Peixes somem do Rio São Francisco

Ricardo Rodrigues - Enviado Especial
27/09/2014 às 09:19.
Atualizado em 18/11/2021 às 04:22
Criança é encontrada sem vida no Rio São Francisco  (Flávio Tavares/Hoje em Dia)

Criança é encontrada sem vida no Rio São Francisco (Flávio Tavares/Hoje em Dia)

SÃO ROQUE DE MINAS E PIUMHI – A redução no volume de água no rio São Francisco, causada pela falta de chuvas no Estado, ameaça a desova dos peixes na época da piracema – que na bacia começa em 1º de novembro. O temor dos pescadores é que, sem precipitações, o período seja pior do que o registrado em 2013, quando a estiagem também prejudicou a reprodução e a pesca no Velho Chico. Na piracema, os peixes sobem para as cabeceiras dos rios e os pescadores ficam proibidos de capturar qualquer espécie nativa.   No trecho entre São Roque de Minas, Vargem Bonita e Piumhi, os peixes estão descendo o rio ao invés de subir para a piracema: secaram os poços onde os cardumes se reproduzem. A esperança dos pescadores é de que chova e o nível do rio aumente. Dessa forma, lagoas marginais e alagadiços serão abastecidos, permitindo condições adequadas para a desova.   Praticante da pesca esportiva, Paulo César Batista, de 37 anos, afirmou que em 2013 tinha mais água no rio São Francisco. “Neste ano não se pesca nada, não tem peixe mais”, lamentou. “No ano passado, a maioria dos peixes não desovou, pois não houve pressão para os cardumes subirem o rio. Se não cuidar, vai acabar o peixe”, disse o pescador profissional José Francisco de Andrade, de 38 anos. Segundo ele, como a produção na região está em queda, pescadores estão deixando a atividade, migrando para o comércio e agricultura.   Para o ambientalista Carlos Antônio Ramos Cabete, de 57 anos, o ideal seria proibir a pesca na bacia hidrográfica do São Francisco até 1º de maio. Atualmente, o período termina em fevereiro. “Assim, evita-se a contínua redução dos cardumes. A indicação é de que este ano seja ruim para a piracema, e ela não vai acontecer se a chuva tardar”, ponderou.    Ciclo   Caso a desova atrase ou não aconteça, o ciclo natural de reprodução das espécies será interrompido. “Os peixes precisam de um volume grande de água, de temperaturas ideais e oxigênio suficiente para desovar. Se isso não ocorre, a quantidade de pescado cai significativamente, impactando na atividade econômica de centenas de famílias”, explicou o extensionista da Emater em Três Marias, Carlos Augusto de Carvalho.   Naquela região, pelo menos oito municípios, como Morada Nova de Minas e Três Marias, já estão sofrendo fortemente os efeitos da seca prolongada no Estado. Há produtores, segundo Carvalho, cuja produção caiu 40 vezes. “Alguns piscicultores colocavam 55 mil alevinos por mês nos tanques e obtinham produção de 40 toneladas. Agora, a maioria deles não consegue uma tonelada ao mês”, disse.   Comitê propõe ações para minimizar efeitos da estiagem no rio   Na tentativa de mudar o cenário de redução do volume de água no Velho Chico, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) listou medidas que, se adotadas, podem minimizar os efeitos da estiagem e elevar o nível na reserva de Três Marias.   As propostas serão encaminhadas neste sábado (27) ao Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), à Agência Nacional de Águas (Ana) ao Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), que têm poder para executar as ações.   “A reserva tem recebido apenas 32 metros cúbicos de água a cada segundo. No entanto, ainda libera cerca de 160 metros cúbicos nesse mesmo intervalo. De alguma forma, precisamos reduzir essa vazão para que a usina não fique totalmente vazia”, afirmou Wagner Soares Costa, vice-presidente da entidade.   Para alcançar esse objetivo, municípios localizados abaixo da represa, como Pirapora e Januária (Norte de Minas), devem ser orientados a fazer uma espécie de racionamento temporário.    A medida também afetaria grandes indústrias, sobretudo de agronegócio, instaladas na calha do rio e que utilizam grande volume de água para manter as atividades.   Outra ação que será recomendada pelo CBHSF é o levantamento das cidades localizadas acima da represa e que, nesse momento de crise, demandam atendimento diferenciado. Wagner lembrou que, além da principal nascente do Velho Chico, outras minas e cursos d’água secaram em Minas.   “Os municípios vão precisar de recorrer à Defesa Civil Estadual para garantir o abastecimento humano”, afirmou. Até essa sexta-feira (26), 149 cidades mineiras decretaram estado de emergência em função da seca. Metade delas está localizada na bacia do rio São Francisco.   Pescador defende fim das tarrafas   No Alto São Francisco, pescadores como Luiz Soares defenderam o fim dos batedores de tarrafa.    A prática é considerada pesca predatória e proibida por lei. “A situação está muito ruim, sempre há tarrafeiros no rio. Hoje (sexta) peguei dois peixes. Nos anos anteriores, pescava quilos de mandi”, disse Luiz.    Lixo às margens do Velho Chico e desmate irregular também são comuns, piorando a situação da bacia. Deusdete Xavier de Souza conta que o dono de uma plantação de eucalipto próximo ao rio queria contratá-lo para desmatar a vegetação nativa. “Denunciei aos órgãos ambientais. A mata ciliar fora dos limites do Parque Nacional da Serra da Canastra reduz a cada dia que passa”.   Desolado por nessa sexta-feira (26) ter conseguido pescar apenas um peixe no rio, Paulo Joaquim da Silveira defendeu a preservação da bacia. “É importante, senão acaba tudo. Dourado e surubim, por exemplo, já não são mais encontrados por aqui”, afirmou. 

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