A última revista de quem mais entendeu o barroco

José Antônio Bicalho - Hoje em Dia
18/11/2013 às 08:36.
Atualizado em 20/11/2021 às 14:12
 (Marcelo Prates)

(Marcelo Prates)

Falta exatamente um ano para o bicentenário de morte de Aleijadinho, em 18 de novembro de 2014, mas as celebrações começam oficialmente nesta segunda-feira (18). Haverá sessão solene na Assembleia Legislativa para a instituição do “Dia do Barroco”. E, também hoje, será lançado o 20º número da “Revista Barroco”, uma das mais importantes publicações do país de pesquisa e interpretação de arte.

A revista, lançada em 1969, era dirigida pelo poeta e ensaísta Affonso Ávila, morto no ano passado, aos 84 anos, e referência obrigatória para pesquisadores da arte brasileira. Era também secretariada por Hélio Gravatá, autor, entre outros títulos, da fundamental Bibliografia Mineira, compilação de tudo o que já foi impresso sobre Minas Gerais.

Mistura

Ao longo das últimas quatro décadas, a revista reuniu o melhor da crítica e da historiografia da arte, do Brasil e do estrangeiro. Tinha como característica a mescla de ensaístas consagrados e de novos talentos. Apesar de “nascida” dentro da UFMG, manteve-se aberta à contribuição intelectual de fora da academia.

Hoje, a série completa da “Barroco” só é encontrada em (poucas) bibliotecas. Para os persistentes, a formação da coleção demandará anos de garimpagem em sebos. Por sua importância e atualidade, uma reedição seria bem vinda. O primeiro volume, de apenas 100 páginas, já reunia um time de primeiríssima linha da história, da sociologia e da crítica da arte: Carlos Del Negro (texto sobre escultura barroca); Francisco Curt Lange (danças em Minas dos setecentos) e Fernando Correa Dias (sociologia do barroco), entre outros.

Nos números subsequentes, acolheria ensaios de personalidades como o poeta concretista Haroldo de Campos, amigo pessoal de Ávila; do conservador do museu do Louvre Germain Bazin (estudioso do barroco brasileiro e da obra de Aleijadinho), do escritor Silviano Santiago, das jovens pesquisadoras de arte Adalgisa Arantes e Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira e dos próprios Ávila e Gravatá, entre muitos outros.

Nos últimos anos, sob o peso da idade, Affonso passou a direção à filha, Cristina Ávila, mas continuou como “o cérebro” da publicação. O número que está sendo lançado hoje ainda foi idealizado e estruturado por Affonso. É o último. “Representa o fechamento do ciclo do Affonso Ávila na Barroco. Para mim, a edição era um compromisso. Ele nunca quis 19 números. Achava o número ruim, de ‘pé quebrado’”, diz Cristina.

Se houver mais edições, a “Barroco” não será mais a mesma revista, diz Cristina. Não terá mais o formato e o design que deram unidade à toda a série nem será mais restrita à pesquisa e crítica da arte do passado. Deverá se abrir também para a arte contemporânea. “Não faz sentido continuar a revista como meu pai pensou sem ele presente”, justifica ela.

Revolução

A primeira “Barroco” e a série que se seguiu são, na verdade, fruto de uma reviravolta no estudo da arte do século 18 em Minas feita por Affonso Ávila poucos anos antes. Em seu livro “Resíduos Seiscentistas em Minas”, Affonso demonstra que o “dramático” que marca a arte barroca é, na verdade, uma projeção da alma conturbada e da mentalidade mística do homem dos setecentos. Depois de promover essa pequena revolução, abriu a publicação para que o barroco fosse revisto sob a nova ótica. Agora, com o número 20, o ciclo está encerrado.

Um ensaio que não faz concessões

Affonso Ávila, que sempre foi tão generoso com a nossa ignorância, nos prega uma peça nessa “Revista Barroco” que será lançada hoje, a de número 20, a primeira após sua morte e a última da longa série dirigida por ele, iniciada em 1969.

Ávila, que nos fez entender o barroco em textos claros e didáticos (leiam os obrigatórios “Iniciação ao Barroco Mineiro” e a introdução de “Barroco Mineiro: Glossário de Arquitetura e Ornamentação”), que revolucionou o conceito de arte nacional (“Resíduos Seiscentistas em Minas”), e, ainda, que mergulhou na teoria a ponto de superar os mestres ingleses que falaram do nosso passado (“O Lúdico e as Projeções do Mundo Barroco”), publica desta vez um texto dificílimo.

O ensaio “Um Passeio Ensaístico: A Parábola do Cristo” é um dos últimos de Ávila, escrito no ano passado para uma aula magna do curso de Letras da UFMG. É ensaio, mas é muito mais poesia que academia. E ele não faz nenhuma concessão ao leitor: jorra erudição e citações.

Como ensaio, o texto nos propõe entender o homem que, em sua loucura mística, construiu e adorou a alegoria de Cristo.

Tudo estaria encaixado no pensamento do ensaísta, que sempre buscou explicar como o homem enxerga a Deus, a si e aos seus em seu espaço, tempo e arte, não fosse a permissão para que sua persona poética (leiam tudo do Affonso Ávila poeta, entre os maiores de seus contemporâneos) irrompesse o texto.

São 13 páginas absolutamente barrocas, poéticas, herméticas e recheadas de hipérboles. Muito bonito mas quase impenetrável. 

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