Time do Progresso, de Angola, experimenta sonho no país do futebol

Gláucio Castro - Hoje em Dia
16/02/2015 às 08:37.
Atualizado em 18/11/2021 às 06:02
 (Lucas Prates)

(Lucas Prates)

“Eu era pequeno. Ouvia o barulho dos tiros e me escondia debaixo da cama. Era um horror. Lembro das balas passando à noite e deixando um rastro na escuridão”. O relato emocionado do angolano Manuel André, 19 anos, mostra que a infância no bairro humilde de Sambizanga, em Luanda, capital da Angola, não foi nada fácil.   “Ainda bem que eu era criança, porque, se eu já tivesse a idade que tenho hoje, seria recrutado para a guerra. Talvez, não estaria aqui, e sim morto ou com alguma sequela”, completa. Tímido no início, o jovem não economiza sorrisos após alguns minutos de conversa, mesmo que o assunto seja as dificuldades sofridas num país assolado pela guerra civil até 2002.   Quando criança, Manuel sonhava em ser jogador. Não deu certo. Teve que começar a trabalhar cedo para ajudar a família. Para não ficar longe da bola, conseguiu um emprego na comissão técnica do Progresso, clube africano que mais uma vez escolheu Belo Horizonte para realizar sua pré-temporada. É a primeira vez que o jovem do país onde nasceu. Ele é praticamente um “faz tudo” do time e diz estar vivendo um sonho depois de tantas dificuldades.   Volta para casa   Junto com a delegação, ele atravessou o Atlântico nesta madrugada levando na bagagem sonhos e aprendizado. Depois de mais um “estágio” em terras brasileiras, os jogadores angolanos têm agora o desafio de melhorar o desempenho da equipe no Girabola, principal competição de futebol do país e que começa nesta semana. A melhor colocação foi em 1994, quando terminaram na terceira posição.   “A guerra quase nos destruiu. Mas a Angola está em um processo de crescimento muito bom. Viemos aqui aprender um pouco mais de futebol. A maneira que o jogador brasileiro trata a bola é diferente”, compara o meia Luis Sousa, de 29 anos, no Progresso desde os 14. Fã de Neymar e Cristiano Ronaldo, tudo que ele mais deseja é um contrato com um clube europeu ou brasileiro.   “O jeito que vocês (brasileiros) tocam, driblam e chutam é o que mais me impressiona. Fico observando tudo”, completa o volante Brazuka, de 26 anos. Apesar de já ter estado no Brasil durante as outras pré-temporadas do Progresso, o apelido foi dado graças à amizade com um brasileiro que vivia em Luanda.   O atacante angolano Geraldo, do Coritiba, e o camaronês Joel, do Cruzeiro, africanos que também passaram por dificuldades semelhantes e alcançaram visibilidade no futebol internacional, são hoje exemplos a serem seguidos.   Estrutura brasileira atrai cada vez mais clubes africanos para os períodos de pré-temporada   Língua, clima e alimentação semelhantes, além da qualidade e estrutura do futebol pentacampeão mundial, são os principais fatores que atraem cada vez mais clubes africanos ao Brasil durante suas pré-temporadas. O Progresso está em sua quinta visita. Asa, Nacional e Santos também já passaram por aqui.   Graças a uma parceria com o Cruzeiro, a Toca da Raposa I serve como hotel e centro de treinamento. Antes de Belo Horizonte, o Progresso já fez pré-temporada na África do Sul e outros países daquele continente. “Mas a estrutura aqui é impressionante. Tudo em um lugar só”, elogia o zagueiro Lawrence Phiri, da Zâmbia, que se mudou para Angola para levar adiante o sonho de ser jogador profissional.   Atualmente, grande parte dos times angolanos são formados por profissionais, e os atletas conseguem viver exclusivamente do futebol. “Já consegui comprar minha casa, e tenho uma vida confortável. Agora, quero ajudar minha família”, relata o meia Luis Sousa, de 29 anos. O lateral-direito Mhieus Piniego, de 28, também se orgulha de tirar o sustento do contrato com o clube.   Salários   O vice-presidente do Progresso, Manuel Antônio da Silva Dias dos Santos, diz que os salários no Progresso variam de US$ 2 mil a US$ 5 mil por mês. “A situação melhorou bastante depois que a guerra terminou. Os empresários estão investindo mais, mas muitos ainda estão receosos. Estamos procurando outros patrocinadores para tentar melhorar nossas condições”, explica. Apesar de modesto, o centro de treinamento do clube conta campo de futebol gramado, além de quadras para outros esportes.   No que depender do vice-presidente, o Progresso ainda deverá voltar muitas vezes a BH. “A cada vinda, a gente leva um aprendizado enorme, tanto da parte tática, quando da organização e parte física”, salienta.   Entre salários e outras despesas, o Progresso gasta cerca de US$ 800 mil por mês. O clube estuda uma parceria com o Cruzeiro para o intercâmbio de atletas.   Creme de açaí divide opiniões de jogadores, mas tradicional pão de queijo é unanimidadec
  “É muito azedo. Não gostei”, avalia Manuel André, fazendo careta. “Eu achei ótimo”, aprova Luis Sousa. “Eu também gostei muito. Bem saboroso e refrescante”, completa Brazuka, depois de experimentarem pela primeira vez uma tigela de creme de açaí.   Os momentos de folga são raros. Mas, entre, um treinamento e outro, os angolanos arrumam um tempinho para passear pela capital mineira e provar os sabores típicos de Minas Gerais e do restante do país.   Se o açaí divide opiniões, o pão de queijo é uma unanimidade. No mais, eles não encontraram muitas diferenças entre os pratos servidos aqui e do outro lado do Atlântico.   Quando não estão treinando, os jogadores do Progresso aproveitam a própria estrutura da Toca da Raposa para relaxar, mas também saem para visitar a Pampulha e alguns pontos da capital mineira. Como o tempo livre foi curto, os principais cartões postais não puderam ser explorados como gostariam.   Uma das maiores diversões era ir ao shopping ou ao centro da cidade conhecer lojas, buscar novidades e comprar lembrancinhas para os parentes. Em sua primeira viagem fora de Angola, Manuel André viveu praticamente um sonho. “A primeira coisa que eu comprei foi um chinelo com as cores da bandeira do Brasil. O país é muito famoso lá. Todo mundo conhece o Cristo Redentor e o Rio de Janeiro”, diz.   Apaixonados pelo futebol brasileiro, eles não poderiam deixar de visitar um dos principais estádios do país. Na semana passada, viram o Cruzeiro empatar com a Caldense, em 1 a 1, no Mineirão. Todos os detalhes estão registrados nas câmeras e telefones celulares.   Apesar de terem rasgado elogios ao palco dos 7 a 1, já estão “acostumados”.   Construído para a disputada da Copa Africana das Nações de 2010, o Estádio Nacional de Luanda, inaugurado em 2009 com capacidade para 50 mil torcedores, também conta com boa infraestrutura.

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por