"A Grande Beleza" e o grande teatro da vida

Patrícia Cassese - Hoje em Dia
05/05/2014 às 08:58.
Atualizado em 18/11/2021 às 02:26
 (Divulgação)

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Estupefato, Jep Gambbardella vê uma girafa em plena Roma. Informado de que o animal é parte de um número de mágica, o jornalista pede ao ilusionista que também o faça desaparecer, ao que o mesmo responde algo como: “Você acha que se de fato eu tivesse esse poder já não o teria usado comigo mesmo?”. O tom de desesperança que transborda desse diálogo ganha sequência alguns segundos depois, quando um dos melhores amigos de Jep, Romano, revela que, sim, desistiu de Roma, apesar dos aplausos obtidos naquela noite, após a estreia de seu texto teatral.

As cenas, pinçadas de “A Grande Beleza”, que chega agora às locadoras após arrebatar o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro para o italiano Paolo Sorrentino, reverberam palavras do texto de Céline que aparecem logo no início do filme: “Viajar é útil, exercita a imaginação. O resto é desilusão e fadiga. A viagem é totalmente imaginária, eis a sua força, vai da vida para a morte. Pessoas, animais, cidades, coisas, é tudo inventado. É um romance, nada mais que uma história fictícia”.

Fadiga e desilusão são estados que permeiam a alma de Gambardella, o personagem central interpretado por Toni Servillo. O filme flagra Jep aos 65 anos, 40 após o lançamento do livro que o catapultou à fama, “O Aparelho Humano”. O napolitano lembra ao espectador que chegou a Roma disposto a ser o “rei dos mundanos”, e a primeira cena em que aparece está justamente numa das várias festas que se seguem, ao som de hits como “A Far L’Amore Comincia Tu” (Bob Sinclair e Raffaella Carrà) ou os remixes de “There Must Be an Angel” e “Pan Pan Americano”.

Falamos em desilusão e fadiga? Bem, cumpre dizer que tais sentimentos não são propriamente explicitados no comportamento do personagem, que, nas intermináveis noitadas, não se furta a participar de coreografias tão ensaiadas quanto ridículas, incluindo o “trenzinho humano”, que, ele próprio lembra, nunca chega a lugar algum.

O ridículo, no caso do personagem, é consciente. Não são poucos os comentários de Jep que mostram o desdém por um mundo no qual proliferam selfies, a dieta Dunkan, a exploração da beleza por charlatões que cobram em euro... Um mundo no qual, lembra outra cena, não dispõe mais de espaço para a sofisticação, tom que a stripper quarentona teima em imprimir à sua pouca aplaudida performance.

Um mundo em que cada um incorpora um papel, sem ao menos saber explicá-lo.

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