Mundo da música lembra 50 anos da cantora Cássia Eller

Raphael Vidigal - Do Hoje em Dia
10/12/2012 às 12:34.
Atualizado em 21/11/2021 às 19:17
 (Divulgação)

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Cássia Eller tinha apenas 19 anos quando compôs "Flor do Sol", parceria com Simone Saback. Mas só agora, na data alusiva aos 50 anos de nascimento da cantora (morta em 2001, aos 39, em circunstâncias pouco esclarecedoras), que a canção vem à tona.

A inédita música pode ser ouvida no iTunes da gravadora Universal Music. Gravada em Brasília pela própria Cássia, residente na capital à época, foi finalizada este ano em estúdio, com a participação de músicos associados ao universo da intérprete.

Obscura

Embora tenha enfileirado uma série de sucessos, especialmente no ano de sua morte, quando gravou o "Acústico MTV", e mesmo um pouco antes, com discos antológicos produzidos por Nando Reis e Wally Salomão, a exemplo de "Com Você... Meu Mundo Ficaria Completo" e "Veneno Antimonotonia", o lado compositor da cantora sempre figurou na obscuridade.

Não por motivos fúteis. Afinal, com o lançamento de "Flor do Sol", somam apenas quatro o número de composições da propagadora de versos de Renato Russo, Cazuza, Lobão, Riachão, Nando Reis, Carlinhos Brown, Chico Buarque, Marisa Monte e tantos outros.

Afora isso, o fato de que todas estão presentes nos primeiros álbuns da artista, de pouquíssima divulgação e alcance comercial, tanto durante a vida quanto após a partida, pesam, e muito, para o desconhecimento de que Cássia Eller, além de primorosa cantora, também compunha.

Loucura

A qualidade desses versos e melodias, escritos em período complicado da vida de Cássia, imersa em mundo de excessos e descobertas típicas dos primeiros anos de muitas adolescências, ainda está para ser discutida.

O certo é que transigia numa pulsão, loucura e coragem que marcou o início da carreira, nada meteórica e muito truncada, daquela que viria a se tornar febre nacional com atitudes opostas frente às câmeras. No palco, literalmente "bicho solto" a mostrar os seios e rebolar, debochada, para a plateia. Em entrevistas, outro bicho, do mato, com medo de tudo e medindo as (poucas) palavras.

Estranhas

No primeiro disco de Cássia Eller, intitulado com o nome da intérprete, de 1990, os versos que ela propagava vinham da "Vanguarda Paulista", movimento ressuscitado recentemente, com muita substância, por Zélia Duncan, que também viveu na Brasília de Cássia e tem, como mérito, conceder a essas canções "estranhérrimas", nas próprias palavras, a possibilidade de tocarem nas rádios.

Itamar Assumpção, Mário Manga, Arrigo Barnabé, Hermelino Neder, Marcus Miller, estão todos lá, enchendo com letras ácidas e sons dissonantes o encarte.

No meio deles, a dona do disco e da voz assina "Lullaby" com Márcio Franco. Não é música palatável nem roça o "pop", o que, portanto, não assusta que jamais tenha figurado nas listas das mais ouvidas. Nem é a esse espaço que pertence, o que não lhe tira os méritos enquanto canção, de ousadia, da artista insipiente, tateando, sem o menor cuidado, os primeiros passos.

Revoltas e desejos, medos e angústias

Na continuação da carreira, mas ainda sem dar graça às luzes da grande mídia, Cássia Eller não poderia pensar em outro nome ao trabalho senão "O Marginal", lançado em 1992.

Era intolerante álbum, agressivo, irônico, que, ao invés de tratar da homossexualidade como em "Rubens", música de Mário Manga gravada no anterior (a letra dizia, entre outros trechos, "Quero te apertar/Quero te morder e já/ Quero mas não posso, não, porque:/ - Rubens, não dá/A gente é homem/O povo vai estranhar"), arregaçava as mangas contra preconceitos de cunho social e econômico".

Canto desesperador

Pouco econômica nos gestos e urros, ásperos e extremamente puros, sem a limpidez adquirida com o passar dos anos – no entanto conservando a tragédia do canto desesperador de Cássia (herdado com veracidade de Cazuza e Angela Ro Ro, mas mantenedora de identidade própria e única) – a intérprete escancarava ao mundo revoltas e desejos, medos e angústias, na letra que dá nome ao disco, com Hermelino Neder, Zé Marcos e Luiz Pinheiro. E, ainda, em "Eles", parceria com Pinheiro e Tavinho Fialho.

Mas, sejamos justos, não lhe ouviram, até que fosse feita de menos sal e mais açúcar. Hoje, a "Flor do Sol" renasce, certamente mais encorpada, embora já possua 50, e não mais 19 anos. O reconhecimento vem com o tempo, diria, magoado, o filósofo Nietzsche.

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