Mostra dedicada ao cinema do cultuado diretor chega a BH a partir desta terça

Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia
29/02/2016 às 07:20.
Atualizado em 16/11/2021 às 01:36
 (Arquivo Hoje em Dia)

(Arquivo Hoje em Dia)

Cada novo filme de Pedro Almodóvar provoca uma espécie de frisson, independentemente de elenco ou da história. É um raro caso no qual as pessoas vão ao cinema pelo diretor. E enquanto o novo longa do espanhol (“Julieta”) não é lançado, uma mostra no Sesc Palladium (a partir desta terça, e com entrada franca) se incumbe de investigar as razões de a filmografia do cineasta ser assim, tão apaixonante.

A palavra “desejo” está fortemente atrelada ao trabalho de Almodóvar – não por outro motivo, a mostra em questão (que segue até 17 de abril) se chama “Deseo – O Apaixonante Cinema de Pedro Almodóvar”. A palavra desejo é também a razão social da produtora do cineasta (El Deseo) e está atrás de títulos como “Labirinto de Paixões” (1982), “A Lei do Desejo” (1987), “Ata-me” (1989), “Carne Trêmula” (1997), “A Pele que Habito” (2011) ou o inédito “Julieta”, associado à personagem de Shakespeare.

IDENTIFICAÇÃO

“Quem já não viveu uma experiência de insistir numa relação que não vai dar em nada? Os filmes de Almodóvar dialogam com o público de uma forma que ele se identifica com a história e com aqueles personagens, por mais distantes e marginais que possam ser”, observa Breno Lira Gomes, jornalista e curador da mostra, já apresentada em outras praças.

Breno ressalta que Almodóvar foi um dos primeiros realizadores a recorrer a um travesti como protagonista, retirando-o da sombra e mostrando quem são essas pessoas de verdade, envolvidas em tramas que nos remetem imediatamente ao melodrama. Tema, por sinal, de uma masterclass que será ministrada dia 16 de março pela argentina Silvia Oroz, também curadora e autora do livro “Melodrama – O Cinema de Lágrimas da América Latina” (1999).

SEXO E AFETO

O cinema do espanhol sempre esbanjou afeto, e não só entre casais, frisa Breno. “Em ‘Tudo Sobre Minha Mãe’, críticos enxergaram na personagem a própria mãe do diretor. E também podemos notar esse sentimento na relação entre irmãos, como em ‘Volver’ e ‘A Flor do Meu Segredo’, que exibem uma fraternidade muito presente. Um dos irmãos dele, Augustin, é sócio na produtora El Deseo”, registra o curador.

O sexo estava impregnado nos primeiros longas de Almodóvar, estampando o cartaz de “Matador” e “Ata-me”, mas Breno enxerga, hoje, um papel não tão preponderante – fruto, segundo ele, de um amadurecimento do espanhol como realizador e homem. “O sexo passa a ser visto de outra forma, como uma violação em ‘A Pele que Habito’ e um ato cômico em ‘Amantes Passageiros’”, sublinha o jornalista, que só deixou de fora da mostra esse último trabalho de Almodóvar, de 2013.

Companhia mineira se inspirou no universo do espanhol

Não é só na tela grande que o universo colorido e “exagerado” de Almodóvar encanta. No universo da dança, “Dolores”, espetáculo da companhia mineira Mimulus inspirado na obra do diretor espanhol, não sai do repertório – isso, nove anos após ter sido apresentado pela primeira vez. Na verdade, é a montagem mais solicitada da companhia, que já a levou a mais de 80 lugares, incluindo cidades do Canadá, França, Bélgica e Espanha.

Em território espanhol, por sinal, a possível presença de Almodóvar na plateia gerou “burburinho” nos três dias de apresentação, lembra Jomar Mesquita, diretor artístico da Mimulus. “Criamos um contato com Augustin, irmão dele, na época em que apresentamos por lá ‘Do Lado Esquerdo de Quem Sobe’, em 2006. Augustin foi ver o espetáculo e falamos para ele do projeto de ‘Dolores’, que foi muito bem recebido”, recorda.

Após a miniturnê pela Espanha, Jomar recebeu uma mensagem de Almodóvar, através de sua secretária, pedindo desculpas por não ter ido, devido à agenda de lançamento de um título. O diretor salienta que a recepção a “Dolores” é parecida com a dos filmes do espanhol: as pessoas amam ou odeiam. “Fizemos como nas histórias dele, possibilitando leituras diferentes”.

A companhia não teve receio de abordar temas como homossexualidade e religião, combustíveis certos de polêmica. “O universo de Almodóvar é riquíssimo, ele sempre trabalha com tabus. Para ver seus filmes é preciso se despir de certos conceitos pré-formatados”, afirma Rodrigo de Castro, um dos dançarinos da Mimulus, que viu, na obra do diretor, as mesmas contradições presentes na dança de salão.

“Almodóvar sempre nos interessou porque sua estética está na base de nossos trabalhos, na linha tênue entre o kitsch, o brega e o chique. Além disso, há a questão da mulher, que tem, nos filmes dele, um papel de condutor, menos frágil, que também é uma questão dentro da dança de salão”, registra ele, que se lembra do receio do grupo em levar “Dolores” a plateias mais conservadoras. “Ficamos com medo de assustar e incomodar, mas as pessoas geralmente se identificavam, até mesmo os homens. O título pode explicar essa situação. O dançarino Rodrigo de Castro lembra que Jomar Mesquita escolheu o nome do espetáculo – “Dolores” – após ler uma biografia sobre Almodóvar, na qual “o cineasta diz que o sentimento mais universal não é o amor, mas sim a dor, independentemente da nacionalidade”. A trilha sonora traz músicas presentes nos filmes do realizador, que já faziam parte do universo da companhia. “Em boa parte, canções latinas, que lidam visceralmente com a questão da passionalidade. O que me faz gostar dos filmes é o mesmo que fascina na dança de salão: dependendo do estado de espírito, você pode chorar de emoção e rir bastante”, compara o diretor artístico.

“DOLORES” – Recepção afim à dos filmes almodovarianos

'Estabelecendo um mapa hispano-americano muito particular’

Almodóvar ficou mais “certinho”. Essa é a avaliação de Silvia Oroz, especialista em filmes melodramáticos. Ela observa que as últimas produções do cineasta estão mais ligadas à tradição do cinema clássico, diferentemente de sua filmografia inicial, com trabalhos como “Pepi, Luci, Bom e Outras Garotas de Montão” (1980) e “Labirinto de Paixões” (1982), “que não obedeciam a nenhum sentimento de norma”.

Nessa nova vertente, Almodóvar segue mais de perto os mandamentos que regem o melodrama clássico. “A Pele que Habito”, por exemplo, flerta com melodrama científico realizado nas décadas de 40 e 50, no México e na Argentina principalmente, envolvendo um médico (vivido por Antonio Banderas) e seu experimento bastante particular .

“Em seus filmes, o diretor consegue estabelecer um mapa hispano-americano muito particular, especialmente através das músicas. A utilização delas na trilha sonora é fantástica, com todos os cantores representativos da América”, destaca Silvia, que também enaltece, nos filmes, a presença feminina, em personagens “que carregam o valor da valentia e da honestidade e que, apesar das contradições entre elas, em geral têm um plus em relação aos homens”.

Em tempo: A mostra que chega agora a BH já passou pelo Rio de Janeiro, Curitiba e Brasília. Além da já citada master class com a curadora Silvia Oroz, no dia 16 de março, com o tema “Pedro Almodóvar e o melodrama”, outra atração especial aguarda os fãs do diretor espanhol. No dia 18, às 20h, após a exibição do documentário “Tudo Sobre o Desejo – O Apaixonante Cinema de Pedro Almodóvar”, o curador Breno Lira Gomes, a pesquisadora Rita Ribeiro e o jornalista Luiz Cabral Inácio participam do debate “O Cinema de Pedro Almodóvar”. Nesta terça (1º), a mostra estreia com a exibição de “A Má Educação”, às 20h. Na quarta, no mesmo horário, será mostrado “Volver”.

A programação no Sesc Palladium incluiu, além dos filmes de Almodóvar, produções que o cineasta admira, que foram influências na sua formação ou que produziu – caso do argentino “Relatos Selvagens”

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