Brasil afora, o samba de raiz ainda é vendido em vinil

Elemara Duarte - Do Hoje em Dia
02/12/2012 às 09:19.
Atualizado em 21/11/2021 às 18:59
 (Arquivo Hoje em Dia)

(Arquivo Hoje em Dia)

O samba "de raiz" e seus baluartes estão mais vivos do que nunca na terra mãe em que foram misturados e suingados. Para comprovar isso, a reportagem do Hoje em Dia fez uma pesquisa, por telefone, pelas tradicionais lojas de discos em várias regiões do Brasil. De Manaus a Porto Alegre, de BH a Brasília. Com a palavra, os vendedores desses estabelecimentos, assumidamente fãs do ritmo mais brazuca de todos.

Belo Horizonte

José Malaguth é proprietário da loja de discos Trem Azul há 15 anos. Para ele, a primeira coisa a ser observada é: "Tenho uma certa antipatia por essa coisa de samba de raiz. Samba é samba. Noel Rosa, Donga, Sinhô, que fazia maxixes. Estes são os precursores do samba".

O proprietário lembra que Donga gravou a canção que é considerada o primeiro samba, "Pelo Telefone", registro de 1916. "Raiz do samba é diferente de samba de raiz. Donga é um samba antigo. Mas hoje também cantam Paulinho da Viola, que é da nossa época, mas que é considerado de raiz. Paulinho da Viola já é folha, flor e fruto daquilo. Estes nomes estão na raiz do samba por causa do som com as ligações africanas bem definidas", compara.

Ainda viajando pela história, é possível chegar em Pixinguinha, Ary Barroso, Assis Valente, Wilson Batista e Cartola. "Estes criaram as bases do que a gente tem hoje. É o samba dos primórdios, feito na casa da Tia Ciata, que deveria cantar também. Afinal, quem aguenta ficar parado perto de uma roda de samba?", brinca ele.

"Tia Ciata" nasceu em Salvador foi cozinheira e mãe de santo, considerada uma das figuras mais influentes para o surgimento do samba carioca. Malaguth reconhece que o samba até então era um pouco machista, falava com o olhar do homem. "'Mulher Indigesta', do Noel Rosa, é um exemplo disso".

Sobre o mulherio fazendo e não apenas rebolando ao som do samba, o proprietário da Trem Azul comenta: "Chiquinha Gonzaga é mais vinculada ao choro, às marchinhas. Não acho que esteja tão vinculada ao samba". Por fim, no supra-sumo, Malaguth elege: "Nosso maior compositor é Ary Barroso, mineiro de Ubá, que criou as bases do samba moderno, desse jeito que a gente canta hoje".

E aqui tem o porquê do Dia Nacional do Samba. A data surgiu por iniciativa do vereador baiano Luis Monteiro da Costa para homenagear o cantor e compositor Ary Barroso. O dia 2 de dezembro foi a data que ele visitou Salvador pela primeira vez.

Rio de Janeiro

"O mais interessante pra vender no mercado de vinil são os sambas de raiz. Nelson Cavaquinho, Walter Alfaiate, Monarco, Zé Keti, Candeia, Paulinho da Viola. Estilo de samba tradicional", aponta Márcio Rocha, um dos proprietários da Tropicália Discos, no Rio de Janeiro.

Há nove anos no mercado, a loja é especializada em vinis. "Para pesquisa sobre o samba, procuram muito Geraldo Pereira e demais sambistas do anos 1930, como Noel, Cartola e Donga. Muita coisa desses nomes ainda não saiu em CD. E o que saiu está fora de catálogo", observa.

Como apreciador de samba, Rocha ressalta o "samba de branco", com João Bosco, Chico Buarque, João Nogueira e Beth Carvalho. "O samba da Clara Nunes é mais de terreiro, do partido alto, com as batidas afro bem acentuadas. A mineirinha manda ver nas vendas aqui no Rio", brinca.

Mas falando sério, que nem o Roberto Carlos, "Noel Rosa é a bíblia do negócio", resume Rocha. Junto dos herdeiros praticantes do samba tradicional, ele aponta o carioca de niterói Marcos Sacramento. "É um dos principais artistas intérpretes da nova geração. Assim como as regravações da Marisa Monte". Segundo ele, os artistas de hoje que gravam sambas antigos põem algum toque de modernidade, seja usando bateria ou instrumentos elétricos.

Manaus

No meio da floresta também há samba. Em Manaus, o gerente da Loja Bemol, Eduardo Santos, é prova disso. "Nasci no bairro Morro da Liberdade, onde tem roda de samba. As músicas que rolam nestes encontros são da velha guarda carioca como aquelas de Jorge Aragão, Cartola, Noel Rosa e Beth Carvalho. Estes nomes também são bem procurados aqui na loja".

"Aqui em Manaus, os bairros voltados para a cultura da roda de samba são a Praça 14 de Janeiro e o Morro da Liberdade. A música produzida aqui é ligada a duas escolas de samba rivais: a Vitória-Régia e a Reino Unido da Liberdade". Santos diz que essas escolas são antigas. "São senhoras bem experientes", garante, dentro do quesito ziriguidum.

No Morro da Liberdade, os encontros acontecem no sábado à noite. Entre os compositores locais de samba, ele aponta Paulo Onça e Chico da Silva. Silva também canta e tem CDs gravados. Um deles tem nome bem curioso - "Sambaterapia". Santos lembra que Silva é o criador da toada "Vermelho", que Fafá de Belém gravou em homenagem à festa do boi, em Parintins, no mesmo estado. "Chico da Silva pode ser considerado o nome do nosso samba de raiz".
 

Salvador

Sambista ou "sambador"? Na Bahia, tudo é diferente. Além disso, a história conta que o estado foi a "maternidade" do samba, desde "Tia Ciata". Na loja de discos Pérola Negra, em Salvador, o proprietário, Roberto Sampaio, diz que essa origem é resgatada. Ele tem parceria com a Associação de Sambadores de Santo Amaro da Purificação. Isso mesmo! A terra de Caetano e Bethânia, no Recôncavo Baiano.

A Região também é onde o músico Roberto Mendes, considerado um dos grandes sambistas ou "sambadores" da Bahia, reside. Mendes, informa Sampaio, estuda os grupos de samba de roda do interior do estado. "O verdadeiro samba da Bahia é o samba de roda. É uma dança na qual as pessoas ficam em círculo, cantam e batem palmas. Ainda tem atabaque e violão. Roberto pesquisa muito isso".

Sampaio cita também os sambistas Walmir Lima e Riachão, este último, hoje com 91 anos, mas ainda na ativa. "Ele tem disco gravado e esgotado. Riachão é o sambista vivo mais velho daqui". Ainda tem Roque Ferreira, que é o compositor baiano de samba mais gravado no Brasil atualmente. "Há diversos sucessos de gravados por Martinho da Vila e Zeca Pagodinho".

Mas e você, Sampaio, também entra na roda? "Eu sou mais de bater palma do que dançar", diz o baiano.

Porto Alegre

Uma das lojas mais antigas de discos de Porto Alegre é a Museu do Som. O proprietário, Antonio Clécio Xavier, conta que o empreendimento existe e "resiste" há 30 anos. Nesse tempo, mesmo com o apelo de pen-drives e toda virtualização da música, o samba continua nas procuras dos fregueses. "Clara Nunes vende muito. Inclusive, as pessoas que são devotas do candomblé a procuram".

O proprietário diz que hoje mudou-se a tendência para aquisição da música. "As pessoas baixam tudo pela internet. O que nos segura é a música sertaneja e o rock. Mas o samba sempre vai ser ouvido".

E nas voltas que o mundo dá e nas surpresas que o entrevistado apresenta, Xavier revela que nasceu na cidade de Russas, no Ceará, e que nessa travessia nunca largou o gosto pelo samba. "Meu irmão mudou-se para Porto Alegre para trabalhar em um banco e eu vim junto. Gosto de samba, é fora de série. Gosto de Beth Carvalho, Martinho da Vila, gosto de chorinho", conta entre um "se aprochegue" e um "bah" no vocabulário.

E se um gringo chegar para ele, hoje, na loja, pedindo que apresente um disco de raiz do samba, ele vai direto em Clara Nunes e em Martinho da Vila. "São os dois porta-estandartes".

"A Bahia e o Rio neste sentido fazem mais propaganda. Mas o samba é brasileiro. Hoje procuraram Demônios da Garoa aqui na loja, grupo paulista de samba que também é muito especial". Em "POA", diz ele, existem bares que tocam chorinho e que reúnem um público muito bom.

São Paulo

A Pop's Discos nasceu no início do movimento chamado "Rock Brasil", em 1979. Mas isso não interfere na importância do estoque de discos de sambas que a loja teve que rebolar para montar, graças à procura cada vez mais crescente pelo ritmo. A proprietária do local, Regina Manzato, diz que os nomes que resistem e ainda são procurados são os de Cartola, Nelson Cavaquinho, Paulinho da Viola, Zeca Pagodinho, Dona Ivone Lara e, claro, dos paulistas Germano Mathias e Adoniram Barbosa. E o paulista tem samba no pé? Sorrindo, ela garante: "Quem gosta tem".

Regina acredita que o samba nunca vai sair de moda. "O pessoal jovem gosta muito. E eles vão é na turma da velha guarda. Quando fundamos a loja vendia menos. Eram os anos 1980 e vendíamos mais rock. Com o tempo, fomos nos adaptando".

Brasília

Em pleno aeroporto de Brasília, a Aero Music, é um ponto de luz no fim do túnel para os gringos conhecerem o que é samba. Terreno do sertanejo, a região da capital Federal também guarda alguns adeptos do ritmo dos batuques.

A vendedora Priscila de Jesus Leal lembra do ícone da malandragem carioca: "Geralmente sai mais é Bezerra da Silva, João Nogueira, Cartola. Quem procura mais samba de raiz são os gringos. Eles sabem o que é samba e gostam. Aqui, passa gente de todo mundo. Os franceses são os que mais gostam. Quando não dão conta de falar o nome da música, eles começam a dançar".

Mas a preferência de Priscila, 21 anos, não difere muito da maioria dos jovens brasilienses. "Sertanejo é o que faz mais sucesso. Em Brasília, há poucos lugares que tocam samba e pagode. Mas tem uma moda que tem retomado isso. De samba, eu gosto muito é do Diogo Nogueira. Ele canta músicas do pai dele, que são sambas tradicionais. Além do mais, eu acho ele lindo", diz a jovem vendedora, abrindo o coração.

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