'A Ameaça' é um doloroso drama sobre a incapacidade de compreensão da perda

Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia
23/11/2015 às 08:36.
Atualizado em 17/11/2021 às 03:02
 (Califórnia/Divulgação)

(Califórnia/Divulgação)

Num filme que não tem nada de sobrenatural, a opção do diretor John McNaughton em carregar a mão na atmosfera de horror na primeira hora de “A Ameaça” é curiosa. Lançada em DVD pela Califórnia, a produção é, na verdade, um doloroso drama sobre a incapacidade de compreensão da perda, com elementos policiais.

O que faz da trama algo além da dificuldade de um casal em lidar com a doença terminal do filho é a omissão de algumas informações. É a maneira como McNaughton controla o acesso ao entendimento, que nunca é completo. O mestre do suspense Alfred Hitchcock talvez oferecesse essa a mesma abordagem para ressaltar um outro tipo de horror.

Não se trata do horror explícito, mas daquele que se passa na mente das pessoas e, muitas vezes, ganha um caráter legítimo, de aparente normalidade, pela atividade ou posição de alguém. Como Norman Bates, o famoso protagonista de “Psicose” (1960), que administra um hotel de beira de estrada, Katherine é uma médica como qualquer outra.

É essa forma de poder que a torna quase imune. Em determinado momento, o marido Richard brinca com o filho, perguntando sobre a diferença entre Deus e um médico. A resposta é que o primeiro não se acha médico. A partir dessa ideia temos a chave para chegar ao grande tema de “A Ameaça”, a respeito de um conhecimento que lhe permite transgredir.

Domínio sobre a vida

Mal comparando, Katherine é uma espécie de Victor Frankenstein, que afronta Deus e tenta ter domínio sobre a vida humana. É um assunto caro à literatura e ao cinema de ficção, mas no filme de McNaughton os sinais de ambição desmedida não são tão claros. Como nos trabalhos de Hitchcock, desde o início sabemos que há algo de errado.

As reações de Katherine, na maneira como reprime seu filho de alguns prazeres, especialmente o contato com o outro, geram estranheza, mas o quebra-cabeça inteligentemente nunca se fecha até o diretor resolver entregar todas as informações para iniciar o clímax, postergando ao máximo a sensação de incômodo no espectador.
A estranheza não se origina apenas do clima constante de horror, em que sabemos que algo de ruim ainda vai acontecer, nos gerando certa impotência. Está na atuação de Samantha Morton, como uma mulher que não dá valor ao marido e parece estar sempre à beira de um ataque de nervos, características que não são abandonadas mesmo com o esclarecimento da história.

Aceitação

Já Michael Shannon (o general Zod de “O Homem de Aço”) brilha como o esposo covarde, que não consegue dar um basta à atitude da mulher, preso à casa apenas pelo filho. Mesmo fazendo um personagem contido, o ator consegue transmitir muita dor, transformando-se no maior emblema do filme, sobre a aceitação de ações daqueles que exercem algum poder.

Embora McNaughton recorra ao horror, o título em português “A Ameaça” é pouco significativo. O original “A Colheita” traz diferentes leituras, como a pequena plantação de milho, de onde surge uma heroína mirim. E também está relacionado aos verdadeiros objetivos de Katherine. Além da interpretação religiosa, colhendo-se (pagando) o que foi plantado.

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