Futebol foi fundamental para a criação de uma cultura esportiva na cidade

Alexandre Simões e Clarissa Carvalhaes
asimoes@hojeemdia.com.br e ccarvalhaes@hojeemdia.com.br
16/04/2016 às 21:56.
Atualizado em 16/11/2021 às 02:59
 (Lucas Prates)

(Lucas Prates)

Historiador que tem o futebol como paixão, Raphael Rajão Ribeiro fala ao Hoje em Dia sobre o cenário em Belo Horizonte em 1921, quando teve início uma das maiores rivalidades do futebol brasileiro, envolvendo Atlético e Cruzeiro.

 Qual era a realidade do futebol de Belo Horizonte em 1921?
Nesse período, o futebol já chamava a atenção da população. Existia um segmento do jornalismo especializado em fazer essa cobertura. Existem registros de duas mil pessoas indo ao Prado Mineiro ver jogos de futebol.

 Pode-se afirmar que o esporte de Belo Horizonte é o futebol, e que a cidade cresceu e se desenvolveu já com essa marca?
Belo Horizonte não surgiu com o espírito do esporte, mas o esporte sempre esteve no horizonte da cidade. As pessoas que concederam o desenho urbano tinham previsto dois espaços já no projeto original da cidade: o hipódromo e o velódromo, mas nenhum conseguiu sobreviver por muito tempo. Apesar de ter a concepção do esporte desde a sua origem, BH foi uma cidade que se mostrou muito resistente à prática do esporte nos seus primeiros anos. Coube ao futebol conseguir romper uma certa resistência e criar uma cultura esportiva na cidade.

 Havia muita resistência?
Sim, essa resistência tem relação com o caráter de Belo Horizonte, uma cidade que se formou sob uma tradição muito provinciana. Estou falando de uma cidade que foi ocupada por pessoas que vieram do interior, enquanto o esporte estava ligado à ideia de modernidade.

 E como era a rivalidade no nosso futebol nas duas, três primeiras décadas do século passado?
O América e o Atlético estavam disputando quem lideraria o futebol na Liga Mineira. Eles tinham a rivalidade em campo, mas também pelo poder de organizar os campeonatos na cidade. O Palestra influenciou mais na questão de ter um terceiro time competitivo e ele conseguia, desde o início, colocar em risco essas duas equipes. Além disso, havia uma grande rivalidade com os clubes de Nova Lima, mais até com o Morro Velho do que o Villa Nova.

 Como enxerga a rivalidade dos dias de hoje quem conhece a fundo a história da fundação dos dois clubes e do início dos confrontos entre eles?
Se pensarmos desde os anos 1920 há todo um processo de mudança. O Atlético passou por uma reviravolta. Durante um período estava em crise e largou esse caráter elitista que tinha para se tornar mais popular. Já o Cruzeiro também precisou se adequar a partir dos anos 1950, quando rompeu com o perfil de colônia para ser um clube que abarcava todas as classes sociais. Em 1960, com a Era Mineirão, é que houve o protagonismo dos dois clubes: há registros do grande momento da massificação do futebol, da expansão da capital, da maior identificação dos moradores do interior com os times da capital. Nos dias de hoje, essa rivalidade ultrapassa a cidade, o Estado.

 Há algum registro de violência entre torcedores nos primeiros anos do futebol na capital?
Sim, sempre. A violência é inerente à sociedade e não ao futebol. Logo, as brigas eram muito comuns, mas existia um certo preconceito da crônica esportiva que sempre tentava lançar esse olhar de violência para os times mais populares. Prevalecia o mito de que ela estava no subúrbio. Eram recorrentes as narrativas das brigas que aconteciam nos jogos da Segunda Divisão. Lá era o espaço da briga, dos times que ganhavam na marra. Existem relatos de jogos que os juízes não apareciam e isso incluía todos os clubes. Há uma série de textos com relatos de como as torcidas estavam se transformando.

 E quando o futebol foi de fato marginalizado?
A partir do momento que a população mais marginalizada se apropria do esporte. O futebol no subúrbio projetava uma série de valores negativos sobre o jogo, ao mesmo tempo em que o futebol estava sendo defendido, promovido e valorizado como uma prática civilizató-ria. Vários episódios são relatados de garotos que jogavam futebol na rua e resolviam usar as ruas como campo de futebol. Era constante a publicação nos jornais de pequenas notas contando que a guarda civil tinha que ficar o tempo todo tomando da garotada nas ruas as bolas ou o que eles utilizavam como bolas. A negativa ao futebol sempre foi mais sobre a população do que sobre o esporte.

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por