado” na trama, na apresentação de uma cultura colorida, mística e ambígua. E ele processa todas essas informações pelos órgãos de digestão, por assim dizer. Como ter uma forte dor de barriga após experimentar a culinária mexicana, sujando toda a sua roupa – sempre branca, que pressupõe um certo tipo de pureza.


Essa ingenuidade misturada ao jeito excêntrico vira alvo dos russos, mas também incomoda os americanos, principalmente o casal Sinclair, de tendências socialistas, que patrocina a investida de Eisenstein pelo México, na época da Revolução. A dedicação ao trabalho, uma premissa ianque, não é compartilhada pelo cineasta, que abandona o filme para viver seu amor.


Esse choque é exibido em outra cena forte, que também tem a cama como cenário, quando o protagonista é acordado por Mary Sinclair. Ela tenta força-lo a voltar ao set. O quarto de hotel é transformado numa espécie de palco giratório, com a câmera circulando a cama constantemente. Tanto os russos como os americanos passam a vigiá-lo e recrimina-lo.


Ao mesmo tempo em que dá assas a essa loucura de Eisenstein, em forma de ficção, Greenway recorre a registros documentais para mostrar que sua visão não está longe de verdade. São fotos e desenhos que ilustram a intensidade do mergulho do realizador na cultura mexicana, muitas vezes sem querer, como o momento em que carrega um bebê morto por fome.


A homossexualidade de Eisenstein nunca foi provada, apesar das evidências presentes em cartas trocadas com a secretária Pera ¬– no filme, elas viram contatos telefônicos -, com quem ele se casaria ao retornar para a Rússia. Greenaway sustenta o tom exagerado lembrando que até “Outubro” fantasiou a própria Revolução Russa com tintas nacionalistas.

(*) O repórter viajou a convite da organização da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

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