'A crise é uma chance pra gente se reinventar', diz criador do Festival de Fotografia de Tiradentes

Clarissa Carvalhaes - Hoje em Dia
14/03/2016 às 21:40.
Atualizado em 16/11/2021 às 01:47
 (Nereu Jr/ Divulgação)

(Nereu Jr/ Divulgação)

TIRADENTES - O belo-horizontino Eugênio Sávio se dedica a fotografia há mais de 20 anos. Professor na PUC Minas, mestre em Comunicação e Cultura pela UFRJ, é o nome a frente do projeto Foto em Pauta que já circulou em diversos estados do Brasil.

Há seis edições ele produz um dos mais bem-sucedidos eventos da categoria: o Festival de Fotografia de Tiradentes que no último final de semana levou para a cidade histórica cerca de 8 mil pessoas.

Com programação consistente e diversificada, os três dias de festival abarcaram artistas e curadores com o intuito de discutir a fotografia contemporânea a partir de exposições, workshops, palestras, debates, lançamentos de livros, projeções noturnas e atividades educativas.

Na correria entre um evento e outro, Eugênio Sávio falou ao Hoje em Dia sobre os rumos da fotografia em tempos onde a palavra "crise" parece ocupar todos os lugares, mas nem sempre deve ser encarada como a grande vilã da história.

 

A cerne da fotografia está associada ao jornalismo. Com a crise pela qual passa a imprensa em todo o mundo atualmente, a imagem é prejudicada?

Ah, sim. Perde-se um veículo interessante para fomentar e incentivar a produção fotográfica. E já é possível ver essa significativa redução. Existe um festival na França, em Perpignan, que é mais ligado ao fotojornalismo. E durante a última edição já foi apontada essa dificuldade. Já se foi discutido que, quando o festival começou, há mais de 20 anos, muitos fotógrafos vinham da fotografia documental. Hoje é possível contar nos dedos quem que consegue sobreviver exclusivamente disso ou aqueles que não dependem da imprensa como forma de vida.

Então, como a fotografia deve se reinventar ao longo desse processo? Qual a saída?

Bem, ao mesmo tempo que vislumbramos esse cenário pessimista, é possível dizer que há sim um novo e bom horizonte para a fotografia. É fato que a imprensa sempre foi, de alguma forma, controlada. E agora, que o fotógrafo não tem a imprensa como único veículo, é possível se libertar. O fotógrafo vai  criar e desenvolver a fotografia autoral. Acredito que de alguma forma toda essa crise é um reforço, um fôlego, uma chance pra gente se reinventar.

E onde publicar esses trabalhos autorais?

Se pensarmos no horizonte de BH, João Castilho e Pedro David (dois importantes nomes da cena fotográfica autoral do país) estudaram jornalismo. Eles começaram fazendo foto para jornal e só depois perceberam que aquilo não era o caminho. Foi quando traçaram uma jornada própria: fosse na arte, no livro, em outras ferramentas ou outras formas de difusão. Nessa edição do Festival de Fotografia em Tiradentes enfatizamos muito a questão do livro fotográfico porque a gente vê, claramente, que esse é o veículo da ambição do fotógrafo contemporâneo. Não com a ambição de ser o livro a forma de sobrevivência, porque não é o caso, mas a forma de se expressar mesmo.

E existem muitas mostras voltadas para esse nicho...

Sim! Existe um circuito grande de difusão dos livros. Existem festivais no mundo inteiro dedicados ao fotolivro, coleções e colecionadores. Essa onda do livro, por exemplo, é uma das vertentes que a gente pode contar como um caminho para essa dificuldade pela qual o jornalismo passa. Mas é inevitável: o mundo está mudando e a fotografia não está perdendo com isso. Ela está simplesmente encontrando novos caminhos.

Já são seis edições de Festival em Tiradentes e, nesse tempo todo, o evento cresceu um bocado. E o público? Mudou também?

O Festival evoluiu e tornou-se uma referência nacional. Neste ano, por exemplo, contamos com alunos (que participaram dos workshops) de 15 estados mais o Distrito Federal. E essa foi uma grande transformação: sabemos que o público não apenas aumentou como se qualificou também. E olha só, existe um fato importante e curioso: nessa 6ª edição alguns curadores vieram espontaneamente. Gente que veio porque queria ver o que estava rolando aqui. Veio porque sabe que o quê está acontecendo em Tiradentes contribui para a percepção do que é a arte contemporânea brasileira.

E como será 2017? Maior?

Pois é, a gente também tem um problema que é o desejo de não crescer muito. O legal desse Festival é que ele não é gigante. A gente não quer ter um auditório para 500 pessoas porque senão perdemos a característica de estar próximo, de ser intimista. Nesse ano, pensamos como solução oferecer várias atividades ao mesmo tempo. Quem não conseguia espaço no auditório, pôde ver o lançamento de um livro, uma exposição ou fazer um curso.

E ainda tem a questão financeira, né?

Exato. A gente precisa de dinheiro público para fazer o Festival acontecer - já que a programção é 90% gratuita. Porém as instituições públicas e privadas estão com dificuldade. Tínhamos o apoio de multinacionais, mas com essa alteração grande do dólar, elas se afastaram do Festival. Não posso deixar de dizer que um fator importante para o Festival acontecer são os próprios comerciantes de Tiradentes que têm um benefício imediato e também nos apóia. São pequenos apoiadores que somados tornam-se grandes apoios para viabilizar tudo isso. E assim a gente vai se virando.

E como o fotógrafo faz para se destacar na multidão em tempos em que todo mundo fotografa tudo o tempo todo?

Apostar no autoral. Ele pode, e até deve, usufruir das redes socias. Isso é também uma forma de se mostrar. Eu particularmente considero o Instagram uma ferramenta incrível pra gente aprender fotografia, sigo várias pessoas interessantes e inteligentes. Publicar livros e fazer exposições são formas de se diferenciar desse turbilhão onde todo mundo é fotógrafo.

Como curador, fotógrafo e idealizador de projetos importantes gostaria que apontasse a deficiência da fotografia brasileira.

Ainda é preciso amadurecer o mercado, termos mais colecionadores e coleções. Há muito que se expandir porque a maior parte dos trabalhos são produzidos na região Sudeste. É difícil a gente pensar em fotógrafos de outros lugares, mesmo assim, neste ano, trouxemos exemplos incríveis: gente de Natal, Pernambuco, Belém... mas é claro que para um país do tamanho do Brasil deveria ter mais gente. O Brasil é um mundo. O que posso assegurar é que ao longo dessas seis edições, pude perceber claramente que o Festival é muito importante para irradiar energia para esses artistas. Tem gente se inspirando aqui para fazer festival em suas cidades, por exemplo. E olha, isso não me incomoda nem um pouco. Ao contrário, isso nos dá uma força gigante.

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