TV a cabo em decadência: 150 mil mineiros rescindiram contratos

Evaldo Magalhães
efonseca@hojeemdia.com.br
14/02/2018 às 20:17.
Atualizado em 03/11/2021 às 01:21
 (Flávio Tavares)

(Flávio Tavares)

O rápido avanço das tecnologias digitais da comunicação, que propiciam modelos de negócios mais atraentes para os consumidores, e a grave crise econômica que atingiu o país nos últimos três anos provocaram, em 2017, a maior queda no número de contratos ativos de TV por assinatura no país desde 2002. 

Minas Gerais é o terceiro no ranking de estados que mais tiveram perdas, depois de São Paulo (menos 447,1 mil) e Rio de Janeiro (menos 97,8 mil). Foram 38,1 mil contratos a menos em 2017, recuo de 2,41% em relação a 2016 – ou 150 mil pessoas fora da base de clientes diretos e indiretos.

Segundo dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), em 2017, o número de assinantes brasileiros do serviço foi 938,7 mil menor do que em 2016 – o total passou de 18,9 milhões para 17,9 milhões. Levando-se em conta que cada contrato residencial é usufruido, em média, por quatro pessoas, estima-se que cerca de 3,7 milhões de telespectadores deixaram de consumir os canais pagos.

O número foi também o mais baixo do mercado de TVs por assinatura desde outubro de 2013 e representou uma queda de quase 2 milhões de assinantes desde o apogeu do mercado, em novembro de 2014, quando a base chegou a 19,6 milhões de contratos. 

Para o vice-diretor de TV por assinatura e novas mídias da Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão (SET), Rodrigo Arnaut, a queda deve ser contínua, nos próximos anos. As operadoras de TV por assinatura, segundo ele, pagam, hoje, por um pecado estratégico cometido a partir do início do século, quando passaram a investir pesadamente em ampliação da estrutura de distribuição de seus sinais - cabeamento e antenas - sem dar o devido valor à qualidade e à variedade do conteúdo transmitido. 
“Os grandes grupos investiram na expansão da rede, e não na produção de conteúdos próprios ou não, mas que realmente pudessem assegurar a sustentabilidade futura do negócio”, diz Arnaut. 

“Repassaram o preço aos consumidores do mundo todo, fazendo pacotes cada vez mais caros e com canais que pouco têm a ver com a realidade cultural dos clientes, e abriram margem para o surgimento de serviços alternativos, como os das empresas de streaming, via Internet, que têm custo baixíssimo de infraestrutura mas investem alto em novos conteúdos”, acrescenta, citando a gigante Netflix.
 

Economia de Recorrência 
O coordenador de programas MBA do Ibmec em Belo Horizonte, Eduardo Andrade, concorda com a avaliação. Segundo ele, o fenômeno da queda no número de assinaturas de TV pagas tradicionais e da ampliação do uso de serviços de streaming pelos consumidores também passa pela prevalência na sociedade atual da chamada “economia de recorrência”. O conceito trata da transformação das relações comerciais entre consumidores, empresas e segmentos, baseando o consumo em acesso, e não em propriedade. 

“O mercado está cada vez mais contratando serviços em que empresas como a Netflix cobram pela locação do conteúdo que oferecem, com a vantagem de que pode ser consumido a qualquer tempo, e não pelo aluguel ou a propriedade de aparelhos que dão acesso aos serviços, caso das TVs por assinatura”, explica.

Enquanto as operadoras de TV por assinatura amargam perda de contratos, a Netflix, gigante do setor de streaming, com valor de mercado estimado em US$ 100 bilhões, não para de ampliar sua base de usuários. De acordo com números divulgados pela companhia, em janeiro, já são 117,5 milhões de assinantes em todo o mundo, sendo a maioria nos Estados Unidos. A empresa não informou dados separados por países, mas o mercado estima que o Brasil, que tinha cerca de 6 milhões de assinantes em 2016, tenha hoje 10 milhões de usuários do serviço.Para reagir a esse crescimento da Netflix e de outras empresas em um mercado que não para de crescer - o conglomerado Disney, por exemplo, já anunciou sua entrada no segmento -, especialistas avaliam que as empresas de TV paga devem apostar em produções próprias e até no barateamento de seus pacotes.<CW10>O vice-diretor da Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão (SET), Rodrigo Arnaut, afirma que outra estratégia nessa batalha seria “reforçar o lobby mundial contra a neutralidade da Internet”. “Querem impedir os serviços de streaming de existir. Tomara que percam essa luta”, diz.

 Diversificação

Boa parte dos consumidores que cancelaram serviços de TV por assinatura, privilegiando a TV aberta e os serviços de streaming - bem mais em conta no orçamento, como Netflix, HBO Go, Youtube e Amazon Prime -, fez isso não apenas por economia, mas também porque o conteúdo dos canais pagos não lhes atendia. É o caso da publicitária e professora Ana Paula Coelho, de 34 anos, de Contagem.

“Cheguei à conclusão de que não valeria a pena pagar R$ 200 por mês por um pacote de canais que eu simplesmente não assistiria, sendo que na Internet eu pagaria bem menos e teria uma programação de qualidade, podendo, inclusive, escolher o que e quando ver”, diz. Ana Paula conta que contratou Internet com boa taxa de banda larga e que, graças a esse serviço, não sente falta da TV, paga ou a aberta.

“Além de filmes, documentários e até reality shows, a Internet me propicia todo tipo de informação, com a vantagem de me dar opções múltiplas de fontes dessas informações”, completa a professora.

A engenheira ambiental Dayane Albano, de 27 anos, também eliminou a TV por assinatura, há três anos. Ela percebeu que pagava por serviços que simplesmente não usava, por ficar a maior parte do tempo fora de casa, o que incluía o telefone fixo. 

Cancelou o pacote “combo” da operadora e resumiu tudo à Internet, além da conta de telefonia móvel. 
“Tenho hoje em casa a TV aberta com a tecnologia digital, que melhorou muito o sinal e favoreceu quem quer desligar a TV por assinatura, e os serviços de streaming, como a Netflix. Conto com uma programação que me agrada até mais que a da TV por assinatura, que repete muito os filmes e outros programas, e vejo quando quero”, ressalta. 

A vantagem no bolso também é enorme: Dayane diz que, com a mudança, deixou de gastar R$ 140 por mês, ou R$ 1.680 por ano. “Com esse dinheiro, dá até para fazer uma boa viagem de férias”, comemora.

Assim como a TV por assinatura, o setor de telefonia fixa também tem apresentado quedas seguidas na base de assinantes, no país, em razão do avanço da telefonia móvel. De acordo com a Anatel, o serviço encerrou 2017 com redução de 2,96% no número de assinantes. No total, 1,2 milhão de números de telefone fixo foram cancelados, somando 40,8 milhões de linhas em operação

Operadoras

Entre os quatro gigantes de TV por assinatura no Brasil, conforme a Anatel, a Claro, dona da Net, e a Vivo apresentaram as maiores quedas de assinantes em 2017. A Claro teve redução de 724,2 mil contratos, com recuo de 7,39% em sua carteira. A Vivo perdeu 131,4 mil contratos, ou 7,67% de sua base. 

Já a Oi, que passa por recuperação judicial, adicionou 205,2 mil assinantes, e a Sky, 109,6 mil. Apesar dos números negativos, a Claro continua líder do setor no país, com 9 milhões de assinantes. É seguida pela Sky, com 5,6 milhões, a Vivo, com 1,58 milhões, e a Oi, com 1,5 milhão. 

O Hoje em Dia apurou que os pacotes de TV por assinatura variam hoje, na capital, de R$ 14,90(pré-pago 30 dias) a R$ 359,90. Já uma assinatura da Netflix custa de R$ 19,90 a R$ 37,90.

As quatro operadoras foram procuradas para comentar a fuga de clientes. A Oi TV ressaltou, em nota, ter sido a que mais cresceu em Minas durante 2017, aumento a carteira em 16,4% no período, com um market share de 23,2%, e que isso se deve “às ofertas diferenciadas lançadas durante o ano”.


Também por nota, a Vivo informou que lidera “um processo de transformação digital” no país, com oferta completa de serviços fixos e móveis, e que acompanha “as tendências do mercado e as necessidades dos clientes”. Claro e Sky não responderam.

Crescimento da banda larga no Brasil também explica a adesão crescente a serviços como os da Netflix. Apenas na banda larga fixa, o crescimento em 2017 foi de 1,9 milhão de contratos (7,15% maior que em 2016), atingindo 28,6 milhões de usuários em todo o país
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