Sua majestade, o porco! 'Desprezada' por alguns, proteína suína vira estrela na alta gastronomia

Patrícia Santos Dumont
pdumont@hojeemdia.com.br
11/10/2018 às 10:13.
Atualizado em 10/11/2021 às 02:55
 (Mauro Holanda/Divulgação)

(Mauro Holanda/Divulgação)

Proteína animal mais consumida no mundo, a carne de porco ainda é cercada por tabus e renegada por muitos brasileiros. Terceira no ranking de consumo em território nacional – perdendo para frango e boi, primeira e segunda colocadas, respectivamente –, pode não ter tanto destaque em muitas cozinhas. Na alta gastronomia, entretanto, vem ganhando protagonismo ao deixar a condição de ingrediente barato para ocupar o lugar de iguaria refinada.

Chef de cozinha em Belo Horizonte, o português Cristóvão Laruça se prepara para inaugurar um estabelecimento totalmente dedicado à carne de porco. Capitão Leitão, como será batizada a casa no bairro Santa Tereza, Leste da capital, servirá o suíno à moda da Bairrada – prato típico na região de mesmo nome, em Portugal. 

“Leva temperos leves e é assado em fogão à lenha. A ideia é trazer para cá essa cultura que, lá, já é tão valorizada. No prato tradicional, o acompanhamento é batata frita portuguesa. Aqui, teremos um menu degustação”, adianta. 

No restaurante Caravela, no bairro Cidade Jardim, Zona Sul, do qual também é dono, um dos destaques é a bochecha de porco. Depois de braseado, o corte, que ganhou holofote no reality de culinária MasterChef Brasil, é assado por seis horas. A cocção lenta, explica o chef português, ajuda a reduzir o teor de gordura da carne e a deixa extremamente macia. “O cuidado para obter uma receita saborosa e saudável com carne de porco é, principalmente, o tipo de cocção, lenta e longa. Normalmente, selo na frigideira e asso no forno”, ensina. 

14,7 quilos: consumo médio anual de carne de porco por brasileiro. na China são 40 quilos por pessoa e na Europa, 30 quilos

Tradição

Proprietário da Bitaca da Leste, híbrido de armazém e boteco no Santa Tereza, Leste de BH, Luiz Paulo Mairink também é adepto da iguaria suína. Cozinheiro do estabelecimento, ele ressuscitou um preparo tradicional no interior de Minas, a carne de lata. Preparada na própria gordura, a proteína segue um ritual de longos 30 dias antes de chegar às prateleiras da loja. Frita em gordura de porco por cinco a seis horas, a paleta (parte escolhida) passa por um processo semelhante ao confit francês, que nada mais é do que conservar algo na gordura.

“É importante que a carne esteja totalmente submersa na gordura para garantir a circulação de calor de forma homogênea e preservá-la do contato com o ar. Assim, pode ficar armazenada por muito tempo sem oxidar ou ficar rançosa. Costumo esperar 30 dias até transferir o preparo para os recipientes de alumínio nos quais é vendido”, detalha. Lucas Prates

BITACA DA LESTE
Estabelecimento no bairro Floresta "ressuscitou" receita tradicional em Minas; carne de lata fica 30 dias na geladeira antes de ser transferida para as latinhas de alumínio 

Além da receita histórica, que pode ser consumida no estabelecimento ou levada para casa (R$ 48 a lata), a Bitaca da Leste serve outros pratos feitos com porco. Segundo Luiz Paulo Mairink, 90% do menu são dedicados aos cortes suínos.

“Não é uma carne nobre nem cara nem tem história requintada. Mas conseguimos fazer receitas bem interessantes com ela, usando do focinho ao rabo. Faço torresmo de orelha, almôndega, bolinho. Tudo faz muito sucesso”, diz. 

Ao contrário do que muitos pensam, a carne suína é tão ou mais saudável que cortes de boi e frango; 80% da gordura presente, que é visível, podem ser retirados

Mauro Holanda/Divulgação

PORCOPOCA 
Iguaria bem conhecida dos brasileiros, pururuca d’A Casa do Porco, em São Paulo, é servida em saquinho de pipoca; tradicional petisco é um dos pratos do cardápio da casa, cuja especialidade é a carne suína

Restaurante em SP elegeu proteína para estrelar todo o cardápio

À frente da cozinha está o conceituado chef paulista Jefferson Rueda. Dentro das panelas, ingredientes simples que preparados com a técnica certa dão origem a receitas para mortal nenhum botar defeito. A Casa do Porco, como o nome diz, é um tributo à proteína suína. De lá, saem pratos que vão desde o tradicional torresmo à pururuca, muito apreciado pelos brasileiros, a um sushi de papada – parte ainda pouco conhecida e, portanto, menos explorada. 

A ideia é levar à mesa frutos de uma vida inteira dedicada a estudar a carne de porco. “Destino todo o meu tempo pesquisando e buscando novas formas de trabalhá-la. A Casa do Porco vem desmistificando mitos e verdades dessa carne, que carrega um fardo histórico e social. Entender o produto que tenho nas mãos me dá a chance de ultrapassar limites”, frisa o chef. Este mês, ele irá lançar o novo menu degustação da casa: “O Porco É Pop!”, inspirado na cozinha popular com uma pitada da culinária clássica. 

Marinado e assado

Dentre os pratos mais emblemáticos do estabelecimento está o Porco San Zé, baseado em uma receita típica da terra natal do cozinheiro (São José do Rio Pardo, no interior de São Paulo), o Porco à Paraguaia. Mauro Holanda/Divulgação

PORCO SAN ZÉ
Um dos pratos mais pedidos do restaurante paulistano é servido com tutu de feijão, tartar de banana, couve e farofa de cebola

No lugar do tradicional leitão temperado, um porco adulto desossado e marinado. Acompanhado de guarnições bem brasileiras – tutu de feijão, farofa de cebola, salada de couve e tartar de banana –, um exemplo perfeito de que ingrediente barato pode virar prato sofisticado. 

Para o chef Rueda, um importantes trunfo da carne suína é permitir o uso completo da proteína. “Acho fascinante. Tem pele, gordura e carne. O trem é bão demais!Uso todas as partes e cada uma delas tem uma forma de ser feita. Dá pra pirar nas formas de fazer”, brinca o cozinheiro. 

Este ano, A Casa do Porco entrou no The World’s 50 Best Restaurants – lista formada por cem restaurantes considerados os melhores do mundo. Outros dois estabelecimentos brasileiros foram selecionados.Fotos Mauro Holanda/Divulgação

DIVERSIDADE
Restaurante tem sushi de papada, torresmo com goiabada e porco em seis versões (medalhão com bacon + pancetta + leitão + linguiça + codeguim (linguiça de pele de porco) + língua) 

4º lugar: posição do brasil no ranking mundial de produção e exportação de carne suína; país perde para China, União Europeia e EUA

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