Integrantes da 'Bancada do Minério' podem ficar de fora da CPI na Assembleia

Lucas Simões
07/02/2019 às 20:47.
Atualizado em 05/09/2021 às 16:27
 (Willian Dias/ALMG)

(Willian Dias/ALMG)

Antes mesmo de ser instalada na Assembleia Legislativa, a CPI da Mineração já tem um potencial obstáculo pela frente: a “bancada do minério”, que, em outras ocasiões, conseguiu barrar projetos que endureciam o licenciamento e a fiscalização da atividade mineral. Um dos caminhos para contornar o problema seria impedir a indicação para a CPI de deputados que, no passado, receberam doações de mineradoras. 

A ideia, polêmica, ainda não é consenso entre os líderes dos recém-definidos blocos parlamentares, embora eles concordem que a escolha dos integrantes da CPI tenha que ser feita com cautela. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nas eleições de 2014, somente 18 dos 77 deputados estaduais eleitos em Minas não receberam recursos de empresas ligadas à mineração. Na eleição passada, as doações de pessoas jurídicas já estavam proibidas.

O líder do bloco de oposição, André Quintão (PT), diz ser favorável a um “cuidado maior” com as indicações para a CPI. Quintão lembra que, à época do desastre da barragem de Fundão, em Mariana, que deixou 19 mortos, os nove deputados da Comissão Extraordinária de Barragens haviam recebido, juntos, R$ 587 mil em doações.

“O que vimos na época de Mariana foi o abafamento do caso. A Assembleia desistiu da CPI para instaurar uma comissão que não andou. Dessa vez, precisamos dar uma resposta à altura. Os deputados que forem participar da CPI devem ter uma postura extremamente crítica”, diz Quintão.

Apesar de se dizer temerário em relação à indicação de parlamentares que receberam “vultuosas doações de campanha da mineração”, o deputado Cássio Soares (PSD), líder de um dos blocos independentes, pondera que, em muitos casos as doações acontecem de forma indireta. 

“Tem que ter um crivo sério para as indicações. E se o parlamentar recebeu algum recurso, a atuação dele no parlamento deve ser independente. É importante observar que as doações indiretas acabam causando confusão. Eu mesmo, por exemplo, recebi R$ 457 de uma doação indireta e não sabia a origem do recurso. Eu trabalhava com uma deputada em São Pedro dos Ferros, ela recebeu a doação da mineradora, e repassou. Ou seja, foi indireto”, diz o parlamentar.

Filtro

Para o deputado Sargento Rodrigues (PDT), que faz parte de outro bloco independente, é preciso “um filtro maior”, mas ele avalia que, em princípio, não seja necessário banir indicações para a CPI da Mineração de deputados que tenham recebido verbas do setor. 

“Temos dezenas de deputados novos, e não acho que o lobby da mineração irá interferir, até porque doações de empresas foram proibidas. Acredito que banir deputados por esse motivo é demais. Estamos nos preparando para um trabalho muito sério”, disse o pedetista. 

Gustavo Valadares (PSDB), líder governista, foi procurado, mas não retornou à reportagem. Integrante do bloco governista, Guilherme Cunha (Novo) disse que “desconhece quem são os financiadores dos colegas eleitos”. Porém, ele acredita que “quem for (nomeado) para a CPI, deve estar ciente da responsabilidade”.

Logo após a posse dos deputados, três requerimentos para a abertura da CPI da Mineração foram protocolados na Assembleia, na última terça-feira. O deputado Sargento Rodrigues foi o primeiro a fazer a requisição, ao coletar 74 assinaturas dos 77 deputados estaduais para a abertura dos trabalhos — além dele, Beatriz Cerqueira (PT) e Doutor Wilson Batista (PSD) fizeram pedidos similares.

Apenas dois deputados, Tito Torres (PSDB) e Gustavo Santana (PR) não assinaram os requerimentos. Santana está entre os deputados campeões de doações do setor mineral, tendo recebido R$ 135 mil nas eleições de 2014, quando as doações de empresas ainda eram permitidas. A reportagem tentou contato com os dois deputados, mas nenhum deles foi encontrado.

Apesar da apresentação dos requerimentos, o presidente da Casa, deputado Agostinho Patrus (PV), ainda precisa acolher ou rejeitar os pedidos. Procurado para se manifestar, Agostinho não retornou à reportagem. Apesar disso, nos bastidores da Casa, é ventilado que o governador Romeu Zema (Novo), de quem Agostinho é próximo, tem interesse no andamento da CPI. “A gente sabe que o governador tem que dar uma resposta aos atingidos, a CPI é essencial e é de interesse do governador”, disse um deputado do PV, que preferiu não se identificar.

Pelo regimento da Assembleia, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) será composta por sete membros, sendo o presidente, um vice-presidente e os demais relatores e sub-relatores — além de um suplente para cada cargo. As indicações devem ser feitas a partir da semana que vem, com os membros apontados pelo Colégio de Líderes dos blocos definidos nesta semana.

Junto à pressão na Assembleia Legislativa para a criação da CPI da Mineração, a Casa começou a receber projetos para rever as regras de operação e manutenção de barragens em Minas. Na última segunda-feira, no primeiro dia legislativo, o deputado João Vítor Xavier (PSDB) reapresentou um substitutivo ao PL 3.676/16, popularmente conhecido como “Mar de Lama Nunca Mais”.

Projetos para endurecer regras da mineração voltam à pauta

O projeto foi discutido em 2016, um ano após o rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana. Porém, a proposta foi rejeitada ainda na Comissão de Minas e Energia da Assembleia e, desde o ano passado, aguarda análise da Comissão de Administração Pública. 

O projeto criava uma série de restrições para as barragens, incluindo a proibição de novos licenciamentos de alteamento de barragens, processo em que o próprio rejeito molhado é usado na ampliação das estruturas. “Eu espero que, agora, com a renovação da Assembleia, os deputados tenham mais sensibilidade. Mas, se vão acatar ou não o projeto, isso é outra história”, avalia o tucano.

Também numa linha mais rígida, o PL 5.511/2019, do deputado Cristiano Silveira (PT), pretende extinguir as cerca de 400 barragens de rejeitos de minério no Estado. A ideia é que as mineradoras adotem tecnologias mais eficientes para a contenção de rejeitos, a exemplo do empilhamento a seco. Pelo projeto, as barragens de rejeito ainda operantes teriam dois anos para se adaptar, enquanto as estruturas inutilizadas teriam um ano.

Para o deputado Sargento Rodrigues (PDT), autor do requerimento para criação da CPI da Mineração, “extinguir (as barragens de rejeito) é demais”. Rodrigues avalia que é preciso endurecer a legislação, mas sem “radicalização”. “Acredito que as mineradoras precisem se adequar, ter projetos com mais segurança”.

Já para o deputado Cássio Soares (PDT), líder de um dos blocos independentes, é preciso “impor o processo de descomissionamento (integração das barragens de rejeito à natureza” para as mineradoras. “Com certeza, já chegamos numa fase de esgotamento que é impossível ter barragens de rejeito em Minas. Existem tecnologias superiores e que devem ser usadas”, defendeu o pedetista. Clique para ampliar

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