Lições de um monge cartesiano: após anos em monastério, brasileiro ajuda a criar app de meditação

Patrícia Santos Dumont
pdumont@hojeemdia.com.br
26/07/2017 às 13:13.
Atualizado em 15/11/2021 às 09:45
 (Flávio Tavares)

(Flávio Tavares)

Ele nasceu Davi Murbach e tornou-se Satyanatha – Aquele que busca a verdade. Aos 23 anos, abandonou a promissora carreira de engenheiro de computação na cidade mais pulsante do Brasil – São Paulo – para descobrir a própria essência exilado em Kauai Aadheenam, monastério budista cravado no Havaí. Em passagem por Belo Horizonte, o monge de 38 anos, que regressou ao Brasil há um, compartilhou com o Hoje em Dia ensinamentos milenares. Parte da rica bagagem está disponível também no app Vivo Meditação – guia com mais de mil meditações e aulas criadas e gravadas pelo paulista.

Quando foi que você teve esse clique e decidiu que era hora de mudar e buscar algo que fizesse realmente sentido para sua existência?
Estudei engenharia de computação na Unicamp porque tinha muita facilidade com matemática. Por incrível que pareça, tenho raciocínio lógico. Brinco que sou um monge cartesiano. Mas fui trabalhar no meio corporativo, onde a medida de sucesso é o tamanho do salário, o prestígio do cargo. Com o tempo, percebi que tinha um grande vazio e pensava: “preciso de uma namorada mais legal, mais bonita”. E namorei companheiras excelentes. Mas o vazio continuava e era muito grande. Então procurei livros e mestres que estivessem vivos. E encontrei , pela internet, um homem profundamente amoroso. Gostei do que ele tinha para me ensinar.

]Daí até tomar a decisão de se exilar em um monastério quanto tempo levou? Como foi amadurecer essa escolha e o processo de aceitação?
Foram mais de sete anos lá, dois até ser aceito, um deles numa preparação no Brasil e outro lá. Foi o vestibular mais difícil que já fiz. 

Então quer dizer que é preciso passar por testes para ser aceito? Até quando um homem pode ingressar num monastério para se tornar monge? 
É preciso ser aceito até os 24 anos. Fui morar numa cabana no meio do mato com outros 30 monges. Dorme-se fora do monastério. E aí quando eles acham que você está pronto, você faz o vestibular mais difícil de todos, o Muro da Chuva. Sentamos na frente de um muro e ficamos ali meditando, do nascer ao pôr do sol. Meditando, esperando, pensando. No meu caso, foram 33 dias. E quando você está nesse processo, a mente te ataca e diz: “você está louco! Vai embora”. Ou: “você vai ser monge? E seu conforto? Foge disso enquanto é tempo”. A história de Buda fala que quando ele sentou para meditar foi atacado por feras, tigres, cobras e mulheres nuas. E aí a gente vai entendendo que é tudo metafórico. Quando você fecha os olhos, é atacado pelas raivas, por mulheres nuas, que são os prazeres dos quais abriremos mão. 

“Perceba que na sua vida você escolhe algumas coisas, mas outras são decididas pela vida, por Deus, você vai sendo levado. E a beleza é a gente aceitar essa dança, a dança com Deus”


Em algum momento desses 33 dias você pensou em voltar atrás? Por que manter a decisão e seguir em frente? O que te movia nessa missão?
Eu aprendi isso com o mestre e é o que procuro fazer. Perceba que na sua vida você escolhe algumas coisas, mas outras são decididas pela vida, por Deus, você vai sendo levado. E a beleza é a gente aceitar essa dança, a dança com Deus. Ao mesmo tempo em que tenho livre arbítrio e decido o que quero da vida, recebo o sol em mim e o canto dos passarinhos. São presentes que simplesmente vêm. E, às vezes, as coisas que vêm são duras. Então nessa mistura de metade eu coordenando minha vida, tentando ser um homem melhor, e metade aceitando que o Divino me levasse para dançar, que Deus é um movimento, eu fui encontrando um equilíbrio que me trouxe muita paz.Flávio TavaresO paulista de 38 anos passou mais de sete anos exilado num monastério indiano e, agora, de volta ao Brasil, ajudou a criar um app de meditação

Você se considera uma pessoa antes e outra depois de viver no monastério?
Acredito que a diferença seja a mesma de se olhar uma semente e uma árvore. Porque já estava tudo lá. E é isso que quero enfatizar para dizer que toda a sua beleza, tudo o que você tem de melhor para oferecer já está em você. O que a gente tem que fazer é um trabalho de trazer de dentro para fora, regando com a água certa, com equilíbrio, com harmonia. Mas todos já temos em nós o nosso potencial. Eu reverencio muito os seres humanos. Acho que eles são a coisa mais linda, só que com uma camada de fuligem, de poeira, uma camada de egoísmo. O que quero é pegar a luz que está lá dentro, esquecida, e trazer para fora. Eu confio na luz divina.

Ao contrário do que se pode imaginar sobre um monge, você não segue nenhuma religião... 
Fui treinado no hinduísmo, que tem uma frase muito bonita, em sânscrito, que diz assim: “Deus é um só, mas ele pode ser chamado por muitos nomes”. Cada pessoa tem uma maneira de se aproximar de Deus e cada religião tem um nome para Ele. Mas há vários caminhos diferentes, todos válidos. Se você tem a paz e a compaixão de Buda e se tem o amor e a dedicação de Jesus é levado para perto de Deus. Eu estudei teologia comparada, estudei muçulmanos, budistas, hindus e vi que todos estão em busca de uma mesma luz. E eu prefiro essa luz antes que ela vire religião. É como se existisse uma luz que passa por um vitral e adquire cores. As religiões são as cores. Eu quero a luz. Minha religião é Deus e a luz de cada ser humano. 

Que balanço você faz, hoje, de volta ao Brasil, da sua trajetória, após abrir mão de uma carreira promissora para buscar autoconhecimento e crescimento pessoal?
Precisei de coragem e fico muito feliz em tê-la tido. Não é que eu tive coragem porque eu era fortão. Eu fui para o monastério em pânico, tinha medo de que não desse certo. Minha coragem foi a coragem da sinceridade, de olhar para mim mesmo e falar: “quem é você? Para que você serve? Jura que você só serve para ganhar dinheiro?”. Tive coragem de dizer: “eu quero ser um agente do bem. Quero amar a natureza, as pessoas”. Essa coragem me mostra que vale a pena a gente se amar, olhar para dentro. Cada ser humano tem uma beleza e eu fico feliz em ter buscado a minha. Estou louco para ver a de todo mundo, por isso ajudo as pessoas a se encontrarem.

"Meditar é encontrar uma versão melhor de si mesmo e essa versão vai melhorar o mundo"

De que forma vem essa ajuda?
Existem várias maneiras. Uma delas e que talvez seja a mais importante é que eu preciso ser aquilo que digo. Eu acredito que a sinceridade do que falo e meu exemplo valem mais do que qualquer sermão. Então se a pessoa olhar para mim e sentir uma coisa boa, uma energia boa, está valendo mais do que mil sermões. Segundo, dou muitas palestras e aulas de meditação particulares. E foi em uma delas que conheci um dos executivos da Vivo, muito agitado, estressado, competitivo. E aí eu falei: “acho que vou fazer um aplicativo para divulgar a meditação para mais gente”. E ele falou: “não. Isso aí tem que ser muito bem feito. Vai fazer comigo”. 

Mas um aplicativo de meditação não é algo um pouco controverso, já que meditar pressupõe desligar-se do mundo para ligar-se a si mesmo? 
O celular me parece ser igual ao papel. Você pode por o que quiser nele, mas o utilizamos com as coisas mais próximas da gente, que nos distraem, as fofocas, os grupos de WhatsApp. No fundo, porém, ele é uma folha de papel em branco e você põe o que você quiser nele. Então a gente quis colocar algo que equilibrasse esse uso, que equilibrasse a vida. Acredito muito em encontrar o que se tem de positivo nas coisas. 

E como funciona? É um guia, um veículo, entre você e quem deseja ter uma vida mais equilibrada meditando?
O meu princípio é conectar as pessoas à sua beleza interior, à sua paz, à natureza. Conectar você a uma mulher que não vai brigar com ninguém porque está em paz. Então se você atinge sua parte mais segura e confiante, você não briga com ninguém. Se eu te conecto com o que você tem de bom, você vira uma agente de mudança positiva no mundo. O que eu fiz com a Vivo foi pegar um conhecimento milenar, que começou nos Himalaias, e trazer para as meditações, que, para mim, são um tanto quanto mágicas. É uma coisa que antes você tinha que ser monge, largar tudo, morar no meio da floresta. Eu pude pegar esse conhecimento e trazer para as pessoas. Meditar é encontrar uma versão melhor de si mesmo e essa versão vai melhorar o mundo. 

Mas meditar me parece ser algo tão difícil. Qual é o segredo para alcançar esse equilíbrio pleno e usufruir de verdade dos benefícios da meditação?
Vou questionar a palavra difícil. Acho super trabalhoso, mas indispensável porque dá significado à vida. As pessoas passam tanto tempo sendo entretidas, tendo prazer, conforto. Mas a gente não quer prazer, entretenimento e conforto apenas. A gente quer significado. Porque senão é todo mundo igual. E cada um tem algo especial para trazer. Eu acredito nisso.

Meditar é mais prática do que técnica ou o contrário?
Você só vai chegar à prática se tiver o mínimo de técnica. Então é preciso começar com técnica porque se a gente tenta partir dos pensamentos para o vazio fica realmente muito difícil. É igual parar uma jamanta. Você vai frear, mas ela vai demorar para parar. O que tem que ser feito é trocar o pensar analítico pelo sentir. Sentir o corpo, a respiração, aprofundar a respiração, imagina uma energia luminosa dentro de si, sentir essa energia. Porque a mente da gente tem duas variedades de funcionamento: ou analisa ou sente. Você não pula no mar para entender como funcionam as moléculas de água, mas para sentir o mar. Você não beija seu marido e tenta entender o beijo. Você apenas sente. A meditação é isso. Você sente a si mesmo, sente a energia, sente a paz. As técnicas do aplicativo vão ajudando nisso. A mente tem que continuar funcionando, mas é preciso colocá-la no sentir.

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