Musicais voltam com força total aos cinemas

Paulo Henrique Silva - Do Hoje em Dia
24/08/2012 às 10:32.
Atualizado em 22/11/2021 às 00:43
 (Warner/Divulgação)

(Warner/Divulgação)

Foi só o cinema aprender a falar – em 1927, com "O Cantor de Jazz", primeiro filme de grande duração com falas gravadas – que cantar e dançar no meio de um diálogo, por mais irreal que tal atitude possa ser, se tornou algo corriqueiro nas telas.

O gênero viveu altos e baixos desde então, virando febre no final da década de 1970 e início dos eighties, com "Embalos de Sábado à Noite" e "Footloose – Ritmo Louco". É nessa fonte que "Rock of Ages" bebe, ao mesmo tempo homenageando e satirizando as produções do período.

Uma das estreias desta sexta-feira (24), o filme busca captar o espírito daqueles tempos, como a rebeldia adolescente e a crença de que, com um pouco de esforço e talento, você pode chegar ao sucesso na América.

Do cenário glam rock surge a leitura de clássicos como "I Wanna Rock", do Twisted Sister, "Wanted Dead or Alive", do Bon Jovi, "Rock You Like a Hurricane", do Scorpions, e "Here I Go Again", do Whitesnake, na voz de Tom Cruise, Alec Baldwin, Catherine Zeta-Jones, entre outros.

La Deneuve

Outro filme em cartaz a partir desta sexta, o francês "Bem Amadas", de Christophe Honoré, é também um musical, em que as canções também se apresentam como diálogos, mas com um pé na realidade. Protagonizado por Catherine Deneuve, reflete as muitas variantes do gênero.

"Os musicais contemporâneos tiveram que se reinventar de certa forma, porque o público está mais crítico", observa o crítico de cinema Alysson Oliveira, do site Cineweb. "Muitos saem daquele plano onírico para vir para a realidade", completa.

"Bem Amadas" caminha pela corda bamba

O diretor Christophe Honoré tem uma visão ao mesmo tempo idealizada e pessimista do amor. O tema atravessa sua filmografia, enfocando as relações como grandes chamas de paixão, ainda que, desde o seu primeiro olhar, se mostrem fadadas ao fracasso. Assim como em seus trabalhos anteriores, "Bem Amadas" caminha nessa corda bamba, mesclando a sobrevivência do sentimento com a nossa própria existência.

É por isso que os cruzamentos românticos ganham, em seus filmes, um caso de vida ou morte, soando, a princípio, exagerados. Não por acaso, muitas vezes estão relacionados com a morte, especialmente com o suicídio e com a Aids.

Há uma intensidade de sentimentos que a vida não dá conta, sendo a via do auto-extermínio a mais "fácil" e indolor, por mais incrível que pareça.

Transbordamento que possivelmente justifica a opção de Honoré pelo gênero musical. Pela segunda vez (a primeira foi em "Les Chansons d’Amour", de 2007), ele envereda pela musicalidade dos diálogos, com atores expressando suas dores em canções que irrompem na narrativa. O gênero, por si só, tem um caráter irreal, um "truque" que necessita da adesão do espectador.

O cineasta se vale dessa ilusão – em quase 100% amorosa – para estabelecer o contraste, entre a entrega total e o fim sempre à espreita. A vida de Madeleine reflete uma personagem à beira do abismo.

Na década de 1960, ela (Ludivine Saigner) tem, com um médico checo, uma relação que não se completa da forma tradicional. Mais tarde, casada com um policial, e agora, vivida por Catherine Deneuve, continua se encontrando com o ex, sob a anuência velada do primeiro.

Um tipo de relação que afeta a vida amorosa da filha (Chiara Mastroianni), que se envolve com um homossexual soropositivo. Aos olhos desta, a finitude se torna mais palpável e menos divertida.

Nouvelle Vague

O assentimento dos "maridos" de Madeleine sobre o compartilhamento parece soar como uma resposta natural à efervescência da década de 1960. É um tributo claro à Nouvelle Vague, na maneira como Honoré vê com carinho seus personagens errantes e em busca de liberdade. Em especial, ao filme "Jules e Jim" (1962), de François Truffaut, que também registra um triângulo amoroso.

Incapacidade

O contexto histórico ajuda a compreender realidades tão diferentes. Madeleine dá de cara com a Primavera de Praga, em 1968, enquanto sua filha acompanha, pela TV, o ataque terrorista às Torres Gêmeas, em 2001.

É como se Honoré apontasse a incapacidade das gerações atuais de sofrer por amor. Não entendem que "amar é por um tempo determinado", como diz a protagonista de “A Bela Junie” (2008), outro filme do cineasta.

Para Oliveira, o realismo cria um impasse "porque, no fundo, musical é fantasia; ninguém sai cantando por aí". Resultado inusitado que é uma das propostas do filme de Honoré (leia crítica abaixo).

A musa Deneuve já participou de outras produções que inovaram no formato: "Os Guarda-Chuvas do Amor" (1964) e "Dançando no Escuro" (2000), mas é com esse último que "Bem Amadas" tem maior semelhança, com o drama se impondo à alegria.

Músicas compostas para o filme aparecem como uma reflexão interna, evidenciando o conflito dos personagens. Caminho oposto ao de "Rock of Ages", em que a trama se esforça para amarrar as canções. Como "Mamma Mia!", calcado nas músicas do Abba, o enredo perde força até se transformar numa simplificação apenas divertida da década de 1980, e não aborda outros elementos (políticos, sociais e comportamentais) da época.

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