Pesquisador lança um novo olhar sobre Mário de Andrade

Elemara Duarte - Hoje em Dia
06/09/2015 às 12:14.
Atualizado em 17/11/2021 às 01:39
 (Walter Craveiro/Divulgação)

(Walter Craveiro/Divulgação)

Eu sou trezentos, sou trezentos e cinqüenta,/ As sensações renascem de si mesmas sem repouso,/ Ôh espelhos, ôh Pirineus! ôh caiçaras!/ Si um deus morrer, irei ao Piauí buscar outro!”. Os versos de Mário de Andrade (1893-1945) soam como auto-definição: múltiplo, quase inesgotável e um incansável peregrino em busca da essência brasileira e do seu fazer artístico e crítico. Agora, esta fase de um dos pais do Modernismo é o alvo do pesquisador Eduardo Jardim. Ainda cruzando o país – incluindo BH, no mês de agosto – para divulgar seu mais recente livro, o ensaio biográfico “Eu Sou Trezentos: Mário de Andrade – Vida e Obra” (Edições de Janeiro), Jardim antecipa que o lado “viajado” do paulista terá histórias inclusive sobre a decisiva passagem dele por Minas. Acompanhe a conversa que o Hoje em Dia teve com o biógrafo carioca:

A caravana modernista que primeiramente passou por MG, em 1924, trazia Andrade, que aqui, em BH, conheceu Drummond. Em que MG contribuiu para a visão de mundo autor?
Aquele foi um momento de virada na história do Modernismo. Mário e os demais passaram a entender que só pela afirmação dos traços nacionais da nossa cultura seria assegurada a modernização. Foi em Minas que, em um primeiro momento, os modernistas encontraram os traços da brasilidade – na sua arte colonial. Mário viu, por exemplo, em Aleijadinho, os elementos mais originais da formação de uma arte nacional. Muitas descobertas feitas em Minas continuaram orientando as formulações dos modernistas. Estou também preparando um livro sobre as viagens de Mário, inclusive a Minas, com a participação de vários autores.

O que diferenciava Mário de Andrade dos demais modernistas?
Foi ele quem formulou todas as propostas renovadoras do Modernismo. Era certamente o mais preparado de sua geração.

Sente que a memória de MA parece ser a que mais “sobreviveu” ao tempo, se comparada com a dos demais modernistas?
Mário de Andrade foi muito estudado na universidade, nos cursos de Letras, sobretudo, mas logo se tornou um autor consagrado e isto diminuiu o interesse dos novos pesquisadores – ele se tornou quase inatingível. É verdade que isto favoreceu a preservação dos seus escritos. Mas repare como por muito tempo as pessoas se interessaram mais por Oswald de Andrade do que por Mário! Acho que isto está mudando. Hoje se observa um novo interesse por Mário de Andrade, sua obra está sendo reeditada, e certamente novos leitores estão aparecendo.

Dando um pulo no tempo, que outra personalidade do século 21 mais se assemelha a MA?
Já não há mais lugar para personalidades como a de Mário de Andrade. Ele voava muito alto e em todas as direções. Hoje a realidade é bem diferente. Os escritores fazem só literatura! Professores só ensinam! Artistas só fazem arte! E não se tem uma visão da importância da arte para a formação do país. Temos que pensar nestas diferenças para termos a medida de quem foi Mário e de quem somos nós.

Sobre a possível homossexualidade de MA, assunto que voltou à tona recentemente, com a leitura de uma carta que o autor deixou... Encontrou alguma informação sobre o assunto nas suas pesquisas?
Abordei o assunto no meu livro “Eu Sou Trezentos”. Por muito tempo foi uma espécie de tabu comentar o tema, hoje não é mais. Mário de Andrade foi um homem muito sensual e ao mesmo tempo muito crítico. Sua vida e sua obra são marcadas por muitas contradições, o que faz dele um personagem complexo e muito rico. É possível que vivesse também de forma tensa sua vida sexual. Mário foi um crítico muito agudo dos costumes conservadores do seu tempo. Foi um dos primeiros leitores de Freud no Brasil! Escreveu um conto muito importante – “Frederico Paciência” – sobre o amor de dois rapazes. Um amor infeliz, que não se realiza por causa dos interditos sociais.

O clarear deste assunto tem relevância para a “bio” deste artista?
É importante conhecer sua vida para poder conhecer melhor sua obra, já que ela está presente de forma intensa em tudo que ele fez. Ao mesmo tempo, sua vida foi dedicada a construir uma obra. Não dá para entender uma sem a outra. Mário é gigantesco, falta muito ainda para compor um retrato mais inteiro.


Mário de Andrade foi o autor homenageado na recente edição da Festa Literária de Paraty; já o livro “Macunaíma” ganhou nova edição, assim como a coletânea de contos e crônicas “O Melhor de Mário de Andrade”, pela Nova Fronteira

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por