Corregedor-geral da Defensoria Pública de Minas reivindica mais recursos

Leida Reis
lreis@hojeemdia.com.br
01/05/2016 às 22:00.
Atualizado em 16/11/2021 às 03:13
 (Cristiano Machado/Hoje em Dia)

(Cristiano Machado/Hoje em Dia)

Ao ser reconduzido ao cargo de corregedor-geral da Defensoria Pública de Minas Gerais para mais um mandato de dois anos (2016-2018), Ricardo Sales Cordeiro promete trabalhar mais na orientação dos defensores para evitar conflito com os cidadãos assistidos pelo órgão. No entanto, a Defensoria enfrenta o problema da falta de pessoal, estando presente em apenas 40% das comarcas do Estado. São 656 defensores, quando a legislação prevê 1.200 e o número considero ideal seja de 1.500.

Em Minas há 296 comarcas e só 113 contam com defensores públicos. De que forma o déficit de profissionais impacta no trabalho da Defensoria?
A deficiência do número de defensores públicos é um problema crônico e histórico em nossa instituição. A Defensoria Pública de Minas sempre atuou com um número insuficiente de profissionais, fato que impossibilita o atendimento pleno da instituição à população carente. Há uma previsão legal de 1.200 cargos de defensor, mas está sendo elaborado um projeto prevendo a elevação desse número para 1.500. Atualmente, em Minas, dispomos de apenas 656 profissionais. Costumo afirmar que não há nenhuma instituição, pública ou privada, que consiga atender às suas finalidades de forma plena com um corpo de profissionais equivalente a 50% de sua capacidade. O resultado disso é que estamos ausentes em quase metade das comarcas do Estado de Minas e, naquelas onde há Defensoria instalada, atuamos com um efetivo aquém do necessário. Há um reflexo danoso, pois não atendemos plenamente a população, sobrecarregamos nossos profissionais com uma carga elevada de trabalho. A Corregedoria está atenta a isso e vela para que tais circunstâncias não interfiram na qualidade e eficiência do serviço prestado. 

Na Defensoria Pública de Minas Gerais funcionam núcleos de consumidor, saúde, direitos humanos, criança e adolescente, direito das mulhres, além de penal

O concurso realizado em 2015 não deu alento a esse quadro?
Foram contratados 88 daquele concurso, mas quatro já saíram. Conseguimos implantar a Defensoria em dez comarcas após o concurso, mas a de Novo Cruzeiro fechou porque o profissional contratado pediu exoneração. Faltam recursos para a contratação dos outros 12 aprovados. Um problema que enfrentamos é que o salário é inferior ao do Judiciário e do Ministério Público, sendo que o grau de dificuldade da prova do concurso e do exercício do trabalho é o mesmo. O salário inicial é de R$ 18.900, enquanto no MP chega a R$ 27 mil, o que leva ao abandono do cargo quando o profissional consegue outra colocação. Pelo baixo número de defensores, a carga de trabalho é excessiva. Até o envio de uma correspondência, em algumas comarcas, vira função do defensor. Temos apenas 130 servidores no administrativo e, em algumas cidades, contamos com funcionários cedidos pelas prefeituras.

A lei prevê que, até 2020, todas as comarcas de Minas tenham defensores públicos. Hoje, apenas cerca de 40% contam com esse profissional. O senhor avalia que essa meta será cumprida? 
Sem políticas públicas voltadas ao cumprimento da meta constitucional prevista na Emenda nº 80, sobretudo com o reconhecimento da autonomia plena da Defensoria através de um aporte orçamentário próprio e condizente com sua missão institucional, infelizmente não haverá como cumprir a desejada meta. Acredito que a responsabilidade ficará mais a cargo do governo, que deverá reconhecer definitivamente a nova condição legal da instituição e se comprometer a disponibilizar recursos financeiros suficientes.

O que pode ser mudado para que a Defensoria consiga atender melhor?
Nossa missão é atender o cidadão carente e aquele em situação de vulnerabilidade. A dificuldade é maior no interior, pois em Belo Horizonte há faculdades com cursos de Direito que atendem gratuitamente, há mais recursos. Por isso, nossa prioridade são as cidades com IDH mais baixo. A solução virá quando for mudada a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Defensoria Pública tiver dotação orçamentária própria. Temos lutado pela nossa plena autonomia em relação ao Estado. Foi aprovado um projeto de lei federal nesse sentido, mas a presidente Dilma Rousseff o vetou em 2014. Estamos articulando novamente a defesa dessa condição. Outra luta é para que possamos enviar projeto de lei diretamente ao Legislativo, sem passar pelo Executivo. É a Lei Complementar 80/94, que precisa ser regulamentada em Minas. 
 

Há que se levar em conta que sem o adequado aporte de recursos financeiros essa atividade da Defensoria Pública torna-se inviável


Quais as principais demandas chegam à Defensoria. Que tipo de defesa é mais buscada?
O nosso carro-chefe são ações penais e de família. Não quero que a Defensoria seja vista como mera defensora de criminosos. Cuidamos também da saúde, dos direitos humanos, do idoso, do consumidor, criança e adolescente, e dos direitos das mulheres. Nos casos de saúde, por exemplo, temos farmacêuticos aqui para avaliar a possibilidade de substituição de um remédio que alguém está requerendo do SUS por outro disponível. Em 30% dos casos, nas demandas ligadas a disponibilidade de medicamentos, conseguimos resolver com a Secretaria de Estado da Saúde ou Secretaria Municipal, sem judicialização. Em outros conseguimos liminar ou antecipação de tutela. O processo em si demora anos, mas a solução vem rápida com esses recursos concedidos pelos juízes. 

O que vai diferenciar sua ação nessa gestão iniciada no último dia 28?
Pretendo aprimorar as atividades desenvolvidas pela Corregedoria, desenvolvendo ferramentas que propiciem ao órgão maior eficiência e celeridade. Estamos também informatizando os meios de comunicação (acesso do cidadão via e-mail e telefone, por exemplo) e dos procedimentos administrativos que serão todos digitais, a exemplo do processo eletrônico implantado na Justiça. Vou promover a aproximação da Corregedoria com os defensores públicos e servidores do órgão, para abranger a atuação de orientação de sua atividade funcional. 

Quais os casos mais comuns que exigem a intervenção da Corregedoria? Quais as punições previstas?
Podemos citar os exemplos de conflitos de relacionamento profissional entre o defensor e o cidadão assistido (reclamações sobre demora na tramitação do processo e inadequação de atendimentos), que são apurados para respon-sabilização por parte do agente público. A lei prevê a aplicação de advertência, suspensão das atividades até a demissão e cassação de aposentadoria. 

Qual a incidência de advertências e punições a defensores pela Corregedoria?
Desde o início da minha gestão, considero mais eficiente a orientação. O defensor tem que atender bem ao cidadão. A incidência é pequena porque o trabalho é vocacionado. De 10% de denúncias que nos chegam, chegamos a menos de 2% de culpa do defensor. Em 1% é caso para advertência e os outros res resultam em processos disciplinares. Temos feito encontros regionais para divulgar nossa prática. Fizemos em Montes Claros e Pouso Alegre. Em junho vou relançar o Manual do Defensor Público. 

A falta de acesso à Justiça, que é o resultado desses[/ENTR_PERG] [ENTR_PERG]problemas (déficit de profissionais e ausência em muitos locais), deveria ter mais atenção do Estado?
Sem dúvida, não se pode deixar de reconhecer que o acesso à Justiça é direito fundamental de todo cidadão. Ora, esse direito não pode ser relegado a uma parcela da população simplesmente por sua condição social. Mais do que recursos financeiros, necessitamos de políticas públicas apropriadas, voltadas para essa parcela da população que é carente. Reconhecer a autonomia da Defensoria Pública significa ampliar o acesso do cidadão à Justiça, já que a instituição possui essa missão constitucionalmente imposta pela Carta Magna. 

Como o cidadão pode ter acesso à Corregedoria e que tipo de situação pode denunciar?
O cidadão pode procurar pessoalmente o órgão, que funciona na sede da Defensoria Pública ou através do site institucional no campo apropriado para reclamações e denúncias, canal em que é possível formalizar seus questionamentos contra qualquer membro da instituição. O nosso profissional não só faz a defesa do cidadão, mas também acompanha a execução da pena. Fazemos vistoria nos presídios para saber se estão dando tratamento adequado, se há condições de higiene, alimentação, além do polêmico banho de sol dos presos. O problema não é só a superlotação. Ela existe em praticamente todas as unidades prisionais, mas além disso há ausência de assistentes sociais e religiosos, de oferta de trabalho, que é também direito do preso. Estou recomendando também aos defensores que observem a ausência de creches nas penitenciárias femininas. 

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