19ª edição destaca a força das mulheres à frente e por trás das câmeras

Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia
26/01/2016 às 07:49.
Atualizado em 16/11/2021 às 01:10
 (Jackson Romanelli/Universo Produção/Divulgação)

(Jackson Romanelli/Universo Produção/Divulgação)

TIRADENTES – O primeiro fim de semana da 19ª Mostra de Cinema de Tiradentes foi dominado pelas mulheres – atrizes, diretoras e produtoras que têm controle total sobre seus projetos, com liberdade para escolher a sua própria equipe e temas que mais lhe chamam a atenção, de suspenses baseados em clássicos da literatura a questões relacionadas ao universo feminino, passando pela discussão da crise brasileira.

“Quero produzir meus trabalhos. Do contrário, você fica meio solta e acabam lhe oferecendo sempre os mesmos papéis, aqueles que eles acham que você deve fazer”, observa a atriz pernambucana Virginia Cavendish, responsável por levar às telas a adaptação do clássico conto “A Volta do Parafuso”, de Henry James, um filme de suspense que ganhou o título “Através da Sombra”, com direção de Walter Lima Jr.

Lembrada principalmente pelas comédias “O Auto da Compadecida” e “Lisbela e o Prisioneiro”, assinadas pelo ex-marido Guel Arraes, Virginia ressalta que, nos Estados Unidos, essa prática é bastante comum, com vários atores de renome produzindo seus próprios filmes, entre eles Brad Pitt e Mel Gibson. “No Brasil, isso já era feito no teatro, mas, no cinema, agora é que está começando de verdade”, destaca.

Quem lhe estimulou a fazer esse duplo papel foi Fernanda Montenegro, que aconselhou a atriz a construir o seu próprio caminho. “Iríamos trabalhar juntas numa peça, o que acabou não acontecendo, mas ela destacou que, se eu não batalhasse, não conseguiria fazer os textos que eu queria”, lembra Virginia, que também produz suas peças, duas delas dirigidas justamente por seu parceiro no cinema, o veterano Walter Lima Jr.

Caminho natural

A princípio,“Através da Sombra” seria levado para os palcos, mas Virginia achou que a história seria perfeita para o cinema, trilhando por um gênero pouco abordado no Brasil. “Se tivermos 30% do público que gosta dos suspenses americanos, e brasileiro adora esse gênero, já estará bom”, registra a atriz/produtora, que assistiu às adaptações anteriores de Henry James, como “Inocentes” e “O Orfanato”, para compor sua personagem.

Virginia interpreta uma professora retraída e que só se veste de preto, contratada para educar dois irmãos. Ao chegar a uma mansão no interior, ela passa a ser atormentada por visões. “É uma personagem muito complexa. É dolorido, principalmente para nós, mulheres, aparecermos sem estarmos bonitas, com um cabelo bem cuidado ou um batom vermelho, que são como uma espécie de muleta para a gente”, observa.

Tempo de maturação

Definindo o filme como uma história sobre o medo e a repressão do desejo, Virginia levou cinco anos para concluir “Através da Sombra”, que deverá chegar aos cinemas em maio. “Não foi fácil levantar os recursos. Mas (Stanley) Kubrick também demorava anos para fazer seus filmes. E para esse projeto foi muito bom ter esse tempo de maturação. Se o fizéssemos mais rapidamente, talvez ficaria algo mais descartável”.

Elas são mais sensíveis na abordagem

O time feminino em Tiradentes também contou com as diretoras Sandra Kogut (“Campo Grande”), Maria Augusta Ramos (“Futuro Junho”) e Lo Politi (“Jonas”), além da produtora Janaína Guerra, que representou o pai Ruy Guerra na exibição do filme “Quase Memória”, adaptação do livro homônimo de Carlos Heitor Cony.

Sandra e Maria Augusta são diretoras premiadas e com vários longas-metragens no currículo. A segunda tem trabalhado principalmente as estruturas sociais no Brasil em seus documentários. Ela aborda as diversas facetas da realidade do país a partir do conflito entre a população e as instâncias de poder estampado em “Futuro Junho”.

Ganhadora do prêmio de melhor direção no último Festival de Havana, Sandra Kogut registra que as mulheres têm uma sensibilidade maior na condução de alguns temas, mas alerta que não é uma exclusividade delas. “O homem pode ter também. Assim como nós podemos ter uma visão mais masculina”, compara a realizadora.

“Antes de mais nada, temos que entender que o filme sou eu. Só posso fazer algo interessante se ele exprimir o que eu sou, a maneira como vejo as coisas ao meu redor”, sintetiza Sandra, que teve a ideia para “Campo Grande” após filmar em Minas Gerais “Mutum”, baseado numa das histórias de “Manuelzão e Miguilim”, de Guimarães Rosa.

“Fiquei conhecendo o caso de uma mulher que deu o seu filho para outra pessoa criar e isso me marcou. Escrevemos a história tendo o Rio de Janeiro como cenário, para enfatizar as transformações que a cidade vem sofrendo, por causa dos Jogos Olímpicos, e como um reflexo desse estado de mudanças no campo existencial”, detalha.

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