Tio FlávioPalestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural.

Não generalize uma sociedade pela má-fé de alguns

Publicado em 10/05/2024 às 06:00.

No fim do ano passado eu viajei por várias cidades de Minas dando palestras para pessoas do projeto +60, do Sesc-MG. Foi um período de tanta riqueza, pois pude conhecer culturas bem diferentes, uma culinária fantástica em cada região e, além de tudo isso, ouvir histórias que aquelas pessoas me contavam sobre a sua vida, o seu passado, o que faziam do seu tempo e o que consideravam importante e que dava sentido à sua vida.

Duas amigas, que moravam em outro estado, ficaram viúvas. Com filhos crescidos e sem nada que as prendesse, resolveram mudar para Poços de Caldas em busca de melhor qualidade de vida. Acharam novas amizades, participam de eventos, fazem aulas que buscam preservar sua saúde física e mental, vivem felizes. Saudades do passado? Disseram que sempre têm. O legal foi ouvir de uma delas: “não esqueço o passado, até das coisas ruins eu guardo alguma lembrança, pois tudo que me aconteceu me fez chegar aqui”. Belchior, o poeta cearense dizia que “o passado é uma roupa que não nos serve mais”, trecho da música “Velha roupa colorida” que não pede para que o que foi vivido seja esquecido, mas para entender que a vida não deve ser vestida só pelo passado.

Um senhor, acompanhado da sua esposa, vira e mexe me manda umas das suas poesias. Ele escreve o que vem do coração e tem um orgulho muito grande de traduzir em palavras e versos o que ele sente de verdade.

Pessoas bem simples no norte mineiro, que colocam sua melhor roupa para participarem daquele evento; Olham desconfiadas, sem saberem o que vai acontecer ali; Ficam mais compenetradas e caladas e, ao fim da fala, chegam junto para contar um pedacinho da sua vida que tenha a ver com o que foi dito.

E ainda tem aquele pequeno grupo, que já me aguardava e que, antes da palestra iniciar, conversava sobre pratos culinários prediletos, artesanatos que sabem fazer, visita aos amigos e amigas para matar a saudade. Acabando o evento, uma delas se aproxima e fala, em ritmo musicado: “eu amei te ver”. Tiago Iork ficaria orgulhoso em ver aquela cena.

Em Governador Valadares, ao desembarcar na porta da unidade do SESC, vi uma movimentação imensa de homens e mulheres descendo de um ônibus, todos vestidos com roupas e bonés que faziam alusão ao Corpo de Bombeiros. Como a unidade do SESC é grande, imaginei que aquelas pessoas iriam para outra atividade, até que ao passar por eles para atravessar a portaria, uma delas pergunta se eu era o palestrante. Foi aí que eu vi que eram idosos e idosas, uniformizados, que também participariam comigo do evento. Fiquei tão emocionado com aquela fila animada e tão bem disciplinada, um atrás do outro, que perguntei de onde eles vinham. Uma delas tomou a iniciativa e disse que eram os bombeiros sêniores, até que a responsável pelo grupo chegou e explicou. Profissionais voluntários do Corpo de Bombeiros Militares fazem uma atividade semanal com um grupo de idosos vulneráveis, indicados pelos CRAS da cidade, que vivem o desamparo e precisam de auxílio alimentício e afetivo.

Uma dupla de Bombeiros Militares, que estava à frente daquele projeto, me explicou que tinha visto minha palestra no EMMOS daquele ano, que se trata do Encontro Militar de Mobilização Social, que reúne militares do Estado todo, na ativa ou não, responsáveis por dezenas de projetos sociais tão impactantes como aquele que eu acabava de conhecer em Governador Valadares.

O EMMOS é realizado pela AFAS – Social e Cultura, uma instituição independente da PMMG, mas que presta toda assistência para os militares e seus familiares. Durante o evento da AFAS em que eu fui um dos palestrantes, fiquei surpreso, uma vez que não sabia da existência de tantas ações sociais vindas de iniciativas dos militares, bem como encantado de saber que existem tantas pessoas, oficialmente ou não, atuando para o bem coletivo.

Após a palestra em Valadares, voltei para o hotel bem reflexivo. Pensava que num mesmo lugar eu havia encontrado representantes de duas potências sociais: o SESC-MG, que tem uma importante atuação junto à cultura, educação, alimentação e esportes, mas que há 90 anos – sim, você leu direito: noventa anos – possui um projeto robusto voltado para o envelhecimento saudável e a longevidade ativa, quando isso nem era tão pautado pela mídia. E a AFAS, indiretamente representada por aquele projeto do Bombeiro Sênior, que de uma forma local faz a total diferença na vida de pessoas 60+, devolvendo senso de vida e pertencimento a muitas delas.

Quando alguém me fala que a humanidade está perdida, lembro de tantos projetos sociais relevantes que temos só em Minas Gerais. E olha que eu ainda não conheço todos.

Ao pensarmos na calamidade que afeta o estado do Rio Grande do Sul, descobrimos casos de má-fé, uso pessoal e político da situação e mau-caratismo? Sim! Mas observem a mobilização das pessoas. Quem não tem, está querendo ajudar; Quem tem, faz o que pode. Voluntários se destacam em cada evento trágico, largando família e atividades laborais para ajudar. Não vamos nos enganar com a ação de uma minoria podre, mas que infelizmente ganha a mídia. É importante levar em conta o tanto de gente que se mobiliza para ajudar. Devemos sorver a solidariedade que temos em nós e sustentá-la não só como um suspiro passageiro, mas como o ar que respiramos.

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