Doutor em Direito pela UFMG e Analista Político

Pobre Brasil, com seu copo meio vazio da Biografia do Abismo

Publicado em 05/01/2024 às 06:00.

Se você não chegou recentemente de outra galáxia, indubitavelmente percebe uma divisão do país no ambiente político. 

Mesmo não acompanhando com profundidade a política do dia a dia, por falta de tempo ou simplesmente por não gostar da temática, os efeitos da polarização estão em nosso entorno, seja no ambiente familiar ou profissional, sendo mais perceptíveis a partir das eleições de 2018, vencida por Bolsonaro.

Dissecando mais acerca dessa divisão, foi lançado recentemente um excelente livro intitulado Biografia do Abismo, dos autores Felipe Nunes e Thomas Traumann. O livro desnuda a atual conjuntura fortemente polarizada do país com relevantes pesquisas. 

Descolando de “achismos” e conversas de botequim, as pesquisas realizadas pela Quaest são de sobremaneira importantes para análises e reflexões. Ao estilo “que falem os números”!

Apresentam dados que atestam a calcificação da sociedade brasileira, citando o livro The Bitter End, dos cientistas políticos norte-americanos John Sides, Chris Tausanovitche Lynn Vavreck, que “fazem uma brilhante autopsia da eleição norte-americana de 2020 - em que o democrata Joe Biden venceu o republicano Donald Trump - para propor a substituição do conceito de polarização partidária pelo de calcificação. Segundo eles, as opiniões políticas passaram por um processo de engessamento e se transformaram em parte da identidade de cada eleitor”.

Conforme introdução do capítulo 5, “O embate dos brasileiros após a disputa de 2022 retrata uma cisão maior. As preferências por Lula e Bolsonaro não refletiram apenas um modelo político, mas uma estrutura de pensamento. Lulistas e bolsonaristas acreditam em um país tão diferente do que o outro defende que é como se vivessem em sociedades opostas”.

Dispõe ainda no mesmo capítulo o atual clima político no país. Pesquisa Genial/Quaest de dezembro de 2022 mostra a evolução da intolerância política nas escolas. Segundo a mesma, “25% é o percentual de brasileiros que se sentiriam mal se seus filhos estudassem em uma escola com muitos pais com visão política diferente.

Uma pergunta tradicional da ciência política para medir o grau de tolerância política é sobre como o eleitor reagiria se seu filho ou a filha se casasse com alguém do partido oposto. Segundo a Genial/Quaest, entre os eleitores de Lula, 26% se sentiriam infelizes ou muito infelizes: entre os eleitores de Bolsonaro, 28%. 

A Genial/Quaest também perguntou para os eleitores, oito meses depois da eleição, se eles tinham rompido relações familiares ou de amizade por conta de política ou se conheciam alguém que tinha rompido relações: 17% reconheceram que romperam relações e 54% afirmaram que conheciam quem tivesse rompido amizades ou laços familiares por conta de política. 32% dos eleitores de Lula e Bolsonaro disseram acreditar que não reatariam as amizades perdidas na campanha.

Salvo melhor juízo, a constatação exclusiva do nosso ambiente político é de copo meio vazio. A situação é grave e ainda perdurará por algum tempo, em destaque nos anos de eleições, como nos pleitos municipais deste 2024 e principalmente em 2026.

As consequências negativas são de curto, médio e longo prazo, tanto em relação à qualidade das leis aprovadas nos parlamentos como na formulação de políticas públicas pelos governos. Sem contar, por suposto, na fragmentação nas relações familiares e sociais.

Interessante destacar que a forte polarização no Congresso é “esquecida” quando questionáveis matérias de exclusivo interesse partidário ou corporativo (e não público) são votadas. Como exemplo, a recente união entre bolsonaristas e lulistas para aprovação do exagerado fundo eleitoral de R$ 5 bilhões para as eleições deste ano.    O livro conclui dispondo de saídas para este nefasto processo de calcificação. Nada simples e nem de curtíssimo prazo, mas indispensável ação nesse sentido dos dois líderes Lula e Bolsonaro, parlamentares, empresários, grande mídia e da sociedade civil organizada. Não apenas na retórica, mas em ações!

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