Maria de Medeiros reconstitui trajetória de militante mineiro em documentário

Paulo Henrique Silva* - Do Hoje em Dia
25/10/2012 às 10:40.
Atualizado em 21/11/2021 às 17:32
 (Mario Miranda/Agência Foto)

(Mario Miranda/Agência Foto)

SÃO PAULO – Um dos maiores inimigos da ditadura brasileira após participar dos sequestros do cônsul japonês Nobuo Okushi e do embaixador alemão Ehrenfried Von Holleben, o mineiro Eduardo Leite, o Bacuri, foi o preso político que mais tempo permaneceu sob tortura – foram 109 dias até a sua morte, em 8 de dezembro de 1970, num banheiro do quartel do Exército, em São Paulo.

Sua trajetória é reconstruída pelo olhar de mulheres – a viúva Denise Crispim e a neta Eduarda, personagens do documentário "Repare Bem", assinado pela atriz e diretora portuguesa Maria de Medeiros ("Pulp Fiction", "Henry & June", "O Contador de Histórias").

Ela foi apresentada à história por Ana Petta, cujos pais também se envolveram na luta contra a repressão.

A experiência de Bacuri nos porões da ditadura é uma narrativa dolorosa e emocionante envolvendo dois familiares que ficaram marcados para sempre com a morte do militante nascido em Campo Belo. Denise teve Eduarda quando estava presa, pouco antes do marido ser assassinado. Trauma também compartilhado pela filha, que cresceu tentando descobrir quem foi seu pai.

"A Maria é uma apaixonada pelo Brasil, mostrando muito interesse em nossa história e cultura", diz Ana, que sugeriu o argumento muito por conta do primeiro trabalho na direção de Maria, "Capitães de Abril" (2000), que registra um período semelhante ocorrido em Portugal, na ditadura Salazar – de 1932 a 1968.

Sequência

Em entrevista ao Hoje em Dia, em meio à 36ª Mostra Internacional de São Paulo, Maria observa que seu mais recente trabalho "vai muito na sequência de 'Capitães de Abril', retratando uma ação na direção da democracia".

"É a história de duas brasileiras sobreviventes de uma grande violência e que vivem há 40 anos na Europa. Esse desenraizar, esse viver entre várias culturas, é algo com que me identifico muito", salienta Maria, hoje morando na França. "Gosto muito dos projetos que tecem pontos de ligação. O Brasil, por exemplo, é feito também da junção de todas as coisas que vieram do outro lado do Atlântico", completa.

Como se recorda, os exilados políticos fizeram o caminho de volta a Europa e depois regressaram ao Brasil com a abertura. "Com essas idas e vindas oferecendo um diálogo muito rico culturalmente", diz Maria.

Depuração

A história da família de Bacuri é, a seu ver, muito paradigmática da violência daquela época e da maneira como buscamos uma depuração necessária para a reconstrução.

Maria se concentrou numa família porque documentários mais gerais sobre o tema já foram feitos. Assim, optou pelo particular, por uma ferida ainda não cicatrizada nas vidas de Denise e Eduarda, que falam com muita emoção da ausência de Bacuri. O filme deixa no ar que o "fantasma" dele é tão forte na vida delas que a relação entre mãe e filha ficou estremecida.

Os depoimentos são colhidos de forma individual (Denise mora na Itália; Eduarda na Holanda) e a construção da narrativa nos faz esperar um encontro que, ao final, se realiza de maneira tímida, diante da Comissão de Anistia e Reparação do Ministério da Justiça, em 2009, que permitiu à filha de Denise incluir o sobrenome do pai na certidão de nascimento.

Atriz portuguesa participa da mostra com mais dois títulos

"A escolha de entrevistar cada uma em seu país, para mostrar o contexto em que estavam, colabora para essa ideia (de estremecimento), que está correta. Há um enorme carinho entre elas, mas também muito conflito, evidentemente.

Especialmente para Eduarda, que tem essa figura do pai por construir. E cada uma constrói Bacuri à sua maneira", pondera Maria.

Ana observa que uma diferença fundamental entre elas está no contexto histórico e pessoal de Denise, que seguiu a luta política da mãe (Encarnación Lopes Perez), depois se apaixonando por Bacuri. "Já Eduarda foi criada com enorme proteção. Ela diz no documentário que a missão de sua mãe era lhe proteger como uma onça, o que fez, mais tarde, buscar a sua autonomia", acrescenta a diretora.

Na Mostra, além de "Repare Bem", Maria comparece com outros dois títulos: como diretora do segmento "Aventuras do Homem Invisível", do filme "Mundo Invisível", e como atriz de "Não Estou Morto", de Mehdi Ben Attia. Nesta sexta (26), ela também fará uma apresentação musical no Museu da Imagem e Som, lançando o seu mais recente disco, "Pássaros Eternos".

É a primeira vez que Maria trabalha com composições de sua lavra. "É como seu tivesse recebido a minha primeira câmera fotográfica, clicando em todas as direções. Escrevi samba, fado, blues e algo mais para jazz... São todas as minhas referências e os meus amores musicais".


(*) Viajou a convite da organização da Mostra de Cinema de São Paulo

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